Ruptura entrega um roteiro primoroso e uma estética de tirar o fôlego. Uma das melhores novidades dos últimos tempos.

Imagine você ser capaz de separar a sua vida profissional de todo o resto. Só que aqui não é apenas no modo de falar. Não é mantra, nem resultado de terapia. Imagine uma ruptura completa e absoluta. Temos aqui a premissa de Ruptura, série da Apple TV+ que teve o seu season finale lançado na última sexta-feira dia 08 de abril.

Criada por Dan Erickson e contando com Ben Stiller dirigindo boa parte dos episódios e ainda por cima assinando a produção, Ruptura (Severance) é uma série estadunidense de drama psicológico que conta com nove episódios e um elenco pra lá de afiado.


Na trama temos uma grande corporação chamada Lumon que desenvolve um programa chamado Ruptura. Nele, os funcionários que desejam trabalhar para um determinado setor, devem se submeter a um procedimento cirúrgico, no qual suas memórias laborais são separadas completamente de sua vida pessoal, de forma que existam a partir daí, de certo modo, duas pessoas em uma. Aquela que é chamada de interna, ou seja, cuja a única realidade é aquela que ela vive na empresa, e aquela chamada de externa, que literalmente vive todo o resto.

Como personagem principal da série temos Mark Scout (Adam Scott, Big Little Lies) que é promovido a uma espécie de chefe de seu departamento, logo após a saída de seu antigo colega de trabalho e chefe. O externo de Mark leva uma vida fria, de poucos amigos e nada empolgante, enquanto tenta lidar com o luto por uma grande perda. Por sua vez, seu interno é um homem preocupado em cuidar dos outros, e que aos poucos passa a questionar aquela realidade restrita de oito horas diárias confinado em um escritório.

Mark divide a sala com outras três pessoas: Dylan (Zach Cherry, Crashing), Irving (John Turturro, The Batman) e a recém contratada Helly (Britt Lower, Future Man), que não está nada satisfeita em ficar ali e fará de tudo para deixar aquele lugar.


O roteiro de Ruptura é simplesmente brilhante. Fazia tempo que eu não assistia a uma narrativa tão diferente e convincente. A história é original e consegue manter uma cadência capaz de prender a atenção, ao mesmo tempo que sustenta bem seus mistérios, revelando somente o necessário com um excelente timing. 

Certamente, se Ruptura estivesse no ar em um streaming mais difundido no Brasil, seria daquelas séries das quais todo mundo falaria e debateria teorias a respeito.


As atuações são incríveis. Adam consegue entregar dois Marc completamente distintos e apenas pelo semblante conseguimos diferenciá-los. Quando ele está no elevador e deixa de ser sua versão de interno, a forma como sua feição muda é impressionante.

John Turturro, ainda que não seja destaque, entrega um dos plots mais fofos. A relação de seu personagem com Burt, interpretado pelo igualmente talentoso Christopher Walker, é linda de se ver e de aquecer o coração, dando um toque suave a uma história tão densa.

Patricia Arquette (The Act) é outra que, além de produtora executiva,  é peça fundamental do elenco interpretando a misteriosa Harmony Cobel.


Os cenários minimalistas da Lumon fazem todo o sentido e transmitem com sucesso a impressão deles estarem em uma alegórica caixa de Skinner, na qual os funcionários seriam os ratinhos de laboratório submetidos a inúmeros reforços positivos ou negativos. 

A ausência de uma paleta de cores vivas somada a toda aquela estética simétrica criam a mensagem de condicionamento e de uma falsa perfeição, que consegue tirar o espectador do sério, pelo contraponto hipócrita ao contexto.  

Os computadores e outros itens de escritório com estilo vintage, também são essenciais para criarem toda uma atmosfera de monotonia e, ao mesmo tempo, mistério, onde acompanhamos desde tortura psicológica, até clássicas técnicas de lavagem cerebral.

Ben Stiller surpreende na direção, assim como Aiofe McArdle. A tensão é passada na medida, os momentos cômicos e uso de ironia têm seu lugar, sem pesar a dose ou até mesmo ficarem banais e o drama encontra espaço sem tornar a experiência cansativa. Um verdadeiro thriller psicológico de respeito.

Se você pensa que seria bom não pensar no trabalho em casa, ou vice-versa, a série fará você enxergar como isso é muito mais complexo do que parece e o quão frágil e manipulável isso te deixa. É a certeza de que o ser humano é tudo aquilo que ele faz. Ruptura faz, portanto, um debate crítico profundo sobre ética e questões trabalhistas.

Termino a crítica com boas notícias.  A segunda temporada de Ruptura já foi confirmada. Para a segunda temporada esperamos mais respostas, já que seu season finale criou mais questionamentos, ainda que tenha solucionado alguns pontos importantes.

Assista e recomende para outras pessoas. Eis uma série que merece ser vista e reconhecida.

Nota: 10,0

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