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Em 1863, uma fotografia mudou o curso do movimento abolicionista nos Estados Unidos. A foto, tirada por dois fotógrafos abolicionistas brancos, McPherson e Oliver, retrata uma exibição das profundas lacerações nas costas de Gordon, um ex-escravo da Louisiana, e que pretendia mostrar à nação as brutalidades da escravidão.

Porém, “Emancipation – Uma História de Liberdade”, dirigido por Antoine Fuqua (“O Protetor”, 2014), não é totalmente e apenas sobre escravidão, tal como representado de forma perspicaz em “12 Anos de Escravidão” (2013). Em vez disso, a produção se sustenta entre biografia e suspense, brutalidade extrema e heroísmo, drama e ação com suspense. No entanto, não está completamente claro que as escolhas de Fuqua são tão intencionais para acreditar que o filme deseja, propositalmente, transmitir essa tensão desconfortável entre tais estilos narrativos díspares.

Na trama, Peter (Will Smith, de “King Richard: Criando Campeãs”, 2021) é um escravo que trabalha na plantação do Capitão Lyons, em Louisiana, junto com a esposa e os filhos. Mesmo depois que o presidente Abraham Lincoln aboliu a escravidão nos Estados Unidos em 1863, Peter e outras pessoas ainda são mantidos escravos pelos proprietários das plantações para continuarem servindo em suas terras. Em determinado momento, Peter é brutalmente afastado de sua família após ser vendido para o Exército Confederado para trabalhar em uma ferrovia.

Depois de ser chicoteado quase até a morte, Peter foge e decide ir para Baton Rouge na esperança de encontrar o exército de Lincoln. Durante a fuga para o norte, Peter deve atravessar os pântanos da região em uma jornada tortuosa para escapar de impiedosos caçadores, liderados pelo superintendente escravagista, Jim Fassel (Ben Foster, de “Contrato Perigoso”, 2022). Além disso, Peter também deve enfrentar outros perigos, como a própria natureza do pântano, animais selvagens, frio e fome, com intuito de se juntar ao Exército da União e avisá-los sobre os horrores que seus companheiros estão passando.

Tendo sua primeira exibição em Washington em 1º de outubro de 2022, “Emancipation – Uma História de Liberdade” é inspirado na história real de Gordon, um ex-escravo que ficou conhecido como “Peter Chicoteado” (“Whipped Peter”), baseado nas fotos reais de 1863, tiradas durante um exame médico do Exército dos EUA, publicadas, pela primeira vez, em todo o mundo naquele ano na revista Harper’s Weekly. Uma destas fotos, conhecida como “As Costas Açoitadas” (“The Scourged Back”), mostra as costas nuas de Peter mutiladas gravemente pelas chicotadas de seus escravizadores.

As fotografias de suas costas deram ao movimento abolicionista uma prova da crueldade da escravidão americana, como uma forma de mostrar ao mundo os horrores indescritíveis que os negros enfrentaram durante a escravidão nos Estados Unidos naquela época. Tal evento contribuiu para a crescente oposição pública à escravidão, se tornando uma prova das atrocidades cometidas, além de influenciar imensamente para o processo de abolicionismo nos Estados Unidos e que, posteriormente, desencadearia na Guerra de Secessão.

De forma geral, “Emancipation – Uma História de Liberdade” é uma tentativa de transmitir as condutas subversivas de escravos durante a época da escravidão, mas tem uma abordagem agressivamente prolongada ao não conseguir fugir das incessantes atrocidades cometidas contra escravos – com isso, o filme acaba ficando extremamente cansativo em sua jornada para explorar o repetitivo sofrimento humano ao longo da trama. E essa forma de apresentar a narrativa acaba se tornando absurdamente desnecessária, pois a produção o faz com uma abordagem agressiva demais e emocional de menos.

Outro ponto explorado em “Emancipation – Uma História de Liberdade” é sobre a questão da fé entre os escravos e seus colonizadores. A todo momento, o público tem a incansável sensação de que o filme em tela poderia facilmente ser uma apresentação inteligente sobre o papel da religião na escravidão. Mas Fuqua e o roteirista Bill Collage não são capazes de transmitir nada além de uma abordagem superficial e, em vez disso, preferem intensificar em direção à ação ao invés de explorar o lado humanitário da história.

Levando em consideração todas essas escolhas para narrar o enredo, “Emancipation – Uma História de Liberdade” sufoca sob um roteiro agressivo, além de uma direção que não sabe como manter o ritmo narrativo sem escapar de clichês. E isso é uma pena, pois a produção entrega uma história que exige um certo cuidado, mas que a direção de Fuqua e o roteiro de Collage simplesmente não têm. Embora a dupla saiba como tornar cativantes as cenas de ação, eles não se esforçam muito para tornar essa história mais atraente nos momentos mais dramáticos.

Por outro lado, “Emancipation – Uma História de Liberdade” tem uma Fotografia elegantemente chamativa, rodado tanto em cores quanto em preto e branco. O Diretor de Fotografia, Robert Richardson, é responsável pelo grandioso trabalho de Fotografia – e o estilo preto e branco (com a interessante adição de gradação de cores) apenas reforça essa qualidade sombria e silenciosa, que, ocasionalmente, é pontuada pelo vermelho opaco de sangue derramado. Essa estética sugere uma paisagem árida e vazia, apesar da beleza natural do pântano da Louisiana. Com isso, a cinematografia utilizada parece ser uma forma de mostrar o quão amortecido e sem esperança o mundo se tornou ao redor daqueles personagens.

A atuação de Will Smith também é muito boa. Em seu primeiro filme desde que ganhou o Oscar em “King Richard: Criando Campeãs” (2021), Smith retrata Peter com uma raiva consistente. Diferente dos papéis típicos que costuma desempenhar, Smith deixa de lado seu visual limpo para assumir uma aparência bagunçada, desleixada, cheia de cicatrizes e com uma postura curvada. Investindo nessas características, Fuqua e Collage tiveram a oportunidade de dar voz ao homem da famosa foto – mostrando quem ele poderia ter sido e não apenas mostrar o sofrimento que ele experimentou.

Porém, Will Smith tem pouco com o que trabalhar, haja vista que a trama não permite que o ator fale muito, exigindo que ele fique (quase) o tempo todo em silêncio, exalando raiva em suas expressões faciais e prestes a explodir – mas, ao mesmo tempo, exibindo uma inabalável fé, resistência e determinação, que o ajuda a conter sua raiva. Ben Foster também está excelente como Fassel. Entretanto, apesar dos grandes esforços de Foster, seu personagem aparece na trama simplesmente para fins de enredo, como um vilão exagerado, fanático, feroz e com nenhum senso de humanidade.

Entretanto, o foco narrativo de “Emancipation – Uma História de Liberdade” é um ponto negativo, por ser muito artificial, oferecendo pouca substância com diálogos desajeitados e cenas clichês que travam constantemente a narrativa. Fuqua e Collage transformam uma história de escravos em busca por liberdade em um conto dramático excessivamente carregado de dor e sofrimento, em vez de focar na humanidade da salvação – tal como perfeitamente explorado em “12 Anos de Escravidão”. E isso ocorre porque, embora a produção seja sobre uma figura histórica real, o público não tem uma noção profunda e real de quem Peter era, além de sua dignidade silenciosa, sua devoção a Deus e, claro, sua representação através de uma fotografia real. Usar os poucos detalhes de sua história como desculpa para entregar um filme morno sobre escravidão, fuga e perseguição causa um incômodo grande – principalmente pela produção focar mais na crueldade e sofrimento dos personagens.

Por fim, “Emancipation – Uma História de Liberdade” não consegue abordar os personagens com mais profundidade, haja vista que o roteiro de Bill Collage não os aprofunda e a direção de Fuqua se apressa demais para uma conclusão “feliz” – que não parece merecida em um filme que exibe mais de duas horas de sofrimento apenas para se chegar a este desfecho extremamente previsível. Essa linha narrativa é penosa, cansativa e também não carrega a humanização necessária ao processo de contar a história que o roteiro pretende. Com isso, fica perceptível que Fuqua e Collage visam destacar a crueldade e a falta de humanidade que existia naquela terra sem lei, onde a brutalidade parecia interminável. Assim, infelizmente, “Emancipation – Uma História de Liberdade” falha ao tentar ser um filme ousado sobre escravidão e liberdade em um período cruel.

Emancipation – Uma História de Liberdade” está disponível na Apple TV+.

Nota: 5.5

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