Ridley Scott opta pelo épico para criar uma sequência de um de seus filmes mais clássicos, que obtém sucesso mesmo tropeçando em uma história convoluta.

Gostaríamos de agradecer a Paramount Pictures por convidarem a gente para assistir o filme na cabine de imprensa. O filme já está disponível nos cinemas brasileiros.

Após ter seu lar conquistado pelos imperadores tirânicos que agora comandam Roma, Lucius é forçado a entrar no Coliseu e deve olhar para o seu passado para encontrar força para devolver a glória de Roma ao seu povo.

Gladiador” é considerado não só um dos grandes filmes dos últimos 30 anos, como um dos melhores filmes da filmografia de Ridley Scott (Alien: O Oitavo Passageiro, Blade Runner), um diretor que já entrou para o hall dos melhores cineastas de todos os tempos. Tendo ganhado 5 Oscars (incluindo melhor filme) e se tornando um clássico do cinema, é claro que uma sequência sempre foi cogitada e planejada pelo estúdio e o cineasta, finalmente saindo do papel depois de 24 anos.

O complicado de fazer esse tipo de sequência é o comparativo que é inevitável de se fazer. Desde as performances, até a história e momentos marcantes. De cara não consigo pensar em algo que será amplamente lembrado de “Gladiador 2” nos próximos anos, diferentemente do seu antecessor. Mas isso não descarta os méritos dessa sequência, que pelo menos não passa vergonha ou mancha o legado do original como várias que vemos por aí.

Temos então uma trama que segue Lucius (Paul Mescal) já adulto tentando esquecer o passado. Mas como a violência de Roma continua o perseguindo, ele acaba sendo capturado e transformado em um escravo, sendo cruelmente sofrendo uma pregação de peça do destino e forçado a lutar no Coliseu como um Gladiador, enquanto busca vingança contra o homem que matou sua amada.

O primeiro ato do filme é de longe a melhor parte do filme. Ele é bem estruturado ao ponto de apresentar bem os personagens e reintroduzir o universo com uma grande batalha que vende esse clima de épico em larga escala. Scott dirige não só bem essas batalhas, mas como as lutas dos Gladiadores dentro do Coliseu. 

E apesar de tudo, a história desta sequência acaba sendo plausível e se encaixando uniformemente (na medida do possível) com o filme original. Mas no fim a sequência não consegue escapar muito de replicar o que deu certo com o primeiro filme, repetindo as mesmas batidas. Scott aumenta a escala e absurdos possíveis, mas narrativamente é quase como se estivesse refazendo o primeiro filme, mas sem o mesmo molho e sabor.

Paul Mescal (Aftersun, Normal People) aqui dá a vida a versão adulta de Lucius, que é o grande protagonista do filme. É uma tarefa ingrata fazer um papel semelhante ao de Russell Crowe (Uma Mente Brilhante, Homem de Aço), mas Mescal é um ator de alto calibre que se provou como um dos mais interessantes da sua geração, e agora tem a chance de brilhar em um papel de destaque no seu primeiro blockbuster. 

Ele vive um personagem difícil de interpretar, já que é um garoto que foi praticamente “abandonado pela mãe” e cresce com um grande ressentimento em seu peito, inspirado apenas por Maximus (Russell Crowe) e sua esposa (Yuval Gonen). Mescal entrega não só nas cenas de ação mas nos momentos dramáticos, mas o roteiro nunca sabe desenvolver o personagem para caminhos mais interessantes além do protagonista genérico, e no clímax do filme onde seu personagem tem que tomar grandes decisões, não soa nada convencional

Mas é claro que o grande destaque do filme é a participação de Denzel Washington (Malcolm X, Um Limite Entre Nós). Não só ele se comporta como ele mesmo (o que gera um ar hilário sempre que está em cena), mas sabe ser ameaçador e convencer como esse estrategista manipulador, que é o grande vilão do filme. O desfecho do personagem é meio anticlimático, mas Denzel entrega até o fim.

Assim como o planeta Terra inteiro, eu adoro o ator Pedro Pascal (The Last of Us, O Mandaloriano), que não só é dono de um carisma sem fim mas é extremamente talentoso. Mas seu personagem, o General Marcus Acacius é a coisa mais desconexa do filme. Ele surge como um inimigo de Lucius, mas que está sendo “forçado a fazer o mal”, e protagoniza toda uma tentativa de tomada de poder de Roma que é extremamente jogada de lado. Pascal tenta dar um ar de sabedoria para Marcus, porém o roteiro tem tanta coisa pra trabalhar que deixa o personagem completamente subutilizado.

Já os outros personagens tem funções óbvias e não vão muito além disso. Connie Nielsen (Mulher-Maravilha, Anônimo) retorna como Lucilla, servindo como uma âncora moral e drama materno para Lucius, enquanto Joseph Quinn (Stranger Things, Um Lugar Silencioso: Dia Um) e Fred Hechinger (The White Lotus, Rua do Medo: 1994 - Parte 1) vivem a dupla de jovens irmãos imperadores Getta e Caracala, que desde o primeiro momento são sádicos e extremamente odiáveis, mas sem o menor nível de carisma ou complexidade como o de Commodus (Joaquin Phoenix).

Não precisa ser um grande analista pra perceber que a filmografia de Scott tem sido um pouco… inconsistente nos últimos anos, pra ser bonzinho. Apesar de ser um excelente diretor que já se provou mais de uma vez, ele tem escorregado bastante e entregado filmes bem abaixo do seu potencial. E mesmo não arranhando o trabalho impecável que fez com o original, ele mostra que ainda tem vigor pra entregar um épico como a gente não vê mais com tanta frequência. Ele já tinha feito isso recentemente com o ótimo “O Último Duelo”, mas aqui parece estar se divertindo muito mais levando a escala pra um lado mais absurdo e teatral.

Um destaque também para os figurinos inacreditáveis da vencedora do Oscar Janty Yates (Gladiador, Napoleão), a reconstrução perfeita de Roma que agrega à escala épica proposta e a trilha sonora de Harry Gregson-Williams (Perdido em Marte, Shrek), muito bem orquestrada e que acentua exatamente o que precisa, desde as cenas de ação até o drama.

Mas se o trabalho de Scott na direção geral e cenas de ação é bem competente, o acabamento gráfico e efeitos especiais em alguns momentos é pavoroso. Na era das produções rushadas que nos dão efeitos não finalizados e porcos, é triste ver um filme com tanto investimento e tempo de produção, vindo de um diretor veterano, ser tão inconsistente no seu complemento gráfico. As batalhas convencem, mas quando temos o confronto com animais raivosos feitos de cgi, fica visível que os atores estão interagindo com o nada, e tira completamente a imersão que estava sendo proposta.

E por mais que o primeiro ato seja tão redondo e bem desenvolvido, ao longo do filme ficava cada vez mais nítido que o roteirista David Scarpa (Todo o Dinheiro do Mundo, O Dia em que a Terra Parou) parece ter incorporado 3 versões diferentes de roteiros de sequências de Gladiador dentro de um filme só. Vários plots não se conversavam entre si, e no final quando ele tenta amarrar tudo deixa o filme tão corrido que tudo se perde, e quando o filme acaba o único sentimento possível é expirar e dizer “ok”.

Apesar de estar longe de chegar aos pés do seu primeiro filme, que é uma tarefa bem ingrata, precisamos admitir, “Gladiador 2” não é um desserviço para o legado de um clássico dos cinemas. Ele escorrega para encontrar um objetivo, mas tem o coração no lugar certo.  Por incrível que pareça, é refrescante ver esse tipo de espetáculo nas grandes telas, e vai gerar um bom divertimento para as famílias, algo que o próprio diretor não estava conseguindo entregar nos últimos anos.

Nota: 6.5

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