Apresentar uma nova franquia derivada de um material de sucesso não é uma tarefa fácil. É preciso muito cuidado com certas liberdades criativas ao criar os elementos narrativos que irão compor a história, de forma coerente. A escritora J.K. Rowling (que assina o roteiro – e é a responsável por criar o Universo Potter) e o diretor David Yates (que dirigiu o último filme da franquia e volta a dirigir “Os Crimes de Grindelwald”) tinham a faca e o queijo na mão para continuarem ampliando e desenvolvendo, de forma simples e condizente, esse universo expandido do Mundo Bruxo, tal como foi feito com a película anterior. Porém, a dupla peca ao apresentar uma trama mais sombria, complexa, confusa e com excesso de informações.

Incontestavelmente, J.K. Rowling inovou e fortaleceu os pilares da franquia ao ampliar esse universo. Mas, escrever um roteiro cinematográfico é bem diferente do que escrever um livro, e J.K. Rowling estrutura um roteiro menos simples e mais complicado em “Os Crimes de Grindelwald” do que o roteiro escrito por ela mesma no longa anterior. Esse roteiro mais robusto que “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” se propõe a contar acaba prejudicando a história da produção inteira, como um todo.

Na trama, Newt Scamander (Eddie Redmayne, de “Os 7 de Chicago”, 2020) é recrutado pelo seu antigo professor em Hogwarts, Alvo Dumbledore (Jude Law, de “Sherlock Holmes”, 2009) para enfrentar o terrível bruxo das trevas, Gellert Grindelwald (Johnny Depp, de “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”, 2003), que escapou da custódia da MACUSA – o Congresso Mágico dos Estados Unidos. Grindelwald prepara-se para reunir seguidores a fim de criar bruxos de sangue puro e dominar todos os seres não-mágicos, dividindo o mundo entre seres de magos sangue puro e seres não-mágicos.

Essa missão também testará a lealdade deles à medida que enfrentam novos perigos em um mundo mágico cada vez mais perigoso e dividido quando Grindelwald segue como ameaça com sua filosofia de que os bruxos são superiores aos trouxas. As linhas são desenhadas à medida que o amor e a lealdade são testados, mesmo entre os mais verdadeiros amigos e familiares. Dumbledore é o único que pode impedir suas ações, mas sua força não é o bastante e, por isso, ele precisa contar com Newt Scamander e seus amigos, que concordam em ajudar, desconhecendo os perigos que estão por vir.

J.K. Rowling e David Yates quiseram dar um passo além nesse Universo Mágico, mas acabaram gerando um problema de entendimento narrativo que fica mais complicado de acompanhar, pois tudo acontece muito rápido e difícil de compreender ao mesmo tempo. Isso se dá pela extrema agilidade com que o roteiro tenta desenrolar e insere uma dinâmica na narrativa que acaba ficando incompatível com a proposta. E esse enredo é contado de forma mais sombria, e toda a história fica mais complexa e confusa de entender.

Por mais criativa que J.K. Rowling seja, a sensação que se tem ao assistir “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” é de que a escritora (na condição de roteirista) acabou extrapolando as ideias criativas ao criar uma história que vai mais além do que a proposta original que a narrativa pretendia apresentar, inserindo ideias demais – e tentou contar todas de forma muito rápida. Ou seja, quis fazer mais do que precisava quando, na realidade, era só manter o mesmo padrão que a produção anterior. Ao dar um passo maior do que a perna permite, “Os Crimes de Grindelwald” apresenta arcos e subtramas demais e quis embutir (até de forma um pouco forçada demais) o passado de alguns personagens.

O problema talvez esteja no fato de que J.K. Rowling tentou inserir e explicar esses vários arcos e subtramas condensados em um mesmo filme; questão esta que poderia muito bem ser dissolvida neste filme em questão e nos próximos três, haja vista que os planos da escritora/roteirista e da Warner Bros. são de cinco filmes. Então, não há necessidade de apressar certos elementos narrativos, contados de forma extremamente rápida e resultando em um material narrativo superficial e confuso.

Com isso, a ideia principal, indicada pelo subtítulo do filme (“Os Crimes de Grindelwald”) é dissolvida ao longo de toda a produção de tal maneira, que somente os maiores fãs da franquia H.P. conseguem identificar. Tais crimes foram não só cometidos por Grindelwald, propriamente dito, como também por seus seguidores, que agiram sob suas ordens. Os principais crimes incluem: o assassinato de aurores durante sua fuga de custódia da MACUSA; entrar ilegalmente em Paris como fugitivo; ordenar seus seguidores que matassem uma família francesa “trouxa”; ordenar seus seguidores que invadissem o Ministério Francês para roubar os registros da árvore genealógica da família Lestrange; invadir uma tumba em Paris e fazer uma grande reunião lá dentro, com intuito de reunir mais seguidores; e realizar o feitiço fiendfyre dentro dessa tumba.

Outro pecado na construção narrativa cometida por J.K. Rowling ao roteirizar esta produção é o horrível fanservice, que surpreendeu vários fãs da obra. O que começou como uma preocupação em “Animais Fantásticos e Onde Habitam” (2016), se tornou realidade em sua sequência, que acabou com todas dúvidas sobre a nova franquia e não poupou no material fanservice. E esse fanservice criado em “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” gerou muitas dúvidas sobre a credibilidade da franquia, além de ter provocado a ira de muitos fãs; com isso, até acaba apresentando furos de roteiro. Os dois piores pontos mostrados no filme em tela, em termos narrativos, são:

1) A presença da professora Minerva McGonagall. Ela apareceu em determinado momento do filme, em Hogwarts; e isso causou uma quebra no cânone do Universo de Harry Potter, haja vista que “Os Crimes de Grindelwald” se passa em 1927 e, pela lógica narrativa criada pela própria J.K. Rowling nas obras anteriores, isso seria impossível. Pois, no livro “Harry Potter e a Ordem da Fênix”, Minerva fala para Harry que leciona em Hogwarts há 39 anos. Este livro em questão se passa no ano de 1996; sendo assim, a professora começou a dar aulas na escola em 1957, 30 anos depois dos eventos de “Os Crimes de Grindelwald”. Fora, também, o fato de que Minerva McGonagall nasceu em 1935.

2) Outra personagem feminina apresentada na produção, e que causou um grande alvoroço entre os fãs já desde os trailers, é a Nagini (Claudia Kim, de “Vingadores: Era de Ultron”). Na trama, a bruxa sofre da maldição maledictus. Sendo assim, Nagini pode se transformar em uma cobra até chegar o momento em que nunca mais irá conseguir retornar à forma humana. Assim, ela sofre, na condição de amaldiçoada, a viver o resto da vida como cobra. “Os Crimes de Grindelwald” seria uma ótima oportunidade de explorar com mais profundidade essa personagem e sua maldição maledictus. Porém, a personagem foi retratada apenas como uma mera coadjuvante descartável para que Grindelwald consiga chegar até Credence. É uma pena que Nagini não tenha ganhado maior destaque e nem sido explorada da forma como merecia; o que é um desperdício para essa personagem, que serve apenas como mais um elemento fanservice para a trama.

Porém, “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” não para por aí, recheando o longa de várias outras referências narrativas e fazendo muitos fãs ficarem incomodados, acusando de terem aparecido apenas para satisfazer o fanservice. Os que ganharam maior destaque foram: a Penseira (no Ministério da Magia), as Chaves de Portal (destaque para o balde usado para transportar Newt e Jacob para Paris), o Espelho de Ojesed (usado por Dumbledore), uma aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, ministrada por Dumbledore (durante um flashback, em que os alunos enfrentam o bicho-papão, usando o feitiço riddikulus), o símbolo triangular das Relíquias da Morte, Nicolau Flamel e a Pedra Filosofal. Com exceção do balde, usado como Chave de Portal, que é um elemento narrativo realmente necessário à trama, todo o resto desses elementos citados não tem importância alguma no desenrolar da trama; descaracterizando a produção apenas como um fanservice total.

Após David Yates apresentar um ótimo trabalho dirigindo a nova franquia cinematográfica, com o anterior “Animais Fantásticos”, o diretor se mostra ousado em entregar um material mais complexo e mais carregado de elementos narrativos com essa sequência. É um passo adiante em um terreno já conhecido, que o diretor ousou explorar de forma bem mais dinâmica e mais carregada de elementos do Universo Potter. Isso gerou uma sobrecarga de informações, que excedem o que a proposta precisa passar. J.K. Rowling, na condição de roteirista, não se preocupou tanto em montar um roteiro enxuto, recheando a produção com tanta coisa ao mesmo tempo, que o público acaba não dando conta de assimilar tudo. E isso acaba deixando o filme confuso. A película se apresenta visualmente deslumbrante, mas não se salva quando o assunto é conteúdo, principalmente se levar em consideração os vários easter eggs contidos na trama, que estão lá somente para tentar agradar os fãs.

Em relação ao elenco, a balança pende para os dois lados. Eddie Redmayne e Jude Law entregam um excelente trabalho, apresentando seus carismáticos personagens como Newt Scamandar e Alvo Dumbledore, respectivamente – Jude Law captou a essência do personagem do Universo Potter de forma perfeita. Por outro lado, Zoë Kravitz (que interpreta Leta Lestrange) foi mal aproveitada na produção e não teve todo seu potencial explorado, entregando uma atuação mediana e mal lembrada. O mesmo, e até pior, se pode dizer sobre a atuação de Ezra Miller (que interpreta Credence); se seu personagem não estivesse no filme, nem seria notado e, também, nem faria falta. Por fim, Johnny Depp até tenta se esforçar para entregar um personagem digno dessa magnitude, mas, infelizmente, sua atuação como Grindewald ficou bastante caricata – talvez nem tanto quanto outros personagens (tal como Jack Sparrow) –, mas acabou que não combinou muito com o estilo perigoso e sério que o vilão precisava entregar.

Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” tinha tudo para se solidificar e se desenvolver como uma excelente sequência da nova franquia “Animais Fantásticos”. Porém, caiu em ruína ao apresentar elementos narrativos em excesso, de forma muito sombria e confusa, descaracterizando-se como um mero filme recheado de fanservice. J.K. Rowling, na condição de roteirista, não conseguiu repetir a façanha de criar diretamente um roteiro para a produção cinematográfica, tal como o anterior, que fosse condizente com a proposta que deveria apresentar. Com isso, ela entregou um roteiro cheio de falhas. O único ponto que permaneceu impecável, tal como a película anterior, são as criaturas mágicas, que continuam maravilhosas. Por fim, se estabeleceu, de forma condizente com o futuro da franquia, uma conexão entre Dumbledore e Grindewald, que será explorada no próximo filme – pelo menos é um dos melhores pontos positivos do filme.

De acordo com uma fala de Jacob, dita em um determinado momento do longa em questão, se “obliviar só apaga lembranças ruins”, então “Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” é um filme que merece, intensamente, ser “obliviado” das memórias. Revisar o longa em questão para poder escrever esta crítica foi a melhor e a pior coisa que eu tive que fazer, pois me lembrou o quão ruim é a película e, segundo a lógica fanservice dada à fala de Jacob (que nada tem a ver com o feitiço original que J.K. Rowling criou para o Universo Potter), é melhor que se esqueça mesmo desta lembrança ruim que a produção inteira é.

Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” está disponível na HBO Max.

Nota: 5.5


Entre aqui para ler a Crítica do filme “Animais Fantásticos e Onde Habitam” (2016).

Entre aqui para ler a Crítica do Filme “Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore” (2022).

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