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A (recente) transformação das produções de terror e horror do cinema para um formato de séries para a TV foi, de forma geral, incrivelmente inovadora para o gênero. Das repetitivas produções slashers adolescentes recheadas de clichês – que já foram exploradas de inúmeras maneiras –, passando pelos filmes de monstros, sangue e personagens esquecíveis, os grandes sucessos de bilheteria perderam um pouco de sua força em produzir sustos genuínos e horror memorável.

Por outro lado, um maior tempo de execução para a TV oferece um desenvolvimento narrativo mais generoso, pois dá muito mais tempo para a produção detalhar melhor os personagens, a narrativa e o horror em si; além de mais sustos também. Nessa esteira, o excelente cineasta Mike Flanagan (de “A Maldição da Mansão Bly”, 2020) fixou sua carreira dentro desse ramo ao produzir “A Maldição da Residência Hill”, uma incrível produção da Netflix recheada de horror – e considerada uma nova referência na indústria como uma das melhores produções do gênero para a TV.

No verão de 1992, Hugh (Timothy Hutton/Henry Thomas) e Olivia Crain (Carla Gugino, de “A Maldição da Mansão Bly”, 2020) se mudam, com os cinco filhos, Steven (Michiel Huisman/Paxton Singleton), Shirley (Elizabeth Reaser/Lulu Wilson), Theodora (Kate Siegel/Mckenna Grace) e os gêmeos Luke (Oliver Jackson-Cohen/Julian Hilliard) e Eleanor (Victoria Pedretti/Violet McGraw), para a Mansão Hill – a casa mal-assombrada mais famosa dos Estados Unidos. O objetivo do casal é reformar a velha mansão e, depois de alguns poucos meses, vendê-la por um preço mais alto com intuito de ganhar um bom lucro. No entanto, cada noite se revela um desafio para a família Crain, devido à aparição de fantasmas e outras alucinações.

Durante o pouco tempo em que a família Crain fica na mansão, esses elementos sobrenaturais presentes na casa interferem na vida de cada um de maneira trágica e deixam traumas profundos em toda família. Vinte anos depois, os membros da família Crain, já adultos, se reúnem após o suicídio da irmã mais nova, Nell. Assim, eles têm que lidar com vários fantasmas do passado, com os traumas e com as consequências do tempo em que viveram na mansão – uma lembrança extremamente ruim que os persegue até hoje.

A Maldição da Residência Hill” é uma minissérie baseada no livro “A Assombração da Casa da Colina” (publicada em 1959), de Shirley Jackson, e adaptada em forma de Antologia por Mike Flanagan. Com dez episódios, a produção navega entre o passado e o presente, girando em torno de uma família abalada e traumatizada que precisa confrontar memórias assustadoras de seu antigo lar e dos aterrorizantes eventos sobrenaturais que os expulsaram de lá. Todas essas pessoas estão, de alguma forma, envolvidas na tentativa de expiar psicologicamente os eventos perturbadores e sobrenaturais que ocorreram em Hill House décadas atrás.

O ponto crucial da história está em seu mistério metodicamente ritmado ao longo dos episódios; apresentando ao telespectador, já logo no primeiro episódio, quando Hugh, sem explicação, pega seus filhos no meio da noite e vai embora repentinamente de Hill House em pânico enquanto Olivia ainda está em algum lugar da mansão. A partir daí, a minissérie assume uma identidade intrigante, entregando duas histórias paralelas que oscilam entre o passado e o presente. Dessa forma, a narrativa desenvolve os personagens para os eventos que acontecem nessas duas linhas temporais e detalha, aos poucos, o que aconteceu dentro da casa naquela noite misteriosa.

Com sete personagens principais e duas linhas de tempo que se alternam continuamente no meio dos episódios, sempre é difícil lidar com tudo ao mesmo tempo sem se sentir um pouco sobrecarregado – além de correr o risco de ser arrastado e, com isso, perder sua eficácia (o que não acontece nesta produção em questão). Mas, com cada episódio focando em um personagem diferente e sua infância justaposta às circunstâncias presentes, há um sentimento contínuo da linha temporal, que progride de forma bastante significativa. Tudo isso leva a um final climático que, finalmente, revela o que aconteceu dentro da residência Hill House entre os membros da família.

Embora existam produções mais assustadoras, entregando picos de terror maiores, “A Maldição da Residência Hill” compensa esses fatores com um alto nível desconfortável de horror, tensão e suspense – que se apega imensamente em cada cena e com todos os personagens. Tudo isso seria em vão (e cansativo), a não ser pela impressionante construção narrativa, estruturada por Mike Flanagan, acerca de cada personagem e do enredo em si. Essa execução narrativa se aprofunda em cada um da família Crain – tanto de forma individual, explorando-os separadamente; quanto em conjunto, quando todos eles se reúnem. Aos poucos, essa narrativa conecta todos os fatos e personagens previamente desconexos; e isso realmente ajuda a diferenciar a minissérie.

Além do mais, cada um dos cinco irmãos representa um estágio diferente do luto: o primeiro estágio do luto é a Negação, retratada pelo irmão mais velho, Steven – seus irmãos acreditam plenamente nos eventos sobrenaturais que vivenciaram quando crianças, mas ele não. A segunda filha mais velha, Shirley, representa a Raiva – ela está constantemente ressentida com a situação em que ela e sua família se encontram; seja lidando com o vício de seu irmão Luke, com o suicídio de sua irmã Nell ou com o estilo de vida despreocupado de sua outra irmã, Theo. O terceiro estágio é personificado por Theo, que representa a Barganha: ela faz sacrifícios para se sentir satisfeita, afastando quem chega perto para não ter que se abrir, além de usar luvas para sufocar um poder que ela não consegue entender. O penúltimo filho, Luke, é a representação da Depressão; cuja representação é a mais direta, pois ele é mostrado atingindo o fundo do poço por meio de seu vício de forma dolorosa. A filha mais nova, Nell (irmã gêmea de Luke), é a representação da Aceitação, que é constantemente aterrorizada por uma assombração em específico – e, por mais aterrorizante que seja essa realidade que Nell enfrenta, ela aceita isso no final.

Não é por acaso que os estágios do luto se alinham com a idade dos irmãos Crain. O irmão mais velho, Steven, é o primeiro irmão apresentado ao público; e Nell (a irmã mais nova) não é realmente explorada até o final da minissérie. A produção segue a ordem de nascimento dos irmãos Crain para explorar cronologicamente os cinco estágios do luto.

Todos esses elementos narrativos são magistralmente capturados pela excelente Fotografia, assinada por Michael Fimognari, que entrega uma intensa atmosfera mais assustadora e misteriosa ao intercalar as cores e a iluminação. Amarelos pálidos e azuis frios se chocam e contrastam com tons fortes de vermelho, ajudando a entregar uma natureza mais ameaçadora. O uso marcante de lanternas solitárias em longos corredores combinados com tomadas longas e exaustivas sem música ou diálogo também ajudam a construir esse clima tenso. De forma geral, a Fotografia de “A Maldição da Residência Hill” é impecável, em termos de linguagem visual.

As atuações são discretas, porém brilhantes e notáveis; se encaixando muito bem no estilo narrativo. Essa abordagem faz com que os horrores traumáticos dos personagens pareçam menos terríveis – e isso é uma vantagem, pois Flanagan consegue fazer com que todo esse drama familiar pareça mais cheio de suspense e tensão em vez de ser cansativo. Kate Siegel (de “Missa da Meia-Noite”, 2021) causa a impressão mais forte como a versão adulta de Theodora, cujas habilidades psíquicas são as mais explícitas e cujo estilo de mulher má a diferencia de uma família cheia de pessoas mais emotivas. Siegel e Elizabeth Reaser (de “Crepúsculo”, 2008) são destaques como duas irmãs em conflito, cada uma frágil e defensiva à sua maneira; enquanto Oliver Jackson-Cohen (de “O Homem Invisível”, 2020) faz a luta de Luke contra o vício parecer bastante crível.

Por fim, não se pode deixar de falar do grandioso trabalho de Mike Flanagan acerca desta produção como um todo. O cineasta rapidamente ganhou a estima dos fãs de terror e horror graças a projetos como “Hush” (2016) e “Jogo Perigoso” (2017). Com isso, as expectativas se tornaram grandes quando a Netflix anunciou que Flanagan estaria adaptando o livro “A Assombração da Casa da Colina”, de Shirley Jackson, para streaming em 2018. Já tendo sido adaptado no formato de filme três vezes (a primeira em 1963; a segunda em 1999; e a terceira de forma extremamente decepcionante em 2020), a nova versão de Flanagan para o livro em questão resolve abordar a história em formato de minissérie antológica com dez episódios com cerca de uma hora cada.

Mas, diferente das outras produções, havia uma questão importante: como Flanagan poderia manter a tensão exigida pelo gênero de horror e terror por dez horas, sem perder a qualidade ao longo dos episódios? É uma abordagem narrativa complicada de se desenvolver nesse formato, principalmente quando se tem uma obra literária de renome como material base. Assim, tem-se que levar em consideração que a construção narrativa se vale da forma como a história é contada. E é o que ocorre com a minissérie em tela, haja vista que Flanagan aborda o terror e horror através dos traumas para uma dinâmica emocional identificável com personagens bem estruturados.

A Maldição da Residência Hill” é uma minissérie que aborda, em sua essência, traumas, drama familiar, recriminações e ressentimentos de longa data. Sua magistral execução narrativa acerca de cada personagem e da história funcionam harmoniosamente juntos, recompensando o público com algumas cenas impressionantemente assustadoras e com um horror altamente tenso e sinistro. Mike Flanagan consegue se destacar nesse gênero, não apenas por criar uma produção cativante, tensa e cheia de suspense, mas, também, por conseguir sustentar o mesmo nível de intensidade ao longo de seus dez episódios. É seguro afirmar que a assustadora abordagem de Mike Flanagan na minissérie em tela para contar histórias de fantasmas com drama familiar se destaca bastante por sua narrativa atingir bem no nervo do horror.

Quando se trata de elevar uma produção altamente bem construída para um outro patamar, “A Maldição da Residência Hill” é uma das melhores produções de terror e horror já feitas para a Netflix. Isso revolucionou a forma de abordar o gênero em questão, sendo considerada uma nova referência para novas produções que viriam posteriormente – além de ser difícil de ser superada; fato que somente o próprio Flanagan conseguiu realizar ao entregar, em parceria com a Netflix, outras antologias semelhantes, tal como “A Maldição da Mansão Bly”, “Missa da Meia-Noite” e “O Clube da Meia-Noite”. Com certeza, a minissérie em tela é uma das melhores produções de horror da Netflix.

A Maldição da Residência Hill” está disponível na Netflix.

Nota: 9.5

 


Leia abaixo as Críticas das demais Antologias de Mike Flanagan:

A Maldição da Mansão Bly (Netflix, 2020)

Missa da Meia-Noite (Netflix, 2021)

O Clube da Meia-Noite (Netflix, 2022)

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