Quarta versão da famosa trama é a prova de que existem remakes que valem a pena.

Sinopse: Jackson Maine é um cantor no auge da fama. Um dia, após deixar uma apresentação, ele para em um bar para beber. Lá, Jackson conhece Ally, uma insegura cantora que ganha a vida trabalhando em um restaurante. Ele se encanta por ela e seu talento. Mais tarde, os dois acabam se casando. Ao mesmo tempo em que Ally desponta para o estrelato, Jackson vive uma crise pessoal e profissional devido aos problemas com o álcool. Os momentos opostos acabam por minar o relacionamento amoroso do casal.

"Nasce Uma Estrela" é a quarta versão da trama originalmente criada em 1937 por William A. Wellman e estrelada por Judy Gaynor e Frederich March. A nova versão segue o filme de 1978 e mostra um cantor decadente que acha inspiração e amor numa jovem cantora inexperiente. Esse novo remake merece todos os aplausos possíveis por pegar uma premissa muito usada em Hollywood e conseguir torná-la relacionável aos tempos modernos e usar para explorar os males que a fama pode trazer ao ser humano. Todo a construção do roteiro sobre a pasteurização que a indústria musical faz com artistas é uma ótima crítica, porém o comentário sobre os distúrbios e vícios que essa vida pode acarretar são o ponto alto da obra.

No início da película, somos apresentados à Jackson Maine (Bradley Cooper, também o diretor do longa), um cantor famoso que ama música, mas sente-se frustrado com o que faz atualmente e usa bebidas e drogas para aliviar seu estado psicológico turbulento. Na contramão, temos Ally (Lady Gaga), uma jovem garçonete que tem uma bela voz e escreve lindas canções, mas que não consegue espaço na indústria por não ter o ideal de beleza que muitas gravadoras exigem. Um ponto que chama a atenção nesses primeiros minutos de projeção é quão bem a direção constrói a insatisfação dos protagonistas com suas vidas atuais, cada um anseia por algo que os anime a seguir em frente e quando Jack assiste uma apresentação de Ally num bar de drag queens, tudo muda rapidamente.

Em filmes de romance, a construção da química de um casal é algo desafiante que nem sempre os idealizadores conseguem fazer funcionar, mas aqui é impressionante a química de Bradley Cooper e Lady Gaga em cena. A cena de introdução do casal é muito bem orquestrada e os diálogos sinceros do roteiro ajudam a dar veracidade para aquele encontro e nos faz torcer pelo casal. O entrosamento imediato deles gera cenas interessantes, pois a situação ocorreu tão rápido que eles vão se conhecendo aos poucos enquanto cantam em diversos shows pelo país embalados por ótimas canções que ajudam muito na construção dos momentos românticos.

Porém, nem tudo são flores e conforme o tempo passa, o relacionamento deles vai ruindo aos poucos pelo fato de Jack não saber lidar com seus problemas emocionais e não concordar com o rumo que Ally deu para sua carreira musical. Esse trecho do filme tem um ritmo mais moroso e entra fundo na psique do cantor e seus inúmeros problemas familiares com seu irmão Bobby (Sam Elliot) e a mágoa que um sente do outro. Já Ally, torna-se uma estrela pop que o roteiro ironiza com críticas ácidas às inúmeras adequações de imagem que uma pessoa deve fazer para entrar no molde que a indústria fonográfica exige.

É interessante notar que ao longo do filme, as músicas da trilha tinham uma letra e arranjo simples, mas que diziam muito por suas palavras sinceras, mas quando a personagem de Lady Gaga faz a transição para o pop, as letras ficam menos profundas e as batidas são cheias de mixagens e instrumentais chicletes. Nesse trecho, a relação do casal fica estremecida, pois aquilo que os uniu, o amor pela música, está esvaindo-se com a pasteurização que Ally sofre aos poucos. É ai que o lado sombrio da fama entra em ação e temos cenas dos personagens lidando com as consequências públicas de vícios em narcóticos e bebidas alcoólicas. A construção dessas cenas é algo surreal de bem idealizado, pois consegue deixar o público estarrecido com a vergonha e culpa que esses males trazem para uma pessoa, assim como a tentativa de reerguer-se após isso.

O roteiro do filme funciona bem até a segunda metade do segundo ato, depois perde força por trair a complexidade do assunto para apostar em resoluções vilanescas, tirando o impacto de cenas importantes. Outro grande problema é que os protagonistas não possuem o mesmo destaque, Jack tem o maior tempo de tela e seus problemas são bem mais desenvolvidos enquanto que Ally assume um papel secundário. A personagem tinha muitas camadas a serem trabalhadas que simplesmente são abordadas em cenas curtas e simplistas. Toda a pressão que ela sofre de seu empresário e as concessões que a personagem faz tanto em nome de sua carreira quanto de Jack não são exploradas diminuindo o potencial da história.

No quesito atuação, todos os atores do filme fazem bem seus papéis, mas o destaque é de Bradley Cooper que teve mais material para trabalhar. Ele entrou de cabeça no papel e deu tudo si na performance desse personagem tão sofrido. Além de tudo, Cooper ainda cantou ao vivo suas canções e vale dizer que ele canta muito bem, mas a verdadeira voz do filme é de Lady Gaga. A cantora dá tudo de si na performance das músicas tocadas no longa e encanta o espectador por sua voz potente, porém nota-se que como atriz ela poderia melhorar bastante e o fato de que não é tão favorecida pelo roteiro não ajudou.

No quesito direção, Bradley fez um trabalho muito notável na sua primeira vez dirigindo um longa-metragem, todo o jogo de câmeras é muito assertivo e funciona bem. Numa das minhas cenas favoritas, Jack vai beber com Ally num bar e a câmera foca na reação dela ao vê-lo beber três copos de whisky em seguida. Esse momento da direção é para que o público se dê conta de que os problemas no relacionamento deles já existiam até no primeiro encontro. Outra grande sacada foi usar ângulos próximos ao rosto dos atores para extrair toda a dor e desconforto das performances, deixando várias cenas bem mais emocionantes. Por outro lado, ele não foi tão assertivo no ritmo, a obra poderia ter uns minutos ao menos já que o segundo ato perde fôlego após a frenética primeira parte.

Na parte técnica, tudo funciona bem. A fotografia de Matthew Libatique usa vários tipos de cores na paleta de cada cena deixando o filme com uma estética fluida em diversos blocos. Há momentos iluminados com neon, outros com canhões de luz usados em shows e também o realce da luz natural em planos mais abertos e tomadas panorâmicas. A montagem poderia ter sido melhor por conta da “barriga” mencionada mais acima, pois enquanto que o primeiro ato tem edição mais frenética, o meio e o final sofrem com um ritmo devagar e por mais que o tom da história tenha mudado nessa parte, certamente existem momentos que não fariam falta.

A trilha sonora musical é a terceira protagonista do longa sendo repleta de canções românticas memoráveis podendo ser comparada à icônica trilha de Whitney Houston para o filme "Guarda-Costas". Cada canção foi escrita para encaixar no que o roteiro precisava que as cenas passassem para o público, então existem os momentos mais calmos com músicas country e outros que apelam mais para o rock como na cena de abertura. Mas, o grande trunfo são as letras românticas compostas por Gaga e sua equipe, é difícil fazer uma boa canção memorável, mas aqui temos três, Shallow, Always Remember Us This Way e Is That Alright ?

"Nasce Uma Estrela" é um filme que fala sobre as complexidades da fama e o faz com muito coração e maestria.

Nota: 8,0

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