O mundo mágico de Harry Potter é um dos universos literários mais ricos da cultura popular atualmente e, com isso, se tornou uma das sagas mais populares e amadas no cinema. A saga literária, escrita pela brilhante escritora britânica J.K. Rowling, não demorou muito para ser adaptada às telonas, fazendo um estrondoso sucesso entre o público e ganhando uma vasta legião de fãs.
Com
isso, era de se esperar que, mesmo depois da adaptação cinematográfica do
último livro (“Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2”), em 2011, o mundo
mágico de Harry Potter tivesse seu universo expandido e fosse explorado em
outras produções. Não tardou muito e, em 2016, a franquia “Animais Fantásticos”
tão logo veio para provar isso.
Na trama, Newt Scamander (Eddie Redmayne, de “Os 7 de Chicago”, 2020) é um brilhante e excêntrico magizoologista que viaja ao redor do mundo para estudar e catalogar criaturas mágicas, salvando-as da extinção. Em 1926, após concluir uma exploração mundial para encontrar e documentar uma extraordinária variedade de criaturas mágicas, Newt vai à Nova York carregando sua preciosa maleta encantada, um objeto mágico onde ele guarda fantásticos animais do mundo da magia que coletou durante as suas viagens. Porém, por um descuido, Newt deixa alguns animais escaparem, causando uma enorme confusão com o Congresso Mágico dos Estados Unidos, que zela pela exclusão da sociedade bruxa da sociedade trouxa.
Em
meio à uma ameaça que pode expor o mundo bruxo, que está deixando rastros de
destruição nas ruas de Nova York, Newt precisará usar todas as suas habilidades
e conhecimentos para capturar a variedade de criaturas que acabam fugindo de
sua maleta e tendo que lidar com uma confusão enorme causada na cidade antes
que haja uma exposição do mundo mágico aos trouxas. Com a ajuda de uma
funcionária do Congresso Mágico, de sua irmã e de um “trouxa”, Newt precisa
recuperar as criaturas antes que elas causem mais estragos. Só que a missão do grupo
está prestes a esbarrar com as poderosas forças das trevas, que ameaçam o mundo
bruxo.
Baseado na enciclopédia “Animais Fantásticos & Onde Habitam”, escrito por J.K. Rowling – assinado por Newt Scamander no Universo Potter e usado como livro obrigatório pelos estudantes de Hogwarts –, o filme acompanha os eventos que antecedem a Primeira Guerra Bruxa, cerca de 70 anos antes das aventuras de Harry Potter. Porém, é complicado classificar “Animais Fantásticos & Onde Habitam” como uma adaptação em si, haja vista que o material base usado não é exatamente um livro com uma história a ser contada, tal como todas as outras obras literárias de Harry Potter.
De
fato, “Animais Fantásticos & Onde Habitam” é mais um compêndio de criaturas
mágicas criado pela escritora – e que também foi publicado e pode ser comprado
nas livrarias – para servir como material de estudo a ser usado pelos
estudantes de Hogwarts. É uma simples enciclopédia dentro de um livro. Como
tal, a produção do filme em tela teve, ainda, que ter o trabalho de criar uma
história original (não contada nos livros de Harry Potter) que se adaptasse à
proposta e pudesse se encaixar no Universo Potter, de forma coerente. E, por
motivos óbvios, ninguém melhor do que J.K. Rowling, a própria autora da
franquia, para criar o roteiro (e participar da produção) a ser usado no longa.
Mas, diferente do que já foi feito antes com as outras adaptações, J.K. Rowling substitui o papel de escritora para assumir o de roteirista. É um passo adiante para a escritora, que tem a oportunidade de explorar o vasto e rico universo que ela própria criou, apresentando novos personagens e ambientes. Porém, essa exploração narrativa a partir de um material original criado especificamente para as telonas é uma faca de dois gumes.
Ao
mesmo tempo em que é emocionante ver a expansão desse maravilhoso universo com
a qual o público jovem cresceu acompanhando, também não tem como esconder uma
certa preocupação em relação à qualidade e desenvolvimento dessa nova franquia;
mesmo que tenha a participação de J.K. Rowling no roteiro e na produção. É
preciso muito cuidado para não criar o tão famoso fanservice, entregando uma
produção cinematográfica desnecessária e sem sentido, que não tenha muita coisa
a ver com as histórias originais de Harry Potter e que se aproveite,
basicamente, dos elementos narrativos das obras de Rowling de forma superficial
e chamativa somente para agradar os fãs.
Para se ter uma comparação, a exemplo de fanservice, pode-se perceber a adaptação cinematográfica do livro “O Hobbit”, obra literária escrita por J.R.R. Tolkien, que surfou na onda do sucesso das adaptações de “O Senhor dos Anéis” e, mesmo dirigido por Peter Jackson, entregou uma trilogia extremamente recheada de elementos narrativos inventados e desnecessários, que não estavam no livro (que não chega nem a ter 300 páginas), totalmente incompatíveis com a proposta da obra original. E, tal como esperado, foi entregue uma produção com muitas cenas inclusas que não se justificam (e “enchem linguiça”) apenas para agradar ao público.
J.K.
Rowling toma cuidado ao pisar nesse terreno para criar o roteiro (e produção)
de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”. Principalmente porque a escritora
precisou preencher várias lacunas no desenvolvimento da história, que conta
somente com alguns elementos narrativos previamente criados para as produções
de Harry Potter. E, para preencher essas lacunas para criar o roteiro, sem ter
algum material base (tal como os livros de H.P.), é algo extremamente difícil,
mesmo para a própria criadora desse universo. A única fonte que lhe permite
utilizar para desenvolver a história são alguns eventos citados brevemente nos
livros do jovem bruxo.
Um ponto que ajudou, e muito, a apresentação da nova franquia é a impecável direção de David Yates, que já se provou experiente e capaz ao dirigir os últimos quatro filmes da saga Harry Potter. E isso é uma vantagem, pois o diretor já tem familiaridade com o Universo Potter e, ao ser contratado para dirigir mais um filme, mostra que fez um excelente trabalho.
Mas,
por um lado, ainda assim J.K. Rowling e David Yates dão uma patinada nessa
parte de se aproveitarem dos elementos narrativos já tão conhecidos e batidos
do público, apresentados no Mundo H.P.; e somente reutilizados na nova
franquia de Animais Fantásticos. Em outras palavras, a nova saga só se
aproveitou dos elementos já criados anteriormente para expandir o universo
mágico, sem inovar em praticamente nada do mundo bruxo que já conhecemos. Não há
um único feitiço novo visto em “Animais Fantásticos e Onde Habitam”. Essa parte
pode soar um pouco desanimador para quem esperava coisas novas.
Por outro lado, ao precisar preencher as várias lacunas no desenvolvimento da nova franquia, criando uma história original, J.K. Rowling conseguiu expandir o universo de outro modo, fugindo do lugar comum, visto na franquia H.P., que focava somente em Hogwarts. “Animais Fantásticos e Onde Habitam” apresenta novos lugares, fatos, personagens e ambientações totalmente novas, tais como a expressão “não-maj”, diminutivo de “não-mágicos”, que a comunidade mágica norte-americana utiliza para se referirem aos não-bruxos, ao invés da tradicional expressão inglesa “trouxas”.
Também
foi mencionada a Ilvermorny, que é a escola de magia e bruxaria dos
Estados Unidos, onde os bruxos norte-americanos estudam. Outro fato novo
explorado no filme é o MACUSA, sigla para “Magical Congress of the United
States of America”, que atua como o Congresso Mágico dos Estados Unidos da
América; no caso, é a instituição mágica que corresponde ao Ministério da Magia
nos Estados Unidos. Um ponto extremamente importante explorado no longa é a
forma rígida com que os bruxos americanos tratam os “trouxas”, ou “não-maj” –
os bruxos americanos são mais rígidos com os “trouxas” do que os bruxos
ingleses, e também mais reservados em relação a eles, devido ao medo gerado no
Julgamento das Bruxas de Salém, entre 1692 e 1693.
Todo esse desenvolvimento, juntamente com a narrativa das aventuras de Newt Scamander para capturar as criaturas mágicas que fogem de sua maleta encantada, servem como base para apresentar e desenvolver um vilão já conhecido dos fãs de Harry Potter, mas que não teve grande destaque. Gellert Grindelwald (Johnny Depp, de “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”, 2003) é um dos bruxos das trevas mais perigosos de todos os tempos da História da Magia – antes de Lorde Voldemort –, aterrorizando a Europa Continental nas décadas de 1920 a 1940. Grindelwald teve uma certa relevância em “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, quando é revelado que ele ficou com a Varinha de Sabugueiro, mas que não teve grande destaque na trama. Agora, ele é uma grande e poderosa ameaça para o mundo bruxo na nova franquia de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”.
As
filmagens da produção aconteceram nos estúdios Leavesden, na Inglaterra, mesmo
local que foram filmados os oito filmes da franquia Harry Potter. “Animais
Fantásticos e Onde Habitam” venceu o Oscar de Melhor Figurino em 2017,
adquirindo o primeiro Oscar para o universo de Harry Potter, além de ser
indicado na categoria Design de Produção. Destaque para a Direção de Arte, que
criou com belíssima perfeição o design das criaturas mágicas; e para a Trilha
sonora também, assinada por James Newton Howard, que captou e transmitiu toda a
beleza do mundo mágico da franquia H.P.
Inicialmente, em outubro de 2014, a Warner Bros. anunciou que a franquia estaria sendo planejada para ser uma trilogia. Entretanto, a Warner Bros. e J.K. Rowling anunciaram, em 2016, que a franquia não seria mais apenas uma trilogia, mas sim uma história com arco para cinco filmes.
“Animais
Fantásticos e Onde Habitam” expandiu o Universo Mágico de Harry Potter,
desenvolvendo e apresentando novos personagens e novos fatos à franquia, mas
sem, necessariamente, criar novos elementos narrativos já conhecidos pelo
público. Ou seja, criou-se uma nova história em cima de um universo já
conhecido, apenas tendo a oportunidade de se aprofundar em sua temática, mas
sem conseguir inovar tanto assim. A vantagem é que a franquia vai estar
contando o passado de alguns personagens e tendo a chance de poder desenvolver
mais o mundo mágico desse universo bruxo fora de Hogwarts. É uma forma de
reciclar a franquia, tendo J.K. Rowling na cadeira de roteirista.
“Animais Fantásticos e Onde Habitam” está disponível na HBO Max.
Nota: 7.0
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