A história de Cinderela renovada e empoderada como deve ser.

Durante décadas crescemos assistindo contos de fadas extremamente machistas e misóginos, mas só nos últimos anos de fato paramos para analisar e falar sobre isso. 

Por muito tempo, meninas e meninos foram "forjados" sob um pano de fundo onde era comum acreditar que o final feliz de uma mulher era casar-se com o homem dos sonhos,  ou seja, um príncipe encantado num cavalo branco, e que o trabalho dela giraria em torno de ser um "enfeite" para esse homem. Por anos acreditamos que um beijo sem consentimento era a coisa mais romântica do mundo e que se apaixonar por um sequestrador era algo trivial. Triste, né? Esses são apenas alguns dos enredos dos contos de fadas mais famosos, como Branca de Neve, A Bela Adormecida, A Bela e a Fera... enfim, a lista é muito extensa.

A Amazon Prime escolheu um dos medalhões dos contos de fadas para desconstruir a fundo sua história e dar uma roupagem apropriada para a nova concepção de mundo moderno. Se funcionou ou não, você saberá na crítica a seguir. 

Cinderela é uma das histórias mais populares que existe. Sua versão mais conhecida foi escrita pelo autor francês Charles Perrault, no final do século XVII, baseada num conto italiano intitulado La gatta cenerentola (A gata borralheira).

O mais novo filme inspirado nesse conto antigo chega no formato de uma comédia musical romântica e foi lançado no Prime Video no dia 3 de setembro tendo como sua grande estrela a cantora Camila Cabello, que se consagra como a primeira Cinderela latino-americana nas telinhas em um filme de grande orçamento. O roteiro e a direção são assinados por Kay Cannon, que já trabalhou como produtora e roteirista de séries como 30 RockNew Girl e no filme musical A Escolha Perfeita. James Corden, apresentador e ator, também participa do roteiro e está no elenco do filme.

Na trama, Ella (Camila Cabello) é uma menina órfã criada por sua madrasta Vivian (Idina Menzel). A jovem vive no porão da casa que divide com ela e suas meia irmãs Malvolia (Maddie Baillio) e Narissa (Charlotte Spencer) e lá é tratada como uma serviçal. No entanto, a jovem cultiva um grande sonho, ser uma estilista e ter sua própria loja de vestidos. Não será fácil pra ela realizar esse sonho, já que mulheres naquele reino e época não podem empreender e muito menos ter as mesmas oportunidades que os homens. 

O musical traz elementos da história original, mas se apropria de inúmeras novidades. Além de Ella ser uma jovem obstinada, empoderada e até mesmo um pouco impulsiva, cujo sonho não é um casamento, mas sim sua profissão, temos ainda uma madrasta que apesar de ser a vilã da história, acaba despertando em nós uma certa empatia, uma vez que nessa narrativa conhecemos um pouco mais do seu passado e as situações que moldaram sua personalidade. 

Não podemos também esquecer da princesa do reino, Gwen (Tallulah Greive), que não é apenas uma jovem preocupada com roupas e namorados, pelo contrário. Gwen é extremamente inteirada dos assuntos políticos e econômicos do reino, ainda que ela não seja a primeira na linha de sucessão. Mas vamos a cereja do bolo do musical. Fada madrinha é coisa do passado. Dessa vez somos presenteados com um fado sem gênero interpretado pelo incrível Billy Porter.

Camila Cabello no quesito merchandising foi sem dúvida uma excelente escolha, já que seu nome e o que ela representa atraiu os holofotes para o filme. A cantora cubana que coleciona mais de 55 milhões de seguidores no Instagram teve sua estreia como atriz justamente em um filme que já teve inúmeras versões ao longo dos anos, ou seja, uma tremenda responsabilidade. Como o filme é musical, seus vocais, como era de se esperar, impressionam, em contrapartida sua atuação não surpreende, ficando apenas na zona de conforto e dentro do aceitável. Vale enfatizar, que não é nada que prejudique o filme. É possível inclusive perceber um grande potencial em Camila que ainda precisa ser lapidado, em especial no aspecto cômico, que deveria ter sido mais focado.

Por falar no quesito musical, é bom preparar o público quanto a essa questão. Nem toda a audiência está acostumada a acompanhar musicais genuínos. Essa versão de Cinderela feita pela Amazon é REALMENTE um musical. Quase como aqueles que assistimos nos palcos. Então prepare-se para MUITAS canções ao longo da história. Elas predominam. Somado a isso, temos ainda toda aquela sucessão de danças aleatórias, figurantes fazendo malabarismos e muitas cores.

As músicas em si agradam, ainda que incomode o fato de elas ficarem evidentemente dubladas e da transição entre elas e os diálogos não ficar nada fluida. Temos desde canções originais, tais como Million to One, que tem um refrão bem chiclete e destaca os agudos de Camila Cabello, como versões de músicas bastante conhecidas do público, como Material Girl da rainha Madonna e a romântica Perfect, de Ed Sheeran que é tema de uma das cenas mais fofas do longa, o emblemático baile.

No aspecto musical temos ainda um deleite a parte com Idina Menzel. Pra quem não se lembra, ela interpretou a personagem Elsa, da animação Frozen, onde deu voz para um dos principais hits dos últimos anos, Let it go. É simplesmente delicioso ouvir a voz da atriz, que também entrega uma atuação que traz novas camadas para madrasta.

O príncipe da história, Robert, é interpretado por Nicholas Galitzine e vem numa versão menos piegas e perfeitinha do que estamos acostumados. Assim como Ella, ele também não se contenta com aquilo no qual está predestinado, o trono, e traz um debate sobre escolhas. Robert e Ella como casal convencem, ainda que em uma cena ou outra estejam envoltos pelos excessos típicos de musicais.

O alívio cômico tenta vir com o trio de ratinhos, um deles interpretado por James Corden, que novamente parece estar interpretando a ele mesmo, mas a comédia ali é só fofa, não sendo engraçada de fato. Quem de fato rouba a cena, ainda que com pouquíssimo tempo de tela é Billy Porter, também narrador dessa história. No elenco estão ainda Pierce Brosnan e Minnie Driver nos papéis de rei Rowan e rainha Beatrice, que acabam sendo um núcleo bem divertido de se assistir (mais do que os ratinhos, com certeza).


Do ponto de vista estético, o filme é feijão com arroz. Os figurinos são ok, os cenários podem por vezes lembrar filmes de baixo orçamento, as coreografias são água com açúcar, mas por sorte temos as mensagens que fazem o longa valer.

O filme não chega a ser memorável, mas também convenhamos, a história em si não é memorável e reescrevê-la pela "milésima" vez não deve ser fácil. O importante aqui é o pontapé e a importância que essa nova roupagem traz para as novas gerações que vão aprender a ter uma ambição sadia e lutar por seus sonhos. Além disso, a classificação indicativa é 10 anos, então não dá pra esperar que a obra agrade adolescentes e adultos na mesma proporção.

A crítica aqui também não tem caráter de disputa ou comparativo. Cada obra feita ao longo dos anos tem seu próprio valor, por isso não vou dizer qual é melhor ou pior. Na verdade, meu desejo é que essa Cinderela sirva de chama para um "incêndio" de novos contos de fadas adaptados para a nossa realidade.

Nota: 7,0

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