Stephen King é um dos escritores com mais obras adaptadas na indústria cinematográfica, seja em forma de filmes ou séries. A maioria dos seus livros e contos são adaptados nos dois formatos com uma narrativa bastante criativa e quase sempre com um excelente e talentoso elenco.

Com “Chapelwaite”, não poderia ser diferente. A série de 10 episódios é baseada no conto de Stephen King, “Jerusalem’s Lot”, que faz parte da coleção “Sombras da Noite” (“Night Shift”), de 1978. O conto em si é uma prequela, servindo como prelúdio, de outro livro, “A Hora do Vampiro” (“Salem's Lot”); também publicado no Brasil com o título 'Salem. O drama de época faz uma homenagem à H.P. Lovecraft e Edgar Allan Poe ao apresentar uma misteriosa e assustadora história sobre vampiros. Na mesma esteira, King também se inspira claramente na obra “Drácula”, de Bram Stoker, para criar seu próprio Nosferatu. Com isso, “Chapelwaite” é uma ambiciosa e elegante adaptação que combina elementos de horror sobrenatural e mitologia clássica de vampiros.

Situada na década de 1850, a série acompanha o Capitão Charles Boone (Adrien Brody, de “O Pianista”, 2002), que se muda com os três filhos para uma mansão ancestral, herdada por um primo, na pequena e pacata cidade de Preacher’s Corners, no Maine, após sua esposa morrer de forma trágica em um navio no meio do oceano. Ao se instalar na mansão, Charles contrata Rebecca Morgan, uma escritora no início de sua carreira, para ser governanta e ajudar a cuidar dos filhos. Porém, assim que chegam na nova cidade em busca de um recomeço, Charles e seus filhos reparam que seu nome é motivo de medo e desconfiança por parte dos habitantes supersticiosos.

No entanto, Charles logo terá que confrontar os segredos da história sórdida de sua família, especialmente em relação a uma maldição que assombra a cidade por gerações. Enquanto isso, Rebecca procura escrever histórias sobre os mistérios que cercam a família Boone. Além das assombrações, a família Boone precisa lidar com a hostilidade de seus vizinhos.

Chapelwaite” foi criado, roteirizado e produzido pelos Irmãos Peter Filardi (“Linha Mortal”, 1990) e Jason Filardi (“Jovens Bruxas”, 1996), que exploram as raízes de “Jerusalem’s Lot”, criado por Stephen King, inserindo elementos sobrenaturais com uma atmosfera de terror gótico para contar uma história coerente que se adapte perfeitamente com a obra literária. A série, original da Epix, foi lançada em 22 de agosto de 2021 nos Estados Unidos, mas só chegou no Brasil em 31 de maio de 2022, disponibilizada na HBO Max.

Os Irmãos Filardi se destacam ao construir uma história de terror com elementos góticos clássicos muito bem estruturados, desde a propriedade escura e decrépita, passando pelos arredores sombrios da propriedade até a suja e fria cidade. “Chapelwaite” é uma série que privilegia a atmosfera assustadora e misteriosa que exige a paciência do público, espalhando, ocasionalmente, migalhas acerca dos reais fatos pelo caminho, ao longo dos episódios, para mantê-lo curioso.

Embora o começo de “Chapelwaite” seja devagar, a série utiliza seu longo formato (10 episódios com cerca de 46 minutos a 1 hora) a seu favor para conseguir elaborar, sem pressa, a história e desenvolvimento de todos os personagens envolvidos na trama, estabelecendo a conexão entre eles e, posteriormente, avançar a narrativa até o desfecho. A mitologia clássica central é melhor explorada mais para o final da série, conseguindo surpreender em alguns pontos.

Para os fãs mais criteriosos e exigentes – principalmente das histórias de vampiros –, “Chapelwaite” teria sido melhor apresentado se fosse uma série de apenas 7 ou 8 episódios, forçando a narrativa a ser mais concisa e enxuta. Porém, a primeira temporada foca mais, pelo menos até a primeira metade, nas questões dramáticas familiares e elementos sobrenaturais que circundam aquele ambiente agressivo antes de estabelecer, propriamente dito, sobre vampiros.

Porém, à medida que Preacher’s Corners é mais profundamente explorado e a verdadeira natureza da maldição se torna mais clara – bem como a revelação da ligação da família Boone com a maldição –, a série muda de marcha e se apresenta mais instigante a cada momento, caminhando entre os gêneros de terror e horror sobrenaturais para debater os temas sobre laços familiares e a tradicional história de vampiros. Com isso, o seriado em tela consegue contar uma história clássica ao combinar esses elementos narrativos de forma satisfatória e assustadora. Pode-se perceber, durante os episódios, que há uma forma sombria em como o vampirismo é apresentado e como isso se entrelaça no decorrer da história. O resultado é, no mínimo, interessante, intrigante e amedrontante.

Ao contrapor os laços assustadores entre família e morte inerentes ao folclore clássico de vampiros, com implicações ao horror sobrenatural, “Chapelwaite” não apenas ecoa o gênero literário que Stephen King cria em “Jerusalem's Lot”, mas constrói essa atmosfera assustadora com seu próprio foco narrativo, sobre laços familiares, luto, trauma e memória. A produção apresenta um seriado aterrorizante, unindo o horror sobrenatural no melhor estilo de Stephen King, H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe com a mitologia clássica sobre vampiros; e tudo apresentado com um tom sombrio e assustador.

Chapelwaite” oferece uma adaptação fiel ao curta original de King, pelo menos na premissa; até mesmo com relação às influências em Bram Stoker, H.P. Lovecraft e Edgar Allan Poe. Sua narrativa lenta causa uma profundidade significativa no ritmo – pelo menos na primeira metade do seriado –, mas os Irmãos Filardi sabem adicionar momentos de terror retorcidos suficientes para prender a atenção do início ao fim.

A série em tela não apresenta nenhum material novo, mas apenas se aprofunda e explora, de forma expansiva, um material já conhecido, respeitando a obra original e, também, a história clássica de vampiros. A primeira temporada não perde esse foco principal, até porque a história está conectada com “Jerusalem’s Lot” e se atém com a narrativa dos eventos anteriores da obra literária.

As atuações estão excelentes. Adrien Brody, que também é produtor executivo de “Chapelwaite”, marca uma presença dominante como Charles Boone. O personagem de Brody consegue trazer uma profundidade emocional intensa para a narrativa, e o ator carrega a série inteira nas costas. Ele está impecavelmente impressionante ao interpretar um personagem com claro fator de liderança em sua personalidade, elevando a atuação para o seu máximo. Da mesma forma, o desempenho de Emily Hampshire é excelente; mas a vacilação de sua personagem entre ser uma mulher dependente ou independente na história parece bastante estranha, dando a inteira impressão de ser uma falha de direção e/ou roteiro. Entretanto, os dois atores compartilham bastante tempo em tela juntos, entregando atuações fortes e convincentes.

Chapelwaite” é uma série moldada por inúmeros fatores, alguns deles muito bem trabalhados, outros nem tanto; incluindo alguns personagens que são explorados de forma bastante superficial e secundária. À medida que as informações lentamente vêm à tona sobre a família Boone, um ar de mau presságio surge naquele ambiente novo. Boa parte do crédito se dá pelas excelentes e surpreendentes Fotografia e Cenografia, que souberam aproveitar bastante as luzes e sombras para construir a atmosfera perfeita para criar esse mau presságio naquele determinado ambiente.

Há uma sensação fria, sombria, pálida e suja em Preacher’s Corners, conseguindo transmitir, de forma muito bem elaborada, essa atmosfera. Acrescente-se a isso, também, e, principalmente, a velha e assustadora mansão da família Boone, na qual a maior parte da história ocorre, dando um ar tão sombrio quanto o bosque que circunda a propriedade. A Fotografia e Cenografia se provaram altamente eficientes nessa questão, entregando um resultado adequadamente coerente com a proposta.

Chapelwaite” foi oficialmente renovada para a 2ª Temporada. A Epix anunciou que a produção de sua série original está em desenvolvimento para a 2ª Temporada. De acordo com a Epix, a 2ª Temporada vai continuar explorando a maldição da família Boone, abordada no final da primeira temporada e dando sequência nos eventos do último episódio, atraindo uma nova geração de vampiros para o lugar amaldiçoado.

A Primeira Temporada de “Chapelwaite” apresenta uma sensação assustadora de mistério e terror, muito bem sustentada pela estrutura narrativa, contando uma envolvente e clássica história de vampiros. A série brilha fortemente como uma luz na escuridão, iluminada pelo excelente elenco, pela impecável Fotografia e Cenografia e, também, devido ao excelente trabalho do Desenhista de Produção, Matt Likely, que faz uma clara distinção entre os ricos e a classe trabalhadora da cidade, criando um forte contraste em Preacher’s Corners.

A única limitação da série em questão é prolongar um pouco mais a história para se adequar à proposta de apresentar 10 episódios recheados de elementos narrativos. No entanto, os horrores narrativos e os momentos aterrorizantes perfeitamente definidos conseguem superar o ritmo lento e arrastado. A série em tela prova que as obras literárias de Stephen King são como diamantes dilapidados, se colocadas nas mãos certas. Esculpido como um terror de época, “Chapelwaite” é uma adaptação essencial para os fãs do gênero.

Chapelwaite” é uma produção original Epix e está disponível, no Brasil, pela HBO Max, lançada no streaming no dia 31 de maio de 2022.

Nota: 8.5

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