Ammonite subaproveita suas personagens e entrega apenas um romance mediano.

No mês em que se celebra o orgulho LGBTQIA+ trarei uma série de críticas de filmes cujos personagens centrais exalam representatividade. Pra começar trago um filme estrelado por ninguém menos que Kate Winslet, que ficou em evidência ainda essa semana com o finale da minissérie da HBO Mare of Easttown (você pode conferir a crítica aqui), e a sempre excelente Saoirse Ronan.

Ammonite é um drama romântico biográfico de 2020 escrito e dirigido por Francis Lee, conhecido pelo filme Reino de Deus (2017). O longa é inspirado na vida da paleontóloga britânica Mary Anning que, a partir da liberdade poética de Lee, teria vivido uma relação romântica homoafetiva no século XIX. O filme se encontra disponível para aluguel e compra nos principais serviços on demand.

Na trama, Mary Anning (Kate Winslet) divide seu tempo entre cuidar de sua mãe, procurar fósseis na maré baixa e cuidar de uma loja onde vende parte dos seus achados que ela transforma em souvenirs para os turistas e curiosos. Em um dia como outro qualquer, um geólogo visita a loja acompanhado de sua esposa, Charlotte (Saoirse Ronan), e se interessa por uma viagem guiada à costa, já que Mary tem muita experiência com fósseis.

Mais tarde, prestes a viajar em uma viagem profissional longa e exaustiva, ele tem a ideia de contratar a paleontóloga, para ensinar um pouco do ofício à Charlotte e, em especial, distraí-la, uma vez que a jovem sofre de melancolia, doença que hoje conhecemos como depressão. Apesar de inicialmente resoluta, Mary Anning aceita a proposta, embora só não imaginasse que seu envolvimento com Charlotte logo se tornaria muito mais profundo.

Sabe aquele longa que tinha TUDO pra dar certo, mas simplesmente não deu? Quando há falta de um roteiro ritmado, não há muito o que possa se fazer. Temos aqui uma atmosfera perfeita, atrizes excepcionais, contudo mal aproveitadas. O longa acaba engolido por um marasmo e personagens rígidos demais, o tempo todo, de modo a não nos emocionar. 

Será que é difícil demais filmes de temática LGBTQIA+ serem um pouco mais leves? “Ah, mas é um filme biográfico”. Na verdade, ele é vagamente biográfico. Não existe, inclusive, certeza acerca da sexualidade de Mary Anning, portanto a liberdade criativa poderia ter ponderado um pouco e tirado a monotonia e peso que persistem no decorrer do texto. 

Entre erros e acertos, ainda assim, o grande pilar do filme reside em suas atuações. Kate Winslet como sempre está brilhante mesmo com um enredo não colaborativo. É como se ela de fato fosse aquele tipo de atriz camaleão, capaz de se moldar e se reinventar a cada personagem de forma única e complexa. Saoirse não fica atrás. Conhecida por excepcionais atuações, tais como em Lady Bird (2017) e Adoráveis Mulheres (2019), a atriz consegue achar o tom, após um início de filme mais apático, e tem uma boa química com Kate. 

Ainda que haja uma boa química entre as personagens, vale salientar, no entanto, que é como se faltasse uma fagulha para arrebatar o espectador. Como a história individual das personagens não foi de fato construída, ficando apenas na superficialidade, passa a ser difícil se vincular apenas a curtos momentos afetivos entre elas. 

Além disso, a própria relação romântica em si parece não progredir. Quando finalmente enxergamos que haverá uma guinada no contexto, o filme  acaba. Portanto, questões interessantes, como a diferença de classes entre elas, a diferença de idade e o próprio explorar de sua sexualidade não são explorados  em sua essência. O filme gira em torno basicamente de uma relação de cuidado e autoconhecimento. Em boa parte dele, Charlotte está debilitada e é cuidada por Mary. E a partir do zelo que vai desabrochando uma paixão.

A fotografia do filme é um deleite e um dos maiores acertos do longa. As imagens da costa, com todos aqueles tons de cinza dão um charme único à obra. O filme é feito de silêncios, mas ao mesmo tempo o som do vento passa aquele caráter reflexivo, que se soma às tomadas ajustadas dos detalhes dos rostos, das mãos calejadas, especialmente, da personagem interpretada por Kate, que funcionam bem e surgem como um dos singelos acertos da direção. Você consegue sentir a seriedade e o peso do fardo de Mary, assim como você consegue sentir a tristeza de Charlotte e seu gradativo renascimento.

O final do filme é o ponto mais decepcionante, visto que vem com uma ausência de desfecho quase incômoda. É daquele tipo, que termina e você fala: "Oi? Como assim?" E isso acaba vindo com aquela sensação de completa frustração. Não tem como não comparar esse filme com Retrato de uma Jovem em Chamas (2019) que apresenta uma ambientação e estilo muito semelhantes, mas que, por sua vez, deu incrivelmente certo. E aí quando comparamos, vemos que com alguns ajustes, uma história incrível poderia ter sido entregue. 

Mesmo sendo um filme regular, histórias como essa sempre devem reverberar, em especial em um universo cinematográfico que precisa urgentemente de representatividade e mais protagonismo LGBTQIA+. Portanto, assista, privilegie e até a próxima crítica!


Nota: 6,5

 

 

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