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Letárgica e violenta, nova série de Nicolas Winding Refn irá agradar seus fãs e afastar espectadores casuais

Atenção: Essa crítica pode conter SPOILERS.

Copenhagen Cowboy não foi feita para você. Ela foi feita pro Nicolas Winding Refn.

Talvez não haja outro diretor atualmente com um estilo tão distinto e tão exclusivo como o Refn. Se você for familiar com seu trabalho e for ver um pequeno trecho de cinco segundos de qualquer obra dele, poderá identificar de cara umas mil idiossincrasias suas. Refn é um diretor que usa e abusa de seus vícios visuais e narrativos, com cada filme ou série subsequente pegando quase que o gancho da anterior pelo modo que muitos tropos e conceitos são repetidos, reutilizados e reciclados. O próprio Refn chama esses vícios de "fetiches". E Copenhagen Cowboy é talvez a obra com mais fetiches seus.

Começando pela protagonista Miu. Ela é quieta, introspectiva, fisicamente habilidosa e ridiculamente estoica, do tipo que não ligaria se o mundo ao seu redor estivesse em chamas. A mesma descrição poderia ser aplicada para os protagonista de Drive, Apenas Deus Perdoa e Muito Velho Para Morrer Jovem. Na verdade para todos os personagens principais de seus filmes e séries, exceto talvez Bronson. Interpretada pela Angela Bundalovic, a personagem mesmo assim ainda tem algo de especial: ela foi abduzida aos 8 anos de idade por alienígenas e é líder do que basicamente é uma equipe composta somente por super-heroínas, todas vestidas identicamente a Miu. Se sua personalidade é idênticas a de outros protagonistas do Refn, sua história de fundo é claramente singular. 


Se alienígenas e super-heróis lhe empolgaram para a série, sinto informar que esses conceitos estão pouco presentes no decorrer dos seis episódios, apesar de estarem lá. O ritmo lento da série é outro fetiche do Refn. O diretor não está interessado em construir uma narrativa que engaje. Ele quase quer que você sofra com o tédio. Há pausas de silêncio de um minuto a cada cena de diálogo. Longos giros de câmera de 360 graus para lhe mostrar o cenário enquanto nada ou quase pouco acontece nele. Cenas da Miu observando o mundo ao seu redor. O ritmo é glacial e letárgico, e isso irá afastar 95% daqueles que começaram a série sem saber nada sobre o diretor. 

Apesar disso, eu particularmente sou fã dessa abordagem única do Refn. Pode demandar bastante paciência minha e um pouco de esforço para continuar assistindo, mas cada vez mais me senti imerso naquele mundo surreal que o Refn criou. E não apenas isso, como na maioria do tempo tudo é parado, e tudo leva seu tempo para ser desenvolvido, quando há cenas de ação ou cenas frenéticas, elas são genuinamente explosivas. Eu ficava empolgado vendo elas, a violência era mais impactante, a ação mais memorável. 


Outro vício do diretor dinamarquês bastante presente, felizmente, é o uso constante de neons em quase todas as cenas. Como o próprio Refn é daltônico, a utilização de cores mais fortes o ajuda na direção. Você é bombardeado com luzes fortíssimas, neons de todas as cores quem cobrem todo o cenário e todos os personagens, a toda hora. O resultado é lindo de se ver, com a cinematografia perfeita de Magnus Nordenhof Jønck sendo quase que uma experiência religiosa. Nos últimos vinte minutos da série eu me perguntava se o que eu estava vendo era animação ou live-action do quão surreal visualmente as cenas estavam. É algo que acho que não pode ser repetido facilmente. 

Quanto a trama, você pode perceber que alguns temas de estimação do Refn se encontram em todos os episódios. O vilão com o complexo de Édipo e uma relação incestuosa com a mãe que foi visto em Muito Velho Para Morrer Jovem é visto novamente aqui no personagem do Nicklas, que é um vampiro que vem de uma longa linhagem de vampiros. Sim, a série também tem vampiros. A história foi descrita como um conto de fadas feminista no submundo criminoso da Dinamarca e dá para perceber temáticas feministas na série sim, essa inclusive que possui mais personagens femininas do que personagens homens. Refn já questionou padrões de beleza em O Demônio de Neon, a comodificação de corpos femininos em Muito Velho Para Morrer Jovem, e Copenhagen Cowboy continua essa tendência. Além clara da inclusão da cultura asiática, artes marciais, guerra de gangues, lógica onírica presente no mundo da história, influência direta de David Lynch. Os fãs do diretor já sabem o que esperar e Copenhagen Cowboy entrega tudo isso.


Mas aí que mora o problema. O Refn já deixou claro que não pensa em agradar ninguém com suas obras. Sua filmografia pós-Drive é autoindulgente. Eu não seria louco de pedir para um diretor tão autoral como o Refn se restringir, mas fica difícil para alguém querer gastar cinco horas de seu tempo para ver uma série parada e que foi pensada para agradar a uma única pessoa: o próprio autor. Não é coincidência que seus filmes, apesar de terem a mesma estética, foram mais discutidos e são mais conhecidos. Refn teve que se restringir a uma hora e meia ou duas horas de duração por causa da mídia do cinema, e com essa limitação ele conseguiu entregar obra mais palatáveis ao público. A outra série dele, Muito Velho Para Morrer Jovem, conta com treze horas de duração, e apesar de eu amar ela com todas minhas forças, é intragável para qualquer um que conseguir passar do primeiro episódio. Qualquer um menos eu e seus fãs mais hardcore

A nota seria dez se eu pensasse exclusivamente como um fã. Mas realisticamente, seu ritmo é um grande empecilho. Mesmo assim, é impossível ignorar o primor visual, a cinematografia de outro mundo, a direção inteligente e a completa bizarrice que tornou alguns momentos dessa série tão divertidos de se assistir. Não é qualquer série da Netflix que mostra um homem que grunhe que nem um porco, vampiros incestuosos, uma super-heroína que provoca uma guerra de gangues, e muito mais, só que não quero estragar outras surpresas como essas. Não há meio-termo com o Refn, ou você o ama ou você o odeia. Tenho motivos para amá-lo, mas confesso que é um gosto adquirido. 

Nota: 7,5

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