Aos 80 anos de vida, Martin Scorsese continua provando o por que é um dos maiores diretores de todos os tempos, com uma história mais do que relevante.
Na virada do século XX, o petróleo tornou a nação Osage a mais rica do mundo do dia para a noite. Tanta riqueza atraiu intrusos brancos, que manipularam, extorquiram e roubaram o dinheiro do povo Osage antes de assassinar a população.
Martin Scorsese (Taxi Driver, O Irlandês) é não só um dos maiores diretores de todos os tempos, mas é o cineasta norte americano vivo mais importante. Com um conhecimento sem fim sobre o cinema, o diretor entregou ao longo de sua vida joias do cinema que trazem reflexões profundas sobre o ser humano, sua história e comportamento. E agora, Scorsese se une novamente com o premiado roteirista Eric Roth (Forrest Gump: O Contador de Histórias, Duna) para adaptar o livro “Assassinos da Lua das Flores”, escrito por David Grann (Z: A Cidade Perdida, O Velho e a Arma) que conta uma história real.
Existem histórias (quase sempre de grupos minoritários) que foram barradas ou renegadas por pessoas que não queriam que elas viessem a público. Quando vemos um filme como “Assassino da Lua das Flores”, que mostra um massacre real de indígenas Osage nos EUA no início do século passado, e todas as injustiças e negligências que eles sofreram, não tem como não ficar revoltado.
Inclusive, durante o filme eu não conseguia parar de pensar no caso que tivemos no início do ano com as tribos de indígenas brasileiras Yanomami relatando o sofrimento e genocídio que sofreram nos últimos anos, sendo vítima da fome e do ataque de garimpeiros, madeireiros e do agro ilegal que sonda o nosso país, com o governo passado ignorando os chamados de ajuda. Isso reforça a importância de se contar a história desses povos, que se repetem até hoje.
Como quase toda a filmografia de Scorsese, o filme é contado pelo ponto de vista dos vilões interpretados por Leonardo DiCaprio (A Origem, Titanic) e Robert De Niro (Coringa, O Irlandês). É uma característica fundamental da filmografia do diretor ter um protagonista que não seja um mocinho ou que aja em uma área mais cinza. E isso é algo que as pessoas parecem não entender.
Houveram críticas bem plausíveis de membros da comunidade Osage que não repudiaram o filme, mas fizeram um apontamento de que essa história seria completamente diferente se contada por um diretor (a) indigena. E bom, eles não estão errados, mas infelizmente nenhum estúdio financiaria um filme como esse sem o envolvimento de um grande nome como o de Scorsese, e o fato de ter um diretor tão renomado contar essa história já é um privilégio, embora novas vozes (e mais diversificadas) sempre são bem vindas.
Muito se falou que essa era a melhor interpretação da carreira de DiCaprio, e embora eu discorde 100%, ainda é mais um grande trabalho do ator que já se provou excepcional. Seu personagem é o grande protagonista do filme, e eu amo como desde a sua introdução é deixado claro que ele não passa de um completo idiota, patético e covarde. E permanece assim até o desfecho da história, que no único momento onde ele cria uma hombridade, ainda se mantém um covarde.
Mas o grande destaque que deve reverberar muito principalmente nas premiações é a atuação maravilhosa de Lily Gladstone (First Cow, Billions) como Mollie Burkhart. De cara a personagem se mostra obstinada e sem medo de falar o que pensa, e a leitura que ela faz de Ernest (DiCaprio) é certeira, apesar de que no fim ela acaba se apaixonando por ele. Sua presença é tão forte, que quando sua personagem sai de cena e perde o destaque causa um problema real na narrativa.
De Niro também é outro ator consagrado que dispensa elogios. Ele vem em um momento… complicado em sua carreira, fazendo alguns filmes de baixo orçamento por estar precisando de dinheiro (mas até aí, não podemos julgar ele). Mas como é bom lembrar do seu talento nato na atuação. Seu personagem, William Hale, é um lobo com pele de cordeiro perverso, manipulador e que está sempre usando a fé para se guiar e guiar os outros, um grande vilão marcante que esconde bem o monstro que realmente é. É também uma das minhas interpretações favoritas do ano.
Já o resto do elenco também é de alto nível, e é assustador como Scorsese recheia o filme com vários personagens e todos eles tem seus momentos e se tornam marcantes. Destaque para as participações de Tantoo Cardinal (Terra Selvagem, Dança com Lobos), Jesse Plemons (Judas e o Messias Negro, Breaking Bad), Brendan Fraser (A Múmia, A Baleia), Cara Jade Myers (This is Us), William Belleau (Fresh, Imperdoável), Tatanka Means (Reservation Dogs, A Hospedeira) e Scott Shepherd (The Last of Us, True Detective).
O trabalho de Scorsese na direção dispensa elogios, já que podemos ver ele aqui em seu ápice conduzindo uma história como com maestria total. O trabalho do seu já costumeiro cinematógrafo, Rodrigo Prieto (Barbie, O Lobo de Wall Street) também é ótimo, e a sequência de abertura do filme é uma das cenas mais bem filmadas do ano. Mas o que eu realmente senti falta foi de uma trilha sonora forte, com o trabalho do infelizmente falecido Robbie Robertson (O Irlandês, A Cor do Dinheiro) como compositor bem fraco.
Agora eu preciso ser honesto e dizer que a longa duração do filme e o ritmo da narrativa comprometem sim a experiência total. Existe sim uma queda geral no filme mais ou menos na sua metade, principalmente pela saída da personagem de Gladstone da história, que só volta a reaparecer no final. Todo esse debate sobre duração já aconteceu com “O Irlandês”, mas naquele filme nunca senti que a trama se arrastou ou divagou, mas em “Assassinos da Lua das Flores” esse sentimento surgiu e me tirou do filme em vários momentos.
Mas se o ritmo pode não funcionar sempre, a edição e montagem do filme é sublime, e um dos melhores trabalhos da lendária editora e montadora Thelma Schoonmaker (Os Infiltrados, Touro Indomável), que trabalhou como montadora de quase todos os filmes de Scorsese.
Os minutos finais dos filmes de Scorsese costumam ser arrebatadores, e aqui não é diferente. Ele termina o filme de uma forma forte que causa um sentimento de revolta no espectador, tendo uma quebra da quarta parede (e uma das melhores cameos do próprio Scorsese em seus filmes) te dando um soco no estômago.
“Assassinos da Lua das Flores” tá longe de ser o melhor filme de Scorsese, mas isso só reforça o tamanho do diretor. As pequenas barrigas do filme não comprometem essa história importante que pode sim ser considerada um épico e obra-prima moderna do cinema, que merece ser visto na maior tela possível. E prova de vez que Martin Scorsese ainda é muito relevante para o cinema, e que ele viva mais incontáveis anos e continue entregando filmes como esse.
Nota: 9
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