Eggers retorna após o ótimo “O Homem do Norte”, sua epopéia de Amleth, agora para dar vida a uma nova versão do famigerado “Nosferatu”. O clássico de 1922 é aclamado não apenas pela revolucionária estética surrealista e melancólica do Expressionismo Alemão, mas também por trazer, em sua narrativa, elementos inéditos ao vampiro — como a letalidade da luz do sol à criatura — e, fora das câmeras, pela audácia de seus idealizadores ao plagiarem a obra de Bram Stoker e adaptá-la ao molde alemão. Na história, tal como Jonathan Harker, Thomas Hutter (Nicholas Hoult) abandona sua esposa, Helen Hutter (Lily-Rose Depp) — o paralelo de Mina Harker — para atender aos excêntricos desejos imobiliários de um lorde antigo e estranho: Conde Drácula, ou, aqui, Conde Orlok (Bill Skarsgård). A empreitada de Thomas o coloca face a face com uma criatura que desafia suas concepções de mundo e coloca em risco a vida de sua amada.


A jornada de Thomas Hutter


Não se engane pelo espaço centenário que distancia esta obra da de 1922 — praticamente 95% do andamento deste filme é muito parecido com o original, sendo a jornada imobiliária de Thomas absolutamente a mesma. O grande diferencial está nos cem anos de avanço tecnológico que separam as duas obras e em uma nova proposta de subtexto narrativo. O Drácula, ou neste caso o Nosferatu, tem em sua concepção a ideia do invasor bárbaro ou do colonizador invertido: o desconhecido que vem de longe, de um local primitivo ou rústico, para roubar terras, seja através da especulação imobiliária ou mesmo ao tomar a dama de um cavalheiro, usurpando assim o seu lugar. Ele traz pragas, lamúrias e perversão oriundas de terras orientais, seja da Valáquia ou de Wisborg, numa fictícia Alemanha Oriental. Eggers toma uma escolha que pode desagradar, e que a mim também causou estranhamento, que é a de mudar (bastante) a aparência de Orlok. Ele ainda conserva certos traços característicos do original: é alto, esguio, com garras enormes. Além disso, Bill Skarsgård atua de forma a tornar cada movimento do monstro algo que desafia o natural. Ele respira com dificuldade, surge e desaparece pelos cantos, e sua presença genuinamente assustadora compõe seu território em Wisborg.


O Conceito de Sexo e Praga em Nosferatu 



Desde “A Bruxa”, o diretor Robert Eggers trabalha sua visão de sexualidade, e do terror que entrelaça este tema. Em “A Bruxa”, o terror cresce na privação dos prazeres da carne, e atitudes condenadas por aquela família fanática. Em “O Farol” o sexo e a loucura caminham juntos, a desconhecida luz do farol parece após a privação do prazer um objeto de desejo tanto quanto o veículo da loucura na ilha.

A narrativa de Nosferatu nos leva a crer na ideia do prazer interrompido. Mesmo ao lado de seu amado, Hellen jamais parece alcançar algum ápice sexual — seja pelo marido estar indisposto ou até pelo tormento causado pela criatura. Também parece haver um entendimento de Nosferatu como um trauma que retorna do passado. Ironicamente, em determinados momentos, o filme beira à repetição ao trazer transições de cenas fantasiosas para cenas sóbrias e vice-versa. Essas interrupções poderiam parecer incessantes e repetitivas, dada a duração do longa; no entanto, essas repetições não são tão prejudiciais, pois a direção conduz a narrativa muito bem e se apoia em boas atuações.


O visual do antigo Conde Orlok é algo envolto em polêmicas. Acontece que, numa busca pelo distanciamento da obra original, a estética de Orlok traz estereótipos xenofóbicos e antissemitas. Desde as feições até o conceito do invasor que traz pragas, tudo isso numa época em que a Alemanha vivia o antissemitismo. Pelo bem ou mal, a aparência do vampiro se perpetuou. Ainda que Eggers fuja de um estereótipo, ele acaba caindo em outro. Não ocorrem paralelos com judeus, mas sim com ciganos. O estereótipo exótico, o misticismo envolvendo seu passado e como essa estética se aproxima dos traços romani fazem o novo Orlok ser novamente um centro de polêmicas, ainda que talvez na melhor atuação que o monstro já teve.



Nota: 8.1/10











Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem