Um genial, profundo e desgastante retrato da pandemia e da nossa percepção da vida nesse momento através de um homem americano branco (que por sua vez também é um comediante).
Com novas canções e comentários, Bo Burnham reflete sobre um ano incomum neste especial de comédia que ele escreveu, filmou, editou e estrelou em isolamento.
Nunca fui fã de especiais de comédia ou stand ups, sempre achei desinteressante ficar 1 hora e 30 minutos assistindo uma pessoa em um palco contando piadas (na maioria das suas vezes) sem graças sobre casamento (sempre com um tom denegrindo as esposas) ou que eram apenas ofensas repetitivas a algum grupo minoritário (negros, homossexuais, feministas, estrangeiros, etc) por não ter o talento e a habilidade de ser engraçado e sair desse tipo de “humor”.
Sei que isso não se aplica a todos os comediantes, e existem vários (de todas as partes do mundo) que possuem talento nato para piadas sem ter que recorrer a essas alternativas pífias de disseminar ódio e preconceito, fazendo um ótimo trabalho. Mas mesmo assim nunca me senti atraído a ver um show ao vivo, terminar algum stand up online ou da Netflix. Foi então que “Bo Burnham: Inside” foi lançado na Netflix e quebrou a internet (ou pelo menos a minha bolha da internet).
Após absolutamente todo mundo elogiar esse especial do comediante norte-americano Bo Burnham, e ver algumas imagens, eu fiquei fascinado e decidi dar uma chance. Minha primeira impressão foi: “Ei, esse é o carinha do excelente ‘Bela Vingança’ (que você pode ler a nossa crítica do filme clicando aqui), não sabia que ele era um comediante”. E foi após terminar de ver o especial e virar um fã instantâneo dele. Logo após descobri que Burnham não é só ator, comediante e gênio, mas também é o diretor e roteirista de “Oitava Série”, ótimo filme da produtora A24 lançado em 2018, do qual sou muito fã também.
Mas vamos falar do que realmente importa, o especial. Dirigido, estrelado, produzido, filmado, composto e editado por Bo Burnham, somos apresentados ao novo especial de comédia dele que foi desenvolvido em meio a pandemia, e filmado dentro de seu minúsculo apartamento por mais de 1 ano. Apenas o fato dele ter pensado, filmado, editado, composto e cantado esse especial já é algo insano e notável.
Burnham fez o especial principalmente para desabafar e falar sobre a pandemia e o isolamento. Ele certamente aborda diversas temáticas e comportamentos humanos, mas decide focar especialmente nesses dois elementos que certamente afetaram a todos. O especial é um ensaio dentro de sua mente, dentro da mente do espectador, dentro de seu apartamento, dentro da pandemia, dentro do isolamento, dentro do humor, dentro de nossas necessidades, dentro da nossa cultura (ou no caso da cultura americana), dentro de suas frustrações, dentro de seus sonhos perdidos, dentro de tudo. E a forma como ele abrange todo esses temas e faz uma sátira com tudo e todos é o que faz do especial tão genial.
As músicas são outro show à parte. O comediante compõe e faz as performances de músicas inéditas que lembram desde músicas e melodias clássicas do cinema, até produções modernas como “Hamilton”. Todas se encaixam com a temática e o seu texto, além de grudarem na sua cabeça.
A cinematografia e a direção são um dos maiores destaques de todo o especial. Não só são inventivos, surreais e completamente abstratos em alguns momentos, Burnham cria belas composições visuais que enchem os olhos, e torna toda a experiência do especial ainda mais inacreditável quando você para pra pensar que ele está em apenas um cenários pequeno (e com recursos limitados), mas mesmo assim consegue utilizar sua criatividade e bolar composições visuais lindas e que casam com o tema do especial. Até a forma em que ele mistura o texto com o que está sendo mostrado é impressionante, com uma edição caótica e transições bem interessantes.
Antes de tudo, esse é um especial sobre o próprio Bo Burnham. Claro, ele faz piadas e exemplifica nossos sentimentos durante a pandemia, mas um dos focos principais ainda é sobre seu estado mental. Ele brinca com vários comportamentos que adquirimos na pandemia como novo modo de nos relacionarmos e novas maneiras de nos entretermos durante esse período. Um comentário bem interessante feito pelo comediante no começo do especial é sobre sua carreira, o que as pessoas esperam desses shows e de piadas antigas que ele fez com conotações racistas, homofóbicas e que se arrepende totalmente de ter feito elas.
Um detalhe muito engenhoso (e que não deve ter sido proposital) é o sentimento de frustração, cansaço e escassez que o especial traz. Podemos ver que ao longo dele, Burnham vai ficando exausto, depressivo e tem seu visual “afetado” pela pandemia (com cabelo e barba crescendo). Acompanhamos seu trabalho e processo criativo em produzir todo o especial sozinho, problemas que enfrenta nos bastidores regulando a câmera equipamentos, escrevendo o texto e compondo as músicas, tudo isso no pequeno apartamento.
Eu sei que posso estar soando repetitivo (e estou), mas esse especial é realmente único e mexeu comigo mais do que eu esperava. Totalmente revigorante, engraçado, triste, real e em alguns momentos desesperador, ele me marcou de uma maneira tão profunda que me deu vontade de assistir mais especiais de Burnham que estão disponíveis na Netflix.
“Bo Burnham: Inside” é uma obra-prima que será muito referenciada no futuro, sendo um baita exemplo de como nos sentimos durante essa pandemia para as gerações futuras que (felizmente) não viveram esse período horrível. Sarcástico, artístico, engraçado e até paranoico, é sem dúvida uma das melhores produções disponíveis na Netflix.
Nota: 10 (não poderia ser diferente, né?).
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