Em clima de Halloween e com a confirmação de dois novos filmes estrelando o ícone brasileiro do terror, decidi trazer essa crítica de um filme um pouco mais distante do personagem.



O Estranho Mundo de Zé do Caixão é uma antologia composta por três seguimentos de horror dirigidos por José Mojica Marins e co-escritos por Rubens Francisco Lacchetti: "O Fabricante de Bonecas", sobre uma quadrilha que assalta uma oficina onde uma família fabrica bonecas feitas à mão; "Tara", sobre um vendedor de balões que nutre uma obsessão por uma mulher; e "Ideologia", o único dos seguimentos que possui o personagem título (ou seria só alguém parecido?).

Apesar da falta do próprio Zé do Caixão por maior parte do filme, a assinatura e personalidade do personagem permeia toda a obra. Logo de início temos uma narração sobre a natureza da existência com o Zé do Caixão no centro, e ao seu fim a música tema do personagem tocada sob imagens tiradas dos filmes À Meia-Noite Levarei Sua Alma e Esta Noite Encarnarei no seu Cadáver. Esse começo, alinhado com o estilo do resto do filme, já estabelece que independente da participação de Josefel Zanatas, este estranho mundo é de fato do Zé do Caixão. 

Tecnicamente, o filme usa seus defeitos para compor uma personalidade própria. Os três seguimentos em preto e branco são filmados em formato 4:3 e com uma qualidade de imagem abaixo da média de obras filmadas na mesma época ajudam a esconder defeitos de maquiagem, algo como em "Psicose" que usou xarope de chocolate como sangue e passou despercebido no preto e branco. Por vezes o filme (que é curto com pouco mais de 1 hora e 20) se estende mais do que deveria deixando um pensamento de "Entendemos, Seu Mojica, todo mundo nessa danceteria tá cheio de tesão." enquanto a cena continua sem necessidade.

O verdadeiro triunfo do filme está no quão seus seguimentos são únicos. Os três são extremamente diferentes uns dos outros enquanto ainda ligados por temáticas e estilo. Por isso, vale dividir essa crítica para cada um deles.


"O Fabricante de Bonecas" dá o ponta pé inicial no filme com seu conto de fadas sombrio que usa em sua temática um dos objetos favoritos de obras de terror, bonecas. O title card surge fluidez após a música temática do Zé do Caixão. Apesar disso, o seguimento abre com uma sequência longa demais já citada passada em uma danceteria, com o risco de espantar alguém que já não esteja tão interessado na obra. É uma pena dizer que este é o mais fraco dos três seguimentos, entretanto, ainda oferece uma história satisfatória e introduz bons elementos de terror que qualquer fã das obras de Mojica são apreciar.



"Tara" foi de longe meu seguimento favorito no filme. Mesmo com suas diferenças, as histórias do filme se conectam por sua atmosférica onírica, e de todos, nenhum deles se parece mais com um sonho (ou melhor, um pesadelo) do que "Tara". Tudo que acontece no seguimento lembra o desenrolar de um sonho, completamente mudo e contando sua história exclusivamente através de imagem, ao fim do seguimento você vai esperar acordar em sua cama. Mesmo sem diálogos, é possível entender perfeitamente os personagens, e o uso de certos elementos reforça essa ideia de sonho, como o protagonista sempre aparecer com seus balões, como se nossa mente não o desassociasse da identidade de vendedor de balões. Ademais, sua história intimista sobre obsessão e desejo se assemelha muito mais com um conto de terror do que com um filme-B, sem exageros, "Tara" é o que saiu de mais interessante deste filme.



"Ideologia" foi deixado para o final, sendo o único seguimento protagonizado por José Mojica Marins. Sua voz é reconhecível, suas unhas longas aparentes, mas enfim chega a hora de revelar quem é o personagem interpretado pelo diretor: Professor Oxiac Odez. Se ler ao contrário o nome do personagem entenderá a mensagem, ampliada pela fala de um personagem que acha o professor familiar.

Alguns podem estranhar a razão de Mojica simplesmente não voltar ao papel de Zé do Caixão para o seguimento, mas independente disto, o curta tem a mesma aura que permeou as histórias do personagem. Entretanto, o a curta duração não permite o mesmo aprofundamento no personagem proporcionado pelos filmes. Com isto em mente, a teoria do Professor Odez de que o amor não existe acaba sendo um mero festival sangrento tentando chocar. Não ajuda também o fato dos três curtas este ser o que tem o formato mais de filme e menos similar a um sonho.

No geral, O Estranho Mundo de Zé do Caixão é sólido em sua proposta de apresentar uma antologia de terror tipicamente brasileira e contém de forma satisfatória as marcas que tornam as obras de José Mojica Marins reconhecíveis enquanto ainda tematicamente rico. Com altos e baixos, o filme permanece como um ponto notável na história do diretor.

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