“Quanto vale” a vida de uma pessoa que morreu em uma tragédia? Qual valor é aceitável para aplacar a dor e sofrimento da família de um ente querido, vítima de uma tragédia? O valor da vida de uma pessoa varia de acordo com o emprego que essa pessoa ocupa? O valor de uma vida depende da quantidade de filhos que essa pessoa tem? Tem como majorar a vida de uma pessoa, tão simples assim, baseado nas classificações citadas?

Estas questões são a premissa do novo filme da Netflix, “Quanto Vale?”, que foi lançado mundialmente no Festival de Sundance em 24 de janeiro de 2020 e chegou no streaming no último dia 3 de setembro, após a Netflix e a Higher Ground Productions adquirirem os direitos de distribuição em fevereiro deste ano.

Baseado em fatos reais e no livro “What Is Life Worth?” (de Kenneth R. Feinberg), o filme narra os eventos após os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono em 11 de setembro de 2001. Kenneth Feinberg (Michael Keaton, de “Homem-Aranha: De Volta ao Lar”, 2017) é um advogado nomeado pelo Congresso para trabalhar como mediador que enfrenta uma batalha ferrenha para criar e liderar um fundo de compensação pelas vidas perdidas no atentado. Ao aceitar o cargo, Kenneth se depara com uma tarefa quase impossível: determinar como compensar as famílias das vítimas do atentado, que sofreram perdas incalculáveis, alocando recursos financeiros de forma justa e igualitária entre todas as famílias.

Ao longo do processo, Kenneth precisa aprender o verdadeiro significado de ter empatia e compaixão pelas vítimas e respectivas famílias para lidar com a situação. Com isso, ele enfrenta questões muito difíceis: como determinar o valor de uma vida, sem fazer juízo de distinção e de importância entre as pessoas que se foram na tragédia? Quanto vale cada vida perdida no atentado?

O personagem do ator que deu vida a uma das mais icônicas versões de Batman nos anos 90 (e que voltará a interpretá-lo 30 anos depois no próximo filme do The Flash, previsto para 2022 – leia mais sobre isso aqui) começa o filme como um advogado altamente apático em relação às vidas das pessoas.

Logo em sua introdução no filme, podemos perceber o conhecimento de Kenneth sobre a percepção da negociação referente à matéria de indenizações durante uma aula com alguns alunos; e ele leciona sobre negociação às vidas de vítimas em tragédias de forma tão indiferente e natural, que é como se estivesse negociando qualquer outra coisa: compra e venda de um imóvel, de um carro ou de qualquer outro objeto que tenha um valor negociável.

Usando de tal experiência no assunto sobre indenizações, Kenneth é escolhido para angariar fundos e negociar o valor da indenização de cada vida perdida no atentado junto às famílias e ser o mediador entre as famílias das vítimas. A princípio, Kenneth sabe manejar a questão apenas de forma parcial – no caso, em relação às questões burocráticas do procedimento de negociação. Mas ele tropeça ao ter que lidar diretamente com as famílias das vítimas.

Inicialmente, Kenneth tem certa dificuldade para tratar da indenização com as famílias das vítimas, pois lhe falta uma certa empatia e consideração para com a dor alheia, haja vista que ele trata do valor humano como se fosse qualquer outra coisa negociável. E isso gera um certo atrito com as famílias das vítimas, que ficam indignadas com o certo descaso.

Porém, Kenneth passa por um processo de transformação humanitária ao longo do filme ao conhecer Charles Wolf (Stanley Tucci, de “Capitão América: O Primeiro Vingador”, 2011), um organizador comunitário de um grupo civil independente que perdeu a esposa na tragédia das Torres Gêmeas, que não concorda com os valores financeiros ofertados por Kenneth e sua Comissão de Fundos. A partir deste ponto, Charles ajuda Kenneth a compreender a dor do luto e do estresse pós-traumático das famílias, que estão enfurecidas com Kenneth, que, até então, tratava as vítimas apenas como números e estatística para negociar uma meta indenizatória.

Com isso, Kenneth passa por um processo de recuperação moral e aprende a ter mais empatia pelas vítimas, para lidar com a questão de como e quanto indenizar cada vida perdida, e ele passa a ter mais consideração pela vida humana. Afinal, apenas pagar uma determinada quantia qualquer à família não é suficiente para compensar a vida de alguém que se ama e que nunca mais voltará. Nesta esteira, o governo também lida com a dificuldade burocrática de enfrentar uma crise econômica nacional por conta do alto valor indenizatório, haja vista que o atentado vitimou mais de 2900 pessoas; entre elas empresários, faxineiros, bombeiros e policiais. Como quantificar quanto cada uma destas vítimas deve receber? Pode-se diferenciar o valor de uma indenização para outra? Ou todos os valores indenizatórios devem ser iguais? Quem tem 3 filhos deve receber uma indenização maior do que quem tinha apenas 1 filho? É sob esse aspecto que a trama de “Quanto Vale?” explora.

Vale lembrar que não foram só as pessoas que estavam nas Torres gêmeas que morreram. Os passageiros que estavam a bordo dos 4 aviões também foram vitimados com a tragédia. Isso levantou outra questão abordada no filme em tela: as companhias aéreas com futuros processos judiciais. Com isso, as famílias dos passageiros que estavam nos 4 aviões acabam integrando o grupo de pessoas com legitimidade para receber indenização do governo. Tal atitude foi manobrada para que estas famílias também tivessem um apoio indenizatório, a fim de não processarem as companhias aéreas, levando-as à falência.

O roteiro de “Quanto Vale?”, assinado por Max Borenstein, usou como base o livro “What Is Life Worth?”, escrito pelo próprio advogado Kenneth R. Feinberg, que conta a história sobre os bastidores (pouco explorados até então em um filme) do processo de indenização de uma tragédia que chocou o mundo e explora a forma como foram feitas as reparações financeiras às famílias envolvidas.

Por fim, “Quanto Vale?” é um excelente filme que discute como valorar a vida de uma pessoa que é vítima de uma tragédia, mostra como outras pessoas lidam com o valor da vida humana e com o sofrimento das famílias que perderam entes queridos com um certo descaso. O longa serve como inspiração para se aprender a ter mais empatia pelo ser humano e ensina que a vida de uma pessoa, vítima de uma tragédia, não pode ser mensurada de forma indiferente tal como ser fosse um outro objeto qualquer como tema de negociação

O filme, que estreou na Netflix às vésperas de se completar 20 anos do atentado de 2001 ao WTC e ao Pentágono, aborda um assunto que, além de causar sofrimento a muitas famílias de entes queridos perdidos na tragédia, mostra que, depois de uma árdua batalha, estas famílias conquistaram o devido respeito e apoio do governo. E, mesmo após 20 anos, ainda há bombeiros e socorristas da tragédia que ainda buscam seus direitos à indenizações por problemas de saúde, recebendo apoio de novos fundos criados em 2011 e em 2019.

Quanto Vale?” está disponível na Netflix.

Nota: 8.5

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