Carey Mulligan entrega a atuação de sua carreira num filme que é um retrato realista da masculinidade tóxica.

'Promising Young Woman' é um filme que certamente provocará muitos debates entre as pessoas por sua abordagem crua da realidade machista com a qual diversas mulheres precisam vivenciar diariamente. O longa já começa com uma cena muito bem idealizada mostrando diversos homens dançando numa boate, mas o foco da câmera é nos movimentos dos genitais deles, dando uma ótima ideia do tom que a obra vai abordar ao longo de suas quase duas horas de duração.

Escrito e dirigido por Emerald Fennell, a trama acompanha Cassandra Thomas (Carey Mulligan), uma jovem que se finge de bêbada em bares para identificar possíveis abusadores e os confronta quando eles descobrem que ela não está tão indefesa quanto aparenta. As cenas nas quais a protagonista confronta esses homens são difíceis de assistir, pois é algo tão desumano que esses caras tentam fazer que torna certos momentos difíceis de presenciar, mesmo tratando-se de uma obra ficcional e o motivo disso é a realidade intrínseca de tais cenas. 

Tentativas de abuso sexual acontecem diariamente no mundo e esses momentos espelham com perfeição um male que as sociedades modernas não apenas ignoram como também perpetuam. O interessante no roteiro de Fennell reside na quebra de expectativas da situação, porque quando Cassandra mostra que não está bêbada, os homens com quem ela está, adotam uma postura defensiva nojenta de que são "caras legais" e jamais abusariam de uma moça bêbada, mesmo que momentos antes de saber a verdade, eles não agissem de tal modo.

Isso faz com que ela passe de vítima a possível algoz numa questão de segundos, o que muda drasticamente o tom das cenas e torna a obra mais rica em significado. Os diálogos do roteiro são outro ponto forte, pois exemplificam a hipocrisia de muitos homens pegos fazendo coisas imperdoáveis. Eles negam seus erros, pedem ajuda de seus camaradas para encobrir seus atos criminosos e tentam fazer a vítima sentir-se culpada pelos erros deles. Cassandra faz o mesmo aqui expondo a hipocrisia desses caras e dando um conselho de como não agir com as mulheres.

Carey Mulligan interpreta essa personagem de um modo diferente, ela adota uma postura indiferente em relação às demais pessoas, mas no fundo, podemos ver a dor dessa mulher. Nessas saídas noturnas, ela descarrega toda a sua frustração com a vida e usa esses atos como válvula de escape para compensar erros do passado que ela não consegue esquecer. Mulligan é muito expressiva, tornando-se visível quando a personagem não gosta de determinado ato ou quando ela está simplesmente bancando a vítima inocente para dar uma lição em certos idiotas.

Um detalhe importante na construção de Cassie é no figurino, quando ela está caçando, usa as roupas mais vulgares possíveis para vender a imagem de "mulher fácil" nas boates. Um conversa entre um trio de amigos no início do filme é o perfeito exemplo da canalhice de certos homens, pois eles afirmam que uma mulher bêbada, sozinha e vestida com roupas curtas estava "pedindo" para sofrer alguma coisa. No dia a dia, ela usa roupas bem "infantilizadas" como se tivesse parado no tempo no que tange seu desenvolvimento como uma pessoa autônoma e adulta. Isso diz muito sobre ela, dando a impressão de que há duas personalidades distintas vivendo dentro de uma mesma pessoa.

A narrativa muda um pouco de estilo quando o Dr. Ryan (Bo Burnham) entra na história, ele faz com que Cassie entre em conflito sobre suas prioridades na vida e a partir daí, a direção brinca com o clima de comédias românticas bem clichês. O roteiro só poderia ter caprichado mais nas reviravoltas, chega um momento em que está tudo dando tão certo que é presumível que algo ruim vai acontecer.

Os coadjuvantes da trama tem pequenas participações, mas todos desempenham bem seus papéis e brilham mas cenas em que são destaque. Alison Brie, Alfred Molina, Connie Briton e Chris Lowell são responsáveis pelos momentos mais catárticos da trama e dão um ótimo suporte para vender bem a complexidade do tema de abuso e fazer o espectador refletir. Há tanta hipocrisia e crueldade em alguns desses personagens que olhei impacientemente para a tela da TV querendo socá-los de tanta raiva que afloram com atitudes desumanas e mesquinhas.

Visualmente, a diretora usa câmera de modo bem pessoal sempre filmado as cenas mais íntimas de Cassie com um certo distanciamento, refletindo o estado emocional da personagem. Já nos momentos mais tensos, ela usa a câmera mais próxima dos atores para construir a sensação de um perigo crescente. A trilha sonora utiliza muitas canções pop, mas há poucos instrumentais aqui, o silêncio e o desconforto das cenas já falam por si só.

Por último, devo dizer que o final do longa vai dividir opiniões por ser considerado talvez conveniente ou realista demais dependendo do ponto de vista. Pessoalmente, não me incomodou e pareceu que a diretora quis encerrar de tal modo para trazer uma reflexão para o público. Independente disso, vale dizer que não é surpreendente, pois como disse em outro parágrafo, o roteiro não soube construir bem suas surpresas.

'Promising Young Woman' é um filme difícil de assistir, mas a ótima atuação de Carey Mulligan e o tema sobre violência sexual merecem um pouco do seu tempo.

Nota: 8,0

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