Amy Adams estrela um dos piores filmes de suspense dos últimos tempos.

Filmes baseados em livros são sempre um desafio para adaptar ao formato de longa-metragem, a linguagem da literatura e cinema diferem muito uma da outra, ainda que tenham elementos que conversem entre si. Não ajuda quando a produção da obra é caótica, vimos recentemente o caso de 'Liga da Justiça', uma obra com tantos problemas em seus bastidores que o resultado do produto foi um abacaxi cinematográfico.

'A Mulher na Janela' passou por problemas semelhantes. Inicialmente previsto para chegar nos cinemas em 2019, foi adiado pela Disney após a compra da Fox e quando os produtores assistiram o corte do diretor Joe Wright (Anna Karerina), decidiram precisar de refilmagens para melhorar a qualidade. Wright foi descartado e o polêmico produtor Scott Rudin chamou Tony Gilroy (O Abutre) para refazer cenas, partes do roteiro e a edição da película. Será que esse trabalho todo valeu a pena?

Infelizmente, toda a interferência do estúdio não salvou a situação. O filme foi vendido para a Netflix, chegando ao catálogo do streaming na última sexta-feira (14) e desperdiçando todas as oportunidades de entregar algo digno para o público. Baseado na obra homônima de A.J. Finn, a trama conta a história de Anna Fox (Amy Adams), uma mulher com uma síndrome que a impede de sair de casa. Devido a sua condição e tédio, ela passa os dias espionando os seus vizinhos e vê uma mulher sendo assassinada na casa de frente para sua.

Com uma premissa dessas e um elenco composto por Amy Adams (A Chegada), Julianne Moore (Para Sempre Alice), Gary Oldman (O Destino de uma Nação), Wyatt Russell (Operação Overlord), Bryan Tyler-Henry (Godzilla vs Kong) e Anthony Mackie (Falcão e Soldado Invernal) era de se esperar um bom filme, mas o que ocorre de fato, é um desperdício de bons atores em papéis vergonhosos. A única do elenco que consegue fazer algo com o péssimo roteiro é Amy Adams, ainda que Anna Fox seja uma personagem ruim, possui suficiente carisma para deixar o público entretido com suas loucuras intermitentes.
O restante do elenco é desperdiçado em papéis clichês que servem ao propósito do roteiro de tentar enganar o público com um mistério previsível que não engrena. Todos os arquétipos de filmes de suspense psicológico estão presentes, temos uma narradora não-confiável na personificação de Anna, a condição mental da personagem é a principal arma de manipulação do texto para tornar a história difícil de decodificar, mas não consegue, pois, a lógica é tão mal elaborada que pelo menos no início, já se mata boa parte do mistério. O que nos leva a outro problema, as cenas não conversam entre si organicamente, parece que o filme se inicia quase no fim, pois o início e meio contam uma história previsível que não agrega nada ao plot de assassinato que em tese é o principal.

Tampouco agregadores são os personagens de apoio, eles assumem uma postura exageradamente vilanesca na tentativa de induzir o público a suspeitar deles, o que soa forçado, especialmente com o David (Wyatt Russel). O texto opta por trabalhá-los com o máximo de arquétipos no início para depois dar algum desenvolvimento, mas se esquece de que exposição de informações não é evolução dramática. A situação é tão grave que até mesmo um ator premiado como Gary Oldman está vergonhosamente caricato no papel de Alistair Russell, é nítido o desconforto dele durante as cenas.

A clara inspiração no aclamado 'Janela Indiscreta' de Alfred Hitchcock torna toda a situação ainda mais vergonhosa, por mais que em termos visuais não seja ruim, não chega perto do nível de sutileza hitchcockiano na exploração do ambiente ao redor. Fica difícil analisar a direção devido à troca de comando, então não dá para dizer quem fez qual cena, mas julgando de um aspecto geral, é pouco inspirada. Os enquadramentos são muito básicos, as tentativas de fazer uma metáfora visual com traumas da protagonista não funcionam e há erros de continuidade em diversos momentos. Pelo menos, a fotografia funciona, o uso de tons de alaranjados nas cenas fazendo referência aos medicamentos que Anna toma foram uma boa sacada.

O mesmo não pode ser dito sobre o subtexto da obra referente a invasão de privacidade que é totalmente esquecido, o que deixa tudo pior, já que Anna Fox é uma psicóloga e entende a necessidade por privacidade tanto por sua profissão quanto pelo seu isolamento em casa, abrindo uma brecha na lógica do roteiro. O desfecho da obra é no mínimo risível, nada faz sentido, tão abrupto que o público não teme pelos personagens e as mortes são mais resultado da péssima escrita que do trabalho de um assassino.

'A Mulher na Janela' desperdiça uma boa premissa e um ótimo elenco num filme que não sabe quer contar para o público.

Nota: 4,0

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