Longa, com roteiro do criador de Euphoria, pouco explora seus personagens e entrega um thriller longe de ser erótico, como se propõe.


Sam Levinson, criador da série de sucesso Euphoria, assina o roteiro do filme da crítica de hoje. 

Águas Profundas (Deep Water) é um thriller psicológico erótico original da Amazon Prime Video baseado no romance homônimo de mesmo nome do fim da década de 1950 de Patrícia Highsmith. Além de Levinson, Zach Heim também assina o roteiro do longa, enquanto a direção fica por conta de Adrian Lyne, que não dirigia um filme desde Infidelidade (2002), filme no qual Diane Lane foi indicada ao Oscar de melhor atriz.

A história acompanha o casamento de natureza pouco tradicional de Vic (Ben Affleck, Garota Exemplar) e Melinda Van Allen (Ana de Armas, Entre Facas e Segredos). Para evitar o desgaste, e até mesmo um possível divórcio, Nic aceita que sua esposa se relacione com outros homens. O que parecia um acordo muito bem ajustado, na verdade se mostra um relacionamento tóxico e perigoso.

A regra base de todo thriller psicológico é levar o espectador a pensar e formular teorias sobre seu plot principal. Para infelicidade de Águas Profundas, isso não dura mais que um ato.

Já no começo do longametragem vemos que Vic e Melinda não seguem as regras de um casamento comum. É possível intuir que é um relacionamento aberto, mas na verdade em nenhum momento isso é realmente dito de forma clara. O que parecia bem estabelecido, entretanto, muda de forma repentina, sem situar propriamente o espectador, dando o primeiro indício de um roteiro desorganizado e de poucas respostas. É então que nos deparamos com um marido que de complacente passa a ameaçar os parceiros de sua esposa, para que eles saiam do caminho, se mostrando frio e controlador.

Os questionamentos da vez passam a ser por que Vic aceita realmente aquela estrutura de matrimônio e o que ele é capaz de fazer a partir disso? Quando um dos parceiro da esposa desaparece, as desconfianças sobre o caráter de Vic se iniciam. Por um curto espaço de tempo (curto mesmo) somos movidos pela curiosidade de entender as nuances de personalidade de Vic e Melinda e até então conseguimos nos entreter genuinamente pela trama. Porém, não demora até darmos de cara com algo raso e apressado e o desinteresse pela história chega durante o segundo ato.

O mistério e o erotismo que Adrian Lyne cultivou em Infidelidade ele não consegue reprisar Águas Profundas. O tempo que poderia ser gasto explorando os personagens principais é perdido com a troca contínua de interesses amorosos de Melinda, cujas cenas "eróticas" ficam restritas à insinuação basicamente. 

Ainda que Ana de Armas dê o seu melhor e tenha o perfil sedutor requerido para o funcionamento da trama, não dá pra negar que a própria Melinda por fim não faz sentido algum. Ela tenta justificar seu envolvimento com outros homens com a falta de emoções reais de seu marido, mas ela é tão mal trabalhada que seu comportamento por si só é incompreensível. Ela é errática como mãe e igualmente como esposa, uma personagem dúbia e confusa.

Não demora até percebermos que não existe na verdade uma motivação clara para o comportamento de nenhum dos personagens. 

Os coadjuvantes, e entre eles temos nomes fortes como Rachel Blanchard, Lil Rel Howery e Tracy Letts, compõem a classe alta e esnobe do subúrbio que se reúne sempre em ocasiões regadas a muita bebida e hipocrisia, como uma crítica social que na verdade fica apenas perdida em meio àquela bagunça despropositada da narrativa. 

A frieza de Vic é externalizada apenas em um bate papo rápido com amigos sobre o chip criado por ele e utilizado em drones de guerras e a contextualização se atém a isso, o que torna a história pouco a pouco desinteressante e até mesmo um pouco piegas.


Ben Affleck parece não se esforçar para fazer dar certo e faz uma atuação bem dentro da zona de conforto. Ele encarna um homem inteligente, pouco emocional, que até temos empatia a princípio, mas sua falta de carisma e emoção, semblantes pouquíssimo expressivos, fazem com que na verdade não nos importemos com seu desfecho. Não dá pra negar a química inata do ex-casal Ben Affleck e Ana de Armas, mas o viés erótico entre os dois personagens mais parece uma convenção social. Na verdade o filme classificado como erótico, está mais para soft.

A cena final do acidente na floresta, que não detalharei a fim de não dar spoiler, é extremamente mal dirigida e parece mais um filme da década de 1980.

O filme mirou em Garota Exemplar e acertou em The Vouyeurs: Observadores. Não que ele seja um longa que chegue a ser difícil de se assistir, mas decepciona pelo potencial inerente. Se a ideia era fazer uma crítica a vida de aparências da classe alta, a bola foi fora. Um roteiro mais clichê, sem dúvida teria dado bem mais certo. 


Nota: 5,0

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