Até mesmo os filmes com premissas mais básicas e medíocres podem surpreender ao apresentar uma abordagem narrativa bem criativa. Thrillers de sobrevivência que se passam em um único ambiente podem ser uma estrutura narrativa bastante maçante. Porém, tal conceito pode conseguir explorar tal temática, por mais simples e superficial que seja, com uma perspectiva bastante interessante.
“A
Queda” é um vertiginoso, tenso e dinâmico thriller que estabelece, de forma
rápida, como a intensa busca pela emoção pode ser um ótimo gatilho para
explorar a fragilidade da vida ante as complexas adversidades. O filme em tela
prova que a forma de contar sua narrativa é mais interessante e envolvente do
que a própria história em si, sobre um caso de alpinismo que dá errado.
Na trama, Becky e Hunter são apaixonadas por adrenalina e ultrapassar limites. Porém, Becky está emocionalmente abalada devido a um trauma do passado e resolve dar um tempo nas atividades de alpinismo. Buscando se reconectar com o que mais amam, um ano após a tragédia, Hunter convence Becky a escalar uma velha torre de TV abandonada no meio do deserto, com mais de 600 metros de altura – o dobro da altura da Torre Eiffel.
Apesar
de serem alpinistas experientes, a escalada perigosa não sai como planejado e
as duas ficam presas no topo da torre, isoladas, sem ter como descer e sem
sinal de celular. Enquanto os abutres as circulam e com chances de
sobrevivência caindo drasticamente, elas devem reunir toda a coragem e força
para elaborar um plano para descer com segurança. Agora, as habilidades de alpinismo
de Becky e Hunter serão colocadas à prova enquanto lutam desesperadamente para
sobreviver aos riscos, à falta de suprimentos e à vertiginosa altura.
Dirigido por Scott Mann (“Refém do Jogo”, 2018), que também assina o roteiro com Jonathan Frank, “A Queda” é eficaz ao pegar um conceito simples sobre alpinismo que dá errado (facilmente evitado por qualquer pessoa que tem vertigem) e consegue transformá-lo em uma desesperadora luta pela sobrevivência com intensa resistência. Com isso, se entende que ótimos filmes não se fazem apenas com boas ideias, mas, também, com a forma como a história é contada.
Filmado
no deserto de Mojave, Califórnia, grande parte do enredo se passa na fictícia
torre B67, inspirada na verdadeira torre de rádio KXTV/KOVR Tower em Walnut
Grove, Califórnia, que também tem mais de 600 metros de altura e é uma das
estruturas mais altas do mundo. A produção considerou usar tela verde ou sets
digitais em todo o filme (sendo usado parcialmente), mas foi decidido construir
a parte superior da torre no topo de uma montanha para que as atrizes realmente
parecessem estar a centenas de metros de altura. A filmagem foi um tanto
difícil porque, muitas vezes, o clima (tais como raios e ventos fortes)
representava um grande desafio – mas, com isso, a produção conseguiu executar a
narrativa de forma brilhante, cheia de adrenalina e tensão.
A direção de Scott Mann e a cinematografia vertiginosa e fantástica de Miguel “MacGregor” Olaso fazem um trabalho chamativo ao conduzir uma estrutura inicialmente tediosa parecer, ao mesmo tempo, ser angustiante e excitante. Quando as personagens olham para qualquer dos lados, a câmera acompanha a visão delas e mostra todo o visual ao seu redor, por todos os ângulos – de cima para baixo, de baixo para cima e o amplo horizonte quando focado em planos abertos.
As
telas verdes durante as filmagens são inevitáveis, mas a Fotografia no deserto
de Mojave faz um excelente trabalho, com pleno uso da luz natural e cores
fortes em todo aquele ambiente. Assim, a excelente Fotografia conferiu, com
maior veracidade, o perigo enfrentado pelas personagens – além de entregar uma
sensação absurda de vertigem.
Por outro lado, por mais assustadoramente alta que seja a torre, não parece um local muito desafiador para alpinistas altamente experientes subirem, principalmente em se tratando das medidas de segurança. Filmes que colocam pessoa(s) presa(s) em lugares limitados e inóspitos, cercada(s) de perigo e com praticamente nenhuma chance de fuga, de fato, são interessantes. Porém, o enredo de “A Queda” coloca duas pessoas em uma situação em que elas causam seu próprio infortúnio ao ignorar o bom senso e todas as medidas de segurança ao escalar uma torre de metal coberta de ferrugem, com parafusos visivelmente ausentes e peças caindo antes mesmo das alpinistas chegarem no topo.
É
um tanto clichê colocar duas pessoas experientes assim em um local tão precário,
mas as exigências e conveniências do roteiro exigem que as protagonistas escolham esse ambiente
em específico – e enfrentando as dificuldades narrativas apresentadas – para
manter o público mais envolvido e angustiado com a história em questão. É um
elemento narrativo difícil de ignorar ao ver duas pessoas experientes em
alpinismo fazer tais escolhas estúpidas, mesmo com bastante conhecimento em medidas de segurança. Mas, esse recurso de roteiro deve ser
relevado em favor da trama e que funciona muito bem, pela
ótima forma como é desenvolvida.
Justifica-se: com uma mochila cheia de provisões, uma história emocional de fundo e duas alpinistas presas no topo de uma torre a mais de 600 metros de altura como premissa básica, Scott Mann e Jonathan Frank têm consciência da necessidade de criar um roteiro que seja tenso o suficiente para prender a atenção do público. Enfrentar o medo, desafiar a morte (e a gravidade), a luta pela sobrevivência, a imprudência com medidas de segurança e os perigos com abutres sedentos por sangue são os elementos narrativos criados para intensificar ainda mais essa tensão.
Tais
elementos narrativos são extremamente importantes, pois fazem a trama percorrer
seu caminho até o desfecho. Sem tudo isso, não acontece nada na história,
tornando a produção irrelevante. Assim, “A Queda” consegue maximizar sua forma
narrativa de como deixar o público ainda mais apreensivo durante o tempo em que
as duas alpinistas ficam presas no topo da torre. O ótimo resultado ocorre
devido à eficiente direção de Mann e Fotografia de MacGregor, que usam amplos
planos aéreos, diferentes ângulos de câmera, efeitos visuais e design de som
para provocar a vertiginosa sensação de estar, de fato, no topo de uma alta
estrutura.
Embora “A Queda” não seja um filme de terror, algumas das sequências mais impressionantes e brutais estão presentes para mostrar até onde pessoas desesperadas estão dispostas a ir para sobreviverem em situações extremas. Tais elementos narrativos aparecem como resultado de algo que não pode ser evitado, sendo considerado relevante para a trama seguir em frente. Isso faz com que o filme em tela seja uma aventura angustiante e fascinante.
Além
disso, a produção aumenta vertiginosamente a tensão ao longo da narrativa,
inserindo perigos de se ficar preso em um espaço extremamente limitado a mais
de 600 metros acima do chão. As reviravoltas são atraentes e a falta de medidas
de segurança podem ser uma enorme e fatal falha para as personagens. Mas, graças
a isso, “A Queda” adiciona uma nova dimensão aos thrillers de sobrevivência,
tornando a produção ainda mais claustrofóbica – mesmo a céu aberto.
“A Queda” está disponível na Amazon Prime Video.
Nota: 8.0
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