O Tigre Branco tira o telespectador da zona de conforto e entrega um drama visceral e reflexivo.

O Tigre Branco (The White Tiger) é um drama baseado no livro homônimo de Aravind Adiga, de 2008, que após breve lançamento nos cinemas americanos chega ao catálogo da Netflix avançando cada vez mais sua posição no TOP 10 brasileiro. O longa é dirigido por Ramin Bahrani, que também é responsável pelo roteiro e produção.

O drama acompanha a jornada de Balram Halwai (Adarsh Gourav) desde sua infância em um vilarejo muito pobre da Índia. Ele precisa ainda muito cedo abandonar os estudos para trabalhar e ajudar sua família que, se ainda existisse o sistema de castas, uma espécie de estratificação da cultura hindu, certamente pertenceria a uma casta inferior. 

Quando adulto, Balram, um jovem ambicioso, realiza o sonho de se tornar motorista de Ashok (Rajkummar Rao), filho de um dos proprietários da vila em que vivia. Ashok estudou nos Estados Unidos e sua namorada, Pinky (Priyanka Chopra), fora criada lá desde muito nova. Por terem mais contato com a cultura ocidental, diferente dos demais familiares, eles tratam Balram com certo respeito, o que gera uma aproximação e fidelidade cega por parte do motorista. Aos poucos, Balram vai entendendo que ele nunca passará de um serviçal para aquelas pessoas e está mais do que na hora de virar o jogo de sua vida. Com inteligência e astúcia, ele fará de tudo para chegar ao topo, ainda que por meios questionáveis.

Dessa forma passamos praticamente a duração inteira do longa curiosos para saber como Balram se tornará rico, uma vez que ele é um narrador personagem na trama e a história já se inicia com o relato de um Balram bem sucedido.

O filme me fez lembrar a temática explorada no sucesso aclamado pelo público e crítica Parasita (2019), ao retratar de forma visceral as dicotomias sociais. Ou até mesmo Quem quer ser um milionário (2008), ao contar a história de superação de um jovem indiano. No entanto, o intuito aqui não é comparar esses filmes, até porque as abordagens dos três são bastante diferentes. Em uma série de diálogos fortes e reflexivos, que são como um soco no estômago, acompanhamos uma camada da sociedade que vive como se estivesse num galinheiro (metáfora esta utilizada no longa), esperando pelo abate, sem ao menos se rebelar. Como o próprio personagem Balram diz em uma das cenas, para o pobre chegar numa posição de destaque só lhe resta o caminho do crime ou da política.

Um outro aspecto interessante é a crítica com relação a Ashok e sua namorada. Apesar de parecerem modernos e por vezes demonstrarem incômodo com a forma como o serviçal era tratado, o que eles faziam de fato para mudar esse cenário? Enquanto dormiam no conforto, eles nem ao menos se preocupavam com o local onde estava se alojando Balram, que por sinal era completamente sujo e insalubre. Seríamos nós, assim como eles, condescendentes com a maior parte das injustiças sociais que presenciamos ao nosso redor?

O Tigre Branco mostra as diferentes faces da Índia com uma fotografia marcante e até mesmo desconfortante. Desde uma Deli desenvolvida e sofisticada, até vilarejos e locais onde as pessoas fazem suas necessidades nas ruas, não possuem práticas de higiene básica, como escovar os dentes ou trocar de roupa. Uma abordagem política consegue ser inserida ao mostrar uma mínima parte da população mais preocupada em dar celulares e tecnologia aos mais pobres, embora não se preocupe em entregar coisas essenciais como água, comida e saneamento básico. O que é chamado de servidão é visivelmente uma espécie de escravidão mascarada por aspectos culturais.

O elenco é de primeira. Adarsh Gourav entrega um protagonista que passa de um servo capaz de se humilhar até um homem que se fortalece a partir do sofrimento. É fácil de ter empatia pelo personagem e torcer por ele, ainda que não seja um herói clássico. Sua atuação é de uma força tremenda e certamente pode lhe render uma indicação ao Oscar. Priyanka Chopra a estrela da série Quântico (2015) arrasa na personagem, ao se mostrar sensível com algumas questões sociais, mas conivente quando lhe convém, ao passo que Rajkummar Rao, encarna um personagem que coloca na balança sempre a família como prioridade, ainda que isso signifique tomar decisões ruins.

O longa possui alguns plots interessantes que nos levam a uma outra reflexão. Os fins justificam os meios? O dilema do Robin Hood é trazido à tona, quando vemos o oprimido se voltar contra o opressor.

Suas mais de duas horas acabam por tornar repetitivo alguns ensinamentos e fazem com que o filme gire em alguns círculos dispensáveis. Ainda assim, O Tigre Branco é um filme denso, impactante e necessário, por mostrar algumas verdades sem sutileza, tirando o telespectador da zona de conforto. Espero que o filme seja bem sucedido na temporada de premiações, com ao menos algumas indicações, já que ele é muito mais palatável ao público do que boa parte das obras que vêm sendo tidas como favoritas. Agora nos restar torcer.


Nota: 8,5

 

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