Repleto de mistérios, universo intrigante e personagens marcantes, quadrinho de Jeff Lemire se solidifica como uma das últimas grandes obras do selo Vertigo da DC Comics.

Há sete anos, o Flagelo assolou a humanidade como um incêndio descontrolado em uma floresta seca e matou bilhões. As únicas crianças nascidas após o evento são híbridas, uma nova espécie que mescla características humanas e animais. Gus é uma dessas crianças ameaçadas, um menino com uma alma dócil, uma queda por doces e traços de cervo. Mas garotos como ele têm a cabeça a prêmio, e quando seu lar é atacado por caçadores inescrupulosos, um homem misterioso e violento aparece para lhe salvar. O nome dele é Jepperd e ele promete levar o jovem até a mítica Reserva, um paraíso para crianças híbridas. Durante o tempo que seguirão juntos, Jepperd corromperá a inocência do jovem híbrido ou a pureza de Gus amolecerá o bruto coração de Jepperd?

“Sweet Tooth" é sem sombra de dúvidas uma das obras mais autorais e mais importantes da carreira do aclamado quadrinista Jeff Lemire (Cavaleiro da Lua, Black Hammer), sendo o seu primeiro trabalho mainstream a explodir e chamar a atenção de todos. Publicado originalmente no final de 2009 e se encerrando em 2013, a série teve 40 edições publicadas pela DC Comics através do (já extinto e aclamado) selo Vertigo, onde o conteúdo “autoral” da editora era publicado. As 40 edições foram escritas e desenhadas por Lemire e foram publicadas pela Panini Comics no Brasil em uma série de encadernados capa cartão, sendo reimpressos agora em formato de luxo (capa dura). Recentemente a série ganhou uma nova minissérie nos quadrinhos feita pelo próprio Lemire, chamado “Sweet Tooth: The Return”, e uma série live-action pela Netflix que irá estrear ainda nesta semana.

O primeiro fator que pode chocar as pessoas (e afastá-las) é a arte de Lemire. Embora muitos não curtam o estilo de desenho do quadrinista canadence, essa é uma das principais características que fazem “Sweet Tooth” ser tão especial. A arte “suja e bizarra” dá uma atmosfera completamente única para aquele universo sombrio e decadente. Ao mesmo tempo, a narrativa gráfica do autor é excelente. Lemire faz algumas belas páginas com composições diferentes e até mesmo lúdicas, dando um charme a mais para a arte e a história.

Pode-se dizer que “Sweet Tooth” é um “Mad Max” com elementos de ficção científica, natureza e paternidade, em que temos um mundo devastado por um vírus (o que nos dias de hoje torna toda a história mais assustadora) e acompanhamos um garoto meio cervo vagando pelos Estados Unidos acompanhado de  homem misterioso e atormentado, baseado na figura do ator Clint Eastwood (Três Homens em Conflito, Gran Torino).

Gus e Jepperd/Grandão são personagens complexos que amadurecem e evoluem ao longo da trama. Conforme avançamos pela história começamos a entender as motivações e o passado trágico de Jepperd, o que “justifica” suas ações e agrega mais a sua personalidade. Já Gus (ou boca doce, apelido dado a ele por Jepperd) é um confuso e amável protagonista, que enquanto vai evoluindo como personagem começa a fazer questionamentos após ser obrigado a tomar decisões importantes e drásticas. A relação quase paternal de Gus e Jepperd é linda e muito bem construída, totalmente orgânica e humana.

Os personagens secundários são interessantes e minimamente cativantes. Embora não sejam o maior alicerce da história, tem funções narrativas e que agregam bastante para o desenvolvimento de Gus. Dentre os destaque ficam Bobby, o fiel amigo de Gus meio marmota, Wendy, a garota porco e o misterioso mas amigável Doutor Singh.

Já o grande antagonista da série, Douglas Abbot, tem uma presença e visual ameaçadores. Líder de uma milícia que caça híbridos para realizar testes e descobrir uma cura para a doença, Abbot é um vilão interessante que não possui escrúpulos e está disposto a fazer qualquer coisa para atingir seus objetivos. Lemire consegue muito bem construir esse temível vilão, antes mesmo de dar uma edição única especial mostrando seu passado com o pai abusivo e treinamento no exército.

O universo apresentado por Lemire é realmente interessante. Uma distopia em que a humanidade é obrigada a cometer atos questionáveis e não há lugar seguro. Alguns elementos pesados envolvendo prostitução de menores, violência gráfica extrema e até mesmo uma ‘fetichização dos híbridos". Falando nos híbridos, outro fator interessante é a diversidade de designs e animais que são utilizados na criação desses seres, sendo a maioria interessantes e criativos.

“Essa é uma história de sobrevivência contra todas as adversidades e de busca por algo que valia a pena lutar, mesmo nos dias mais difíceis. Essa é uma história de medo e amizade, passagem e renascimento, mas também de sacrifício e redenção, de ódio e amor”. Esse trecho retirado das últimas páginas do quadrinho transcreve muito bem o que a obra é e as mensagens que quer passar. Temáticas como amadurecimento, paternidade, sobrevivência, aceitação do luto, entre outros são coisas que “Sweet Tooth” aborda de uma maneira sensível e humana, fazendo com que qualquer um que leia se emocione.

A conclusão da série é uma dos finais mais bonitos e emocionantes que eu já vi em um quadrinho (pelo menos no mainstream). Lemire fecha a história de maneira exemplar, amarrando as pontas e dando as explicações necessárias, sendo completamente satisfatório.

Sweet Tooth” é um quadrinho profundo e que mostra uma incrível jornada de um garoto que está tentando sobreviver no mundo cruel enquanto descobre suas origens. É uma história emocionante sobre paternidade, evolução, luto e seguir em frente.

Nota: 9,5.

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