Nova temporada de "The Crown" mostra o lado mais cruel da Família Real Britânica.


Sinopse: Em 1979, Margaret Thatcher assume o cargo de Primeira Ministra do Reino Unido e faz um rebuliço no país com suas políticas controversas. Enquanto isso, o Príncipe Charles conhece Lady Diana Spencer e acha a candidata perfeita para ser sua esposa, no entanto, o casamento deles viria a tornar-se um dos maiores escândalos da história da Coroa.

Contas de fada são histórias que buscam dar lições de vida através de um contexto fantasioso, nesse tipo de narrativa, a figura de uma princesa é bem comum. As personagens assim tem características bem típicas, são boas, divertidas e almejam um príncipe encantado e finais felizes. Essa nova temporada de 'The Crown' pode ser entendida como uma antítese de tais tramas e mostra que nem sempre a realeza é algo a se almejar. Peter Mogan, o criador da série adentra nessa nova era da Família Real Britânica com um olhar mais crítico a respeito dos ritos e personagens dessa instituição. Em relação às demais temporadas, essa é a que mais põe o dedo na ferida de assuntos que os Windsor não querem relembrar.

Inicialmente, somos apresentados à Margareth Thatcher (Gillian Anderson), uma mulher que foi recém-eleita como Primeira Ministra do Reino Unido e possue uma série de políticas controversas que podem alterar o rumo do país por completo. Thatcher é uma das figuras políticas mais emblemáticas do século XX e foi amplamente criticada por suas políticas econômicas neoliberais, além de ser conhecida como alguém difícil de se lidar. A performance de Anderson pega as características mais marcantes da Primeira Ministra e entrega uma atuação que emula perfeitamente a voz, pensamentos e trejeitos da personagem. A Dama de Ferro é construída  pelos roteiristas como uma pessoa obcecada pelo trabalho que possue uma visão de liberalismo econômico em todos os aspectos de sua vida. Nas reuniões dela com a Rainha Elizabeth II (Olivia Colman), Thatcher ressalta a todo momento que apenas através do trabalho, economia e individualismo que a Inglaterra prosperararia como uma grande nação. Tais pensamentos fazem dela uma constante fonte de aborrecimento para a Rainha que não concorda com muitas de suas políticas, porém não pode manifestar opiniões por questões constitucionais.

Todo esse núcleo que envolve as relações entre o Palácio de Buckingham e Downey Street é bem desenvolvido e possuem as melhores cenas da temporada em questão de diálogos. O único problema é que a Thatcher é subutilizada pela narrativa aparecendo em poucos episódios e sempre dividindo os holofotes com outros personagens menos interessantes. Vários tumultos e questões políticas do governo dela são abordados superficialmente e decepcionam quem esperava algo mais instigante. A série tenta trazer o assunto dos males do governo da Dama de Ferro no episódio que mostra o caso da invasão ao Palácio de Buckingham, porém não foi suficiente para dar ao tema o destaque merecido.

Na contramão, temos uma grande parte dos episódios dessa temporada dedicados à explorar o tumultuado relacionamento entre o Príncipe Charles (Josh O'Connor) e  Lady Diana Spencer (Emma Corrin), a futura Princesa de Gales. Diana é retratada tal como uma princesa de contos de fada no início da série, têm um bom coração e deseja o amor, porém ao invés do príncipe encantado, ela acaba casando-se com um sapo, pois Charles não parece interessado nela. Algo que o show mostra desde o início é que o Príncipe de Gales apenas usou a jovem para escapar das pressões da família e gerar herdeiros, porém nunca parece ter gostado dela, pois ainda estava apaixonado por Camilla Parker-Bowles (Emerald Fennell). Apesar de o roteiro ser obviamente pró-Diana, ainda existem cenas em que o público pode notar o quão injusta e triste era a situação para os dois presos nesse casamento. Charles é covarde para enfrentar sua família e deseja toda a sua frustração em Diana que por ser jovem e ingênua não pôde perceber a tempo a roubada em que iria se meter. A atuação de Josh O'Connor permite que o público odeie  e sinta simpatia por Charles, porém ele é o vilão nesse caso por conta de suas atitudes infantis e falta de empatia.


A Princesa de Gales é retratada como uma alma boa que busca a felicidade acima de tudo, algo que o casamento com o futuro herdeiro do trono não é capaz de oferecer. As cenas em que ela tenta fazer a relação funcionar quebram o coração, pois a incapacidade de seu marido em ser emocionalmente maduro complicam mais as coisas. A situação piora quando Diana torna-se mais querida pelo público que ele, então era um inferno para a jovem, pois tais brigas e pressões desencadearam um processo de bulimia. As cenas em que esse distúrbio é retratado são filmadas com o maior cuidado possível e mostram uma fragilidade da personagem que só o espectador conhece naquele momento. Emma Corrin emprega muita doçura nos olhares e tom de voz da personagem, além de ser muito parecida com a mesma na vida real. Algo interessante esse núcleo é que a câmera faz questão de filmar Diana num ângulo que pareça em que ela está rebaixada em relação aos outros membros da Família Real. Porém, quando ela está em turnê ou em trabalhos de caridade, acontece o oposto com ângulos mais abertos passando a sensação de felicidade e amor do público para com a Princesa.

A Rainha Elizabeth saiu um pouco do foco nessa temporada, mas Olivia Colman continua dando um show como a monarca. Nota-se que ela ficou mais à vontade no papel e a Rainha adotou uma postura mais madura e fria em relação à temporadas anteriores. Aqui, ela torna-se a síntese de uma pessoa tão emocionalmente distante que não sabe reagir à demonstrações naturais de carinho, além de ser incapaz de compreender que adotar uma postura passiva não é a maneira correta de resolver os problemas. A personagem encara o peso de suas decisões no passado, questionando sua maternidade e sua capacidade de entender as demandas de seu povo. Num dos episódios mais marcantes, ela tenta se inteirar mais a respeito da vida de seus filhos e descobre que todos eles tem grandes problemas, porém a mesma é incapaz de oferecer um consolo que seja útil, é uma camada que ainda não tinha sido explorada na personagem.

Essa nova temporada só nao foi melhor, pois teve um começo excessivamente moroso, ficando mais interessante apenas do episódio quatro em diante. Algumas inconsistências no roteiro também tiram um pouco do brilho, porque vários subplots são plantados e no fim, não há desenvolvimento deles como a questão do grupos paramilitares irlandeses (IRA) e seus atos de terrorismo contra membros do governo e realeza. Fiquei com a impressão de que pelo filme A Dama de Ferro com Meryl Streep ter abordado boa parte dos conflitos do governo Thatcher como a Guerra das Malvinas, a série decidiu pular vários desses momentos e focar mais em questões pessoais dos personagens.

Por fim, vale destacar que personagens como o Príncipe Philip (Tobias Menzies) e a Princesa Margaret (Helena Bonham-Carter) ficaram mais apagados, mas ainda sim possuem seus momentos de brilho. No que tange aos aspectos técnicos, é um deleite ver que a produção da série tem um enorme capricho na recriação dos cenários e figurinos da época. Também devo elogiar a trilha sonora que soube pontuar bem o necessário de cada cena e elevou vários momentos dramáticos.

'The Crown' acerta mais uma vez e prova ser a jóia da coroa das produções originais da Netflix.

Nota: 9,0

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem