Crítica | Apresentando os Ricardos (Being The Ricardos, Amazon Prime Video, 2021)

Se, por um lado, os anos 1950 foram anos dourados para o mundo do entretenimento (televisão e rádio) ao inovar com novos tipos de programas e criando formatos que são explorados até hoje, por outro lado foi um período político tenso em uma época em que a “guerra contra o comunismo” levantou sua bandeira nos Estados Unidos em meio à Guerra Fria. À primeira vista, uma coisa nada tinha a ver com a outra, mas essa “caça política às bruxas” (no caso, “aos comunistas”) criou uma turbulência intensa no meio artístico, envolvendo vários artistas e profissionais de televisão e rádio.

“Apresentando os Ricardos” é uma cinebiografia da vida de Lucille Ball e de seu marido, Desi Arnaz, que aborda as duas questões e de como elas se entrelaçam radicalmente em uma época marcada por conflitos políticos, cuja tensão refletia na vida profissional e pessoal do casal, fadada a fracassar. Embora não seja 100% fiel à vida dos dois artistas, alterando alguns fatos históricos, o filme em tela faz uma síntese do que resultou em sua quase completa ruína, mas que, também, bate de frente com mesma força e intensidade a sua competência e determinação no quesito artístico.

Em 1939, Lucille Ball (Nicole Kidman, de “O Escândalo”, 2019) é contratada pela RKO Pictures e consegue pequenos papéis em grandes produções de estúdio, mas aparece principalmente em filmes de baixo orçamento. Ela conhece o carismático cantor cubano, Desi Arnaz (Javier Bardem, de “Duna”, 2021), e os dois se apaixonam rapidamente, se casam e compram uma casa em Hollywood. Em 1948, Lucille é escalada para o programa de rádio “My Favorite Husband”, que se torna um sucesso. O programa atrai o interesse da CBS e da Philip Morris, mas Lucille só concorda se Desi interpretar o marido na tela.

Em 1953, o show é renomeado “I Love Lucy” e se torna um grande sucesso com quase 60 milhões de espectadores a cada semana. Na noite da filmagem ao vivo, um artigo de jornal aponta Lucille como comunista. Ela admite, mas Desi insiste em não dizer a verdade. Agora, o casal passa por uma crise pessoal e profissional que põe em risco seu casamento, suas prestigiosas carreiras em Hollywood e o sucesso de seu programa.

Dirigido e roteirizado por Aaron Sorkin (de “Os 7 de Chicago”, 2020), “Apresentando os Ricardos” transcorre durante uma semana em específica da produção do programa “I Love Lucy”, que seria apresentado ao vivo com plateia, condensando vários eventos no meio da história. Sorkin consegue encaixar tais elementos de forma que não atrapalhasse a narrativa ao longo do filme como um todo. Neste caso, seu objetivo é evidenciar como a Lucille Ball se tornou uma das grandes lendas do entretenimento hollywoodiano, e Sorkin teve êxito em seu trabalho ao apresentar a vida e trabalho de uma das maiores personalidades daquela época, na forma narrativa em que ele escreveu e dirigiu.

Isso porque a semana em questão não foi uma semana normal qualquer na vida de Lucille, de seu marido e do seu programa. O filme em tela evidenciou uma semana extremamente tensa e complicada de Lucille e que, mesmo que indiretamente, envolvia todos ao seu redor, inclusive seu marido e os executivos que patrocinavam o programa; haja vista que o nome de Lucille tinha sido apontado na mídia como comunista em um momento em que o governo dos Estados Unidos investigava supostas atividades comunistas cometidas por cidadãos norte-americanos. Era de se esperar que, em uma época turbulenta desta, as preocupações dos patrocinadores eram genuínas em relação ao dinheiro que eles investiam nesses programas, que estavam em alta. Nessa esteira, Sorkin aborda uma discussão polêmica sobre uma questão política em um período tenso que acabada refletindo na indústria do entretenimento e de todos os artistas envolvidos, bem como a dos produtores.

De forma plena e concisa, o diretor e roteirista presta uma homenagem sobre as origens, criação e desenvolvimento dos programas de entretenimento, disponibilizados pela televisão e pela rádio da época; muitos dos quais serviram de base ao longo dos anos, sendo reformulados e recriados, até chegar nos formatos de programas de entretenimento que existem hoje, sejam televisivos ou radiofônicos. E não é por menos: o seriado “I Love Lucy” é considerado um dos maiores e melhores programas de televisão (e um dos pioneiros nesse meio artístico), tendo feito um sucesso absurdo entre o público da época. Já era de se esperar que o programa em questão serviria como inspiração para outros programas que viriam posteriormente.

O filme em tela mostra os bastidores de produções de programas de entretenimento, a leitura dos roteiros, ensaios e gravações dos episódios semanais, a briga de egos entre os artistas, produtores e patrocinadores, bem como a ascensão artística de Lucille Ball que, com seu jeito exigente de trabalhar, ajudou a revolucionar a forma de construir e desenvolver os roteiros dos programas. No meio de tudo isso, Lucille teve que lidar com constantes ataques (principalmente da mídia) acerca do fato da artista ser afiliada ao partido comunista. Toda essa tensão misturada afetou sua vida profissional e pessoal, colocando em risco seu emprego e casamento.

Toda essa narrativa sobre o formato dos programas de entretenimento foi moldada e conduzida de forma excelente por Aaron Sorkin como pano de fundo para contar, especificamente, sobre a vida de Lucille Ball e de seu conturbado casamento com Desi Arnaz, sobretudo sobre as desconfianças de traição do marido. E, no meio de tudo isso, o filme em tela ainda se preocupa em mostrar os problemas técnicos das gravações do programa, tal como quando Lucille engravidou da segunda vez.

Hoje em dia, tal fato é comum, mas, na década de 1950, uma artista aparecer grávida na televisão era algo extremamente incomum. Tanto é que, durante as reuniões de pauta dos roteiros nesse período, um dos pontos centrais das reuniões era sobre como encobrir a barriga da atriz durante as cenas. Mais um ponto de como o filme explora a dinâmica com que as decisões do programa são influenciadas pela vida pessoal da atriz e de como o programa se moldava para esconder tal fato.

O elenco de “Apresentando os Ricardos” está formidável. Nicole Kidman, Javier Bardem e J.K. Simmons atuam de forma impecável e brilhante. Nicole Kidman praticamente carrega todo o longa focado em sua personagem, tendo Javier Bardem como seu forte ponto de apoio principal. Os três atores se entregam totalmente em seus personagens, atuando com extrema elegância e carisma. Com isso, pode-se dizer que foram as escolhas perfeitas para seus papéis, com indicações dignas e justas em suas respectivas categorias ao Oscar 2022.

“Apresentando os Ricardos” falha em alguns pontos de sua narrativa sobre alguns detalhes históricos dos personagens e acerca de determinados aspectos da vida profissional de Lucille e Desi, mas essa imprecisão histórica não descaracteriza a obra como um todo. O longa acerta no quesito representação, sabendo brilhar ao mostrar, com maestria e detalhismo, como eram feitos os programas de rádio e televisão, bem como as decisões executivas de produtores e investidores dos programas eram afetados pelas implicações políticas da época e, com isso, afetavam os programas.

A tensão política no país da década de 1950 por causa da Guerra Fria e de pessoas simpatizantes ao comunismo nessa época intensificava ainda mais as decisões executivas tomadas pelos investidores, influenciando, com isso, as resoluções e julgamentos dos donos e produtores das emissoras de televisão e rádio acerca de como operar seu quadro de funcionários e a forma como os programas eram conduzidos. E um dos fortes expoentes dessa influência se dava por causa de como a mídia abordava o assunto, fortalecendo a opinião popular das pessoas na época. Tudo isso centralizado na esfera pessoal da vida dos personagens centrais, que tinham suas vidas afetadas por essas decisões executivas e, ao mesmo tempo, também afetavam o programa, de certa forma, por algumas escolhas pessoais que tomavam.

“Apresentando os Ricardos” está concorrendo a três estatuetas do Oscar 2022, nas categorias de Melhor Ator (para Javier Bardem), de Melhor Atriz (para Nicole Kidman) e de Melhor Ator Coadjuvante (para J.K. Simmons). Confira a lista completa com os indicados ao Oscar 2022, clicando aqui.

“Apresentando os Ricardos” está disponível na Amazon Prime Video.

Nota: 8.5