Sempre é muito curioso saber como os excelentes escritores tiveram as ideias para escreverem suas grandes obras primas, bem como foram as suas influências, inspirações e de onde surgiu tanta criatividade para criar histórias fantásticas.

E a maioria dos filmes biográficos sobre grandes gênios da Literatura explora o lado criativo, a origem de tantas histórias literárias que nos fascinam e como os autores criaram as grandes obras primas da Literatura.

E com “Tolkien” não poderia ser diferente. Chegando às telonas em maio de 2019, o filme biográfico explora os anos de formação de John Ronald Reuel Tolkien – ou, apenas, J.R.R. Tolkien (Nicholas Hoult, de “O Banqueiro”, 2020), mostrando sua infância traumática quando ele e seu irmão se tornam órfãos e são entregues aos cuidados do padre Francis, que promete cuidar deles até eles terem 21 anos; até chegando à vida acadêmica, quando o escritor encontra a amizade, o amor e a inspiração artística entre o grupo de colegas excluídos da escola. Seu vínculo de amizade se estreita ainda mais quando eles formam uma irmandade, um grupo acadêmico secreto de estudos literários. Juntos, eles incentivam uns aos outros para que tenham a coragem necessária de realizar seus sonhos.

A sua trajetória com os amigos e sua relação amorosa com Edith Bratt, que foram de extrema importância para Tolkien, os levam ao início da 1ª Guerra Mundial, que ameaça destruir a amizade do grupo e seu interesse romântico. Fascinado por línguas, Tolkien, no pós guerra, aos poucos, desenvolve uma língua criada por ele mesmo, que usa como base para a criação do universo fantástico dos romances “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”.

Mas, engana-se quem pensa que “Tolkien” mostra, de uma hora para outra (e de forma espontânea), como surgiu a ideia de Tolkien para as obras da Terra Média. O filme em tela é uma construção e apresentação de vários elementos baseados na vida do escritor, usados para elaborar as histórias que, hoje, tornaram-se grandes obras literárias.

Ou seja, o longa mostra a trajetória da vida do escritor inglês em vários momentos de sua vida que contribuíram para a elaboração dos manuscritos para as obras da Terra Média; dentre eles, pode-se incluir sua enorme relação de amizade com seus amigos íntimos, a Batalha do Somme, na França, conhecida como “guerra das trincheiras”, que foi um dos mais sangrentos conflitos da Primeira Guerra Mundial, e de quando Tolkien foi ao teatro com Edith Bratt para assistirem a ópera de Wagner, “O Anel de Nibelungo”, cuja história narra como um anão forjou um anel que é cobiçado por várias pessoas – o que fica, indiretamente, implicado ter sido influência para a ideia do Um Anel. Todas essas experiências, além de outras mostradas no longa, viriam a inspirar Tolkien a escrever suas famosas histórias sobre a Terra Média.

Outro ponto forte explorado no longa é a vida acadêmica vivenciada por Tolkien durante o tempo em que ele cursou a Oxford e as grandes influências que o ajudaram a se inspirar culturalmente, tanto por parte dos colegas quanto da parte docente. Suas amizades na irmandade acadêmica e os ensinamentos que ele recebeu de professores foram essenciais e de enorme influência para a construção e desenvolvimento de elementos para suas histórias, tais como amizade, amor e seus aprendizados com poesia, literatura e linguagem.

De certa forma, o fato de Tolkien ter servido na 1ª Guerra Mundial também serviu de influência para um certo desenvolvimento de suas histórias (nas quais tem passagens com batalhas), pois foi durante a 1ª Guerra Mundial que Tolkien conheceu de perto o horror da guerra, mesmo que por pouco tempo; mas esse pouco lhe rendeu experiência de como é dentro do campo de batalha, o que lhe serviu de aprendizado, também, para aprender como estratégias de batalhas funcionam, usando de sua experiência para criar as táticas de guerra e das batalhas contidas nos seus livros. Apesar de a guerra ser algo horrível e de Tolkien ter voltado para casa com traumas de guerra (o que acontece com, praticamente, quase todos que retornam), o escritor conseguiu canalizar sua vivência e experiência em campo de batalha para usar de inspirações e referências em suas histórias.

Seus estudos em Literatura Antiga e em Filologia também ajudaram, e muito, Tolkien a desenvolver as obras que, hoje, são mais do que referência na cultura ocidental. Desde criança, Tolkien demonstrou interesse nessas áreas acadêmicas, estudando e aprendendo os estudos acadêmicos em questão, tornando-se especialista nestas áreas (além de, também, ser professor e poeta), conseguindo enriquecer cada vez mais com detalhes as suas histórias. Com isso, tornou-se impossível ler suas obras e não perceber o quão rico são os detalhes de suas narrativas, esmiuçando até mesmo as cores da grama e as gotas que caem dos carvalhos.

Embora toda a saga da Terra Média seja sobre dragões, elfos, magos, cavaleiros, anões, vilarejos povoados por pequenos e calmos habitantes, guerra pelo poder, dentre outros, a verdadeira mensagem contida nos livros fala sobre amizade, amor, coragem, pessoas influentes, perdas familiares e vários tipos de eventos que Tolkien vivenciou, que serviram como base, por mínimo que tenham sido, para compor as histórias de “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”. Tolkien realizou isso de forma esplêndida em suas obras. E “Tolkien” também conseguiu transmitir tal feito, por mais simples e resumido que o roteiro possa parecer.

Em outras palavras, “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis” são muito mais do que simples histórias sobre personagens místicos e criações literárias vivendo em um mundo pela guerra do poder, com magia, criaturas e objetos fantásticos. É um universo inteiro, com personagens e línguas diferentes totalmente inventadas pelo escritor, a partir de eventos e situações que ele mesmo vivenciou ao longo de sua vida. A única coisa que ficou faltando em “Tolkien” foi o filme se aprofundar um pouco mais no desenvolvimento da mitologia do universo da Terra Média, ocasionado, talvez, pelo longa não se demorar muito. Suas duas grandes obras não foram escritas em pouco tempo: “O Hobbit” foi publicado em 1937, e “O Senhor dos Anéis” foi escrito entre 1937 e 1949, sendo publicado em meados da década de 1950.

Mas, não se enganem pensando que “Tolkien” é um filme prelúdio contando a origem das sagas “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”. O longa em questão apenas aborda determinados aspectos da vida de Tolkien (seja com pessoas e/ou em certos eventos) que o ajudaram e o incentivaram a reunir elementos para a criação de suas grandes obras, acompanhando sua trajetória desde criança até o momento em que decide começar a escrever as histórias da Terra Média. Mas, tanto é que à época, Tolkien passou pelas duas grandes guerras até conseguir concluir toda sua obra; sendo mostrado no filme em questão apenas a primeira grande guerra.

Com roteiro de David Gleeson, Stephen Beresford, direção do finlandês Dome Karukoski e produzido pela Fox Searchlight Pictures, “Tolkien” sofreu várias críticas por parte da família de J. R. R. Tolkien, não autorizando, não aprovando e nem colaborando com a produção da cinebiografia. Apesar da resistência da família de Tolkien, o filme é baseado na biografia autorizada “J. R. R. Tolkien – Uma Biografia”, lançada no Brasil em 2018 pela Editora HarperCollins, do biógrafo Humphrey Carpenter.

Um pouco resumido, romantizado e impreciso em relação a certos aspectos da vida de J. R. R. Tolkien, o filme em tela faz pequenas mudanças e cortes da vida do escritor e não se aprofunda o suficiente em todos os seus momentos da sua vida. O roteiro preferiu simplificar a vida do escritor para mostrar melhor apenas os momentos mais importantes de sua vida, que serviram de inspiração para a criação das histórias da Terra Média. Não que isso seja um demérito ou um ponto forte; mas o longa tão somente teve apenas a intenção de contar ao telespectador, de forma simples (porém, enaltecendo-os), quais foram os elementos mais grandiosos e importantes que serviram de base para influenciar o escritor, ao longo de toda sua vida (e dentro de uma duração de pouco menos de 2 horas), para criar e desenvolver personagens, cenários, línguas e eventos narrativos de uma história.

Tolkien” pode ser duramente criticado por ter sido genérico e não ter sido 100% fiel à vida de Tolkien, bem como sua genialidade para a Literatura e Línguas, mas, evidentemente, o filme toma liberdades criativas para apresentar sugestões diretas e indiretas acerca das influências e referências que o escritor precisou para basear-se nas suas obras. Mas, mesmo assim, “Tolkien” conseguiu transmitir a mensagem que precisava passar.

Ainda assim, “Tolkien” é um belíssimo filme que presta uma linda e merecida homenagem à um dos maiores e mais importantes escritores da literatura moderna. Suas obras, lidas e reverenciadas até hoje por uma legião de fãs, inegavelmente, tiveram um impacto cultural gigantesco, servindo como influência para várias outras obras, não só no campo da literatura, como no campo cinematográfico e em toda a cultura popular também. E o final do filme, por mais simples e previsível que possa aparentar ser, é de sensação ímpar, além de ser muito emocionante.

Tolkien” está disponível na Star+.

Nota: 9.0

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