Grotesco, chocante e assustador. “A Substância” é não só um dos melhores filmes do ano, mas tudo o que um terror corporal tem que ser.

Gostaríamos de agradecer a Imagem Filmes por convidarem a gente para assistir o filme na cabine de imprensa. O filme chega aos cinemas brasileiros nesta Quinta-feira (19/09).

Uma celebridade em decadência decide usar uma droga do mercado negro, uma substância que replica células e cria temporariamente uma versão mais jovem e melhor de si mesma.

Enquanto fazia a pesquisa para a minha lista de lançamentos do ano, me deparei com um pequeno e pouco falado filme chamado “A Substância”, que na época só tinha o elenco, diretora e uma promessa de ser um “body horror feminista”. Isso foi o suficiente pra chamar a minha atenção minimamente e incluir ele na lista em uma boa posição. E para minha surpresa, o filme arrebatou todos os críticos no Festival de Cannes, vencendo o prêmio de melhor roteiro e sendo imediatamente aclamado.

Temos aqui um body horror (ou simplesmente terror corporal) visceral que mostra essa grande estrela decadente que está para ser dispensada por conta de estar “velha”. Eis então que surge uma empresa suspeita que oferece uma substância milagrosa que irá criar uma nova versão dela mais jovem, com uma centena de regras específicas que deixam logo de cara que isso não vai acabar bem.

De cara quero ressaltar que sou um grande fã de body horrors, e mesmo assim esse filme apresenta cenas grotescas que deixariam até mestres do gênero como David Cronenberg (A Mosca, Scanners: Sua Mente Pode Destruir) e John Carpenter (O Enigma de Outro Mundo, À Beira da Loucura) de cabelos arrepiados, sem falar na violência gráfica que ocorre em determinados momentos (com direito a uma literal chuva de sangue). Se você é sensível a cenas grotescas e violência extrema, acho que essa não seria uma boa pedida.

Todo mundo gostaria, pensou ou desejou voltar a ser mais jovem, desde a fase quando você é criança e não tem quase nenhuma responsabilidade, ou a adolescência onde só se preocupava em estudar, ou a juventude onde tinha mais energia. Então é impossível não se relacionar com o drama da protagonista ou ansiar ter essa possibilidade.

O roteiro é extremamente inteligente e cheio de nuances, e apesar de toda a óbvia crítica a indústria que descarta as mulheres que passam dos 40/50 anos e as trocam por novos talentos jovens como se não fosse nada, aqui aborda também a vaidade humana, e o desejo de ser desejada. Elizabeth (Moore) respira a vaidade, e não que isso seja algo errado! Muito pelo contrário, mas ela não é nada mais do que isso. Não tem amigos, famílias, relações ou qualquer coisa além de sua carreira e fama. No seu grande apartamento, o maior destaque é uma foto enorme sua, mostrando que o que realmente importa para ela é isso, justificando toda a sua obsessão que vai além de ser demitida e humilhada pelo chefe (Dennis Quaid).

Mesmo não tendo consciência quando ocorre a troca de corpos, ela sente uma grande felicidade e prazer ao ver a sua versão mais jovem, Sue (Margaret Qualley) brilhando e reacendendo suas paixões da juventude, sendo amada por todos. É muito intrigante a forma como o filme aborda a sexualização brutal do corpo feminino, a todo momento jogando na tela o belo corpo de Sue, semi nú enquanto ela realiza os programas de exercícios, sendo uma mistura de ode e horror ao corpo feminíni. Mas quando temos um ou dois nús masculinos, são tratados como um escape cômico.

Não conhecia o trabalho da diretora francesa Coralie Fargeat (Vingança, Sandman), que assina também os roteiros. Mas todo o elogio a ela aqui é pouco, já que ela concebe essa história insana e sabe desenvolver a trama bem devagar sem perder o ritmo e interesse do público, apresentando novos elementos e momentos que te deixam sempre ansioso pra saber como essa loucura vai acabar. Já sedimentou ela como um nome para ficar de olho tanto em trabalhos posteriores quanto anteriores.

Os aspectos técnicos do filme também não poderiam ser melhores. Os cenários que contam muito da história, sendo eles banheiros gigantes e desconfortavelmente brancos, uma fotografia linda de Benjamin Kracun (Bela Vingança, Beast) que enquadra o desejo dos personagens e suas malícias, a maquiagem magnífica ou até mesmo o trabalho do compositor Raffertie (I May Destroy You) que agrega ao tom de mistério e horror.

É muito bom ver a atriz Demi Moore (Ghost - Do Outro Lado da Vida, Até o Limite da Honra) de volta em projetos interessantes e tão diferentes como esse. É quase pórtico como esse filme fala com a sua carreira, já que Moore era uma grande atriz nos anos 90, tendo feito vários clássicos na época, mas que com o tempo desapareceu e estrelou apenas produções que ninguém liga, assim como sua personagem. Ela se entrega totalmente às bizarrices propostas pelo filme, dando uma de suas melhores interpretações da carreira.

Margaret Qualley (Era Uma Vez em... Hollywood, Criada) tem se mostrado uma das atrizes mais interessantes da atualidade, e mesmo sendo tão jovem, soube escolher trabalhar com os melhores cineastas do momento e em projetos ousados e diferenciados como esse. Aqui ela se mostra assustadora e determinada em um papel mega complexo, enquanto tem uma mistura de confiança, apatia e até inocência.

Por fim, o resto do elenco não tem muito destaque, exceto Dennis Quaid (Longe do Paraíso, O Dia Depois de Amanhã) que interpreta o grande produtor abusivo, e considerando as inclinações políticas do ator, dou os parabéns por aceitar interpretar esse personagem que satiriza tudo que ele acredita na vida real. É um personagem que como eu disse é uma caricatura de um homem perverso, machista e que enxerga as mulheres como um objeto, mas eu adoro como a diretora filma ele bem de perto e faz questão de retratar ele como um ser nojento e abjeto, quase tão asqueroso quanto a criatura que vemos no final do filme, e Quaid abraça esse crápula como ninguém.

Sem dar spoilers ou entregar o final, os últimos minutos do filme são algumas das coisas mais insanas que eu já vi em um filme. Fargeat faz o possível e o impossível para criar uma conclusão que me deixou com a boca aberta durante todo o final, e embora tenha uns 3 momentos diferentes em que ela poderia ter encerrado o filme, escolheu uma boa parte para subir os créditos.

Sempre tem aquele papo de “filmes obrigatórios que você não pode deixar de ver”, e embora seja difícil cravar que “A Substância” se tornará um clássico absoluto do cinema, com toda a certeza vai marcar o gênero do terror, e é de longe o melhor filme de horror do ano (e um dos melhores filmes do ano no geral). Audacioso, nojento, absurdo e de certa forma encantador, você tem que ver para crer, eu mesmo ainda não consigo acreditar no que vi, e vou ficar um bom tempo pensando nele (e nunca mais por exemplo vou conseguir comer uma coxa de frango sem pensar nela se movendo pelo corpo).

Nota: 9

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