Charlotte Wells entrega um dos melhores dramas do ano, com um filme pessoal, delicado e triste sobre uma jovem que vai passar o seu último verão com o pai.

Sophie reflete sobre a alegria compartilhada e a melancolia particular de um feriado que ela tirou com seu pai vinte anos antes. Memórias reais e imaginárias preenchem as lacunas enquanto ela tenta reconciliar o pai que conheceu com o homem que não conhecia.

Em mais uma grande investida da produtora e distribuidora A24 (desta vez trazendo um drama), a diretora Charlotte Wells Blue (Christmas), que também assina os roteiros, faz a sua estreia dirigindo o seu primeiro longa-metragem extremamente pessoal revivendo uma memória da infância onde ela foi passar alguns dias das suas férias com o seu pai, um homem amável e brincalhão mas que ela mesma não conhecia por completo, entregando assim um dos filmes mais emocionantes, humanos e lindos do ano.

Paul Mescal (The Deceived, Normal People) e a novata Frankie Corio trazem interpretações memoráveis e uma química única, fazendo você acreditar que eles têm uma relação linda de pai e filha. Sophie é alegre, inteligente, desbocada mas está na fase onde não acredita ser uma criança e quer andar junto dos adolescentes. Já Calum é um pai um pouco ausente (já que é separado da esposa) mas ama a filha acima de tudo, sempre tentando fazer ela sorrir e se divertir, embora ele mesmo tenha um vazio dentro de si. Estão sem dúvidas entre as melhores interpretações de 2022.

O ritmo extremamente lento de início é algo que causa um estranhamento e distanciamento do filme, mas conforme a trama avança e temos a construção dos personagens, o filme se torna cada vez mais interessante e nos conectamos de forma bem orgânica a esses personagens, entendendo o seus dilemas, personalidades e sonhos. 

Por ser um filme extremamente pessoal, a direção de Wells é excelente e conduz bem a trama (embora de forma lenta como dito antes). Todo o visual composto pela diretora e o cinematógrafo Gregory Oke (Raf) é lindo, construindo uma atmosfera aconchegante e nostálgica do hotel (sem falar as sequências lindas de Sophie adulta na “balada”, com a jogada das luzes e sombras).

Cinema é arte, e arte é uma forma de nós nos conectarmos uns com os outros e compartilhar experiências, histórias e sentimentos. “Aftersun” não é nada mais do que isso, uma forma da diretora compartilhar uma memória tão preciosa e dolorida de sua vida, homenageando o seu pai.

Afinal, todos tem alguma lembrança bem específica de quando eram crianças, de férias que passaram com os pais, momentos de tristeza e felicidade, que mesmo não voltando estarão sempre nos “assombrando”. Essa é a grande magia do cinema.

Os 10 minutos finais do filme são extremamente fortes e poderosos ao ponto de mudar completamente a perspectiva da história, revivendo um trauma que assombrou a vida da diretora durante todo esse tempo, e com certeza vai continuar me marcando também. Como Sophie diz em determinado momento, como todos estamos de certa forma conectados pelo sol que está acima de nós, e a conclusão mostra o que acontece depois do pôr do sol onde nos separamos dos entes queridos.

O trabalho de Oliver Coates (O Estranho) na composição da trilha sonora é bem básico e operante, mas o uso específico da música “Under Pressure”, de David Bowie e a banda Queen causa uma impressão e choque marcante inesquecíveis. É tão poderoso e bem feito a montagem das cenas com a música, que é impossível ouvir ela e não pensar no filme.

“Aftesun” foi uma experiência fascinante. Um dos filmes mais elogiados do ano nos festivais de cinema que acontecem pelo mundo, mas à primeira vista ele parece ser um longa “simplório e chato”. Com o final arrebatador, se torna um bom vinho e fica melhor conforme o tempo passa e conseguimos digerir ele. Belo e humano do começo ao fim, se prepare para chorar muito no final.

Nota: 9

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