Mark Waid consegue escrever uma boa história recheada de ação, mas a magnífica arte de Chris Samnee é o destaque.


A Viúva Negra, apesar de não tão conhecida até uma época, ainda possuía histórias dentro das centenas de quadrinhos que a Marvel publicou antes de sua estreia no Universo Cinematográfico Marvel. Mas ela não foi exatamente um grande sucesso, ela acabou conseguindo alguns volumes, mas um deles durou apenas três edições. Com sua chegada no UCM, o sucesso dos filmes e sua parte importante no primeiro Vingadores, era esperado que a situação se refletisse nas HQs e ela ganhasse mais destaque.


Em 2014, Capitão América: O Soldado Invernal é lançado e nele a Viúva Negra é uma personagem central e é explorada de forma competente. A personagem estava encaminhando para ser mais explorada na sétima arte, e um dos melhores exemplos é esse volume de doze edições feito pela dupla Mark Waid e Chris Samnee. Waid cuida dos roteiros junto com o Samnee, que também faz a arte. As escolhas de um escritor consagrado como o Waid e um artista amado como o Samnee são certeiras. Esse é um time que pode criar uma história poderosa para a personagem e a fazer ser mais amada do que ela já é.


A HQ é claramente influenciada por franquias como Missão Impossível e James Bond, como é de se esperar de uma história da Viúva Negra. Tramas de espionagem com reviravoltas e traições, troca de cenários em um escopo internacional e um tom de thriller que paira na maioria das edições dão o charme necessário para esse volume, e Waid usa todos esses conceitos muito bem. Samnee cria designs para a S.H.I.E.L.D. que claramente são inspirados nas HQs dos anos 60 e na arte do Jim Steranko. A coloração, feita por Matthew Wilson, é surreal de tão boa e consegue deixar os desenhos do Samnee ainda melhores.


A primeira edição é uma sequência de ação em vinte páginas, sem nenhum momento de parada, que consegue se renovar visualmente com cenas cada vez mais bem pensadas e que utilizam muito bem a arte de Chris Samnee. Mark Waid não se preocupa em explicar o que exatamente está acontecendo, só é dito na edição que a Viúva Negra roubou algo da S.H.I.E.L.D. e agora seus agentes estão perseguindo ela. Todas as páginas são dedicadas a essa perseguição e é simplesmente muito divertido de lê-las, ou melhor, vê-las. Só há no máximo dez balões na edição, que utiliza principalmente do storytelling visual, deixando que a arte conduza toda a narrativa.



A segunda edição é composta somente de flashbacks, mostrando aos leitores o porquê a Viúva Negra roubou algo da S.H.I.E.L.D. na edição anterior. Apesar de ter menos ação, Samnee ainda assim consegue fazer com que páginas compostas apenas por diálogos sejam visualmente interessantes. Waid também ajuda bastante com sua escrita, que utiliza de diálogos curtos e estilizados para fazer da leitura algo bem fluída e animada. Já a terceira edição é um tropeço quanto ao roteiro, que não consegue criar momentos interessantes e trazem flashbacks pouco criativos, mesmo que a arte continue um esplendor.


A primeira metade do volume é concluída pelas edições quatro, cinco e seis, que por si só são agradáveis, mas não conseguem terminar um arco de uma forma satisfatória e possuem algumas incoerências e furos, como no caso da Viúva saber os poderes de um personagem que ela acabara de conhecer no momento. Apesar disso, as partes em que sabemos mais sobre a persona, mentalidade e passado da Natasha são os pontos altos e fazem valer a pena ler esses três capítulos. Waid e Samnee tentam subverter algumas expectativas, mas a subversão é mal executada e o clímax dessa primeira metade não atinge o potencial esperado.


A segunda e última metade do volume não começa de forma muito promissora. Os três vilões do volume possuem boas motivações e têm backstorys interessantes, mas o problema é que é muito mais fácil simpatizar com eles do que a Viúva, que é retratada quase que como uma pessoa apática. Há também potencial para que a história possua conflitos interessantes que não são explorados. O Homem de Ferro aparece na história após descobrir que um segredo do passado sombrio de Natasha a conecta à morte de um amigo seu. Tony Stark, apesar de discutir com sua colega vingadora, não parece tão irritado assim pra logo depois desaparecer da história do mesmo jeito que entrou: repentinamente e de forma mal executada. Ele possui uma pequena aparição no final, mas também é algo tirado da cartola e mostra que ele não possuiu nenhuma função real na história. Um conflito com bastante potencial é desperdiçado e esquecido. O mesmo é feito com dois dos três vilões. A história deles poderia render uma ótima trama da Natasha tentando lutar com os demônios de seu passado e mostrar que ela não é mais a assassina fria que trabalhava para a Sala Vermelha. Em vez disso, eles são descartados da história de forma boba.



A Viúva não possui um arco claro, não existe uma evolução de personagem. Ela só tem o desejo de derrotar os vilões que serve para mover a trama para frente, mas quanto ao desenvolvimento de personagem, parece que não há uma tentativa. É um foco demasiado no plot sem perceber que personagens também merecem espaço. Há flashbacks e até a introdução de um romance que dura uma só edição, mas que não bastam e são falhos em tentar dar alguma profundidade para a Natasha, que às vezes parece unidimensional.


Mesmo com falhas em seus roteiros, a arte do volume nunca decepciona. Samnee sabe como desenhar paisagens como ninguém, seja exteriores como desertos polares ou cidades bucólicas até interiores como uma cabana de madeira cheia de detalhes e uma vasta instalação militar. Chris Samnee sabe como compor quadros perfeitamente e dar-lhes um dinamismo cinematográfico, utilizando diferentes ângulos para que nenhum quadro pareça repetido ou plano, e ele utiliza de linhas verticais para fazer as páginas parecerem mais vivas, fazendo com que cada página seja um deleite estético. As páginas duplas são um espetáculo à parte, são obras de arte que conseguem captar desde a essência de um extreme wide shot á vários quadros que poderiam ser muito bem um curta de tão bem que utilizam do storytelling visual.


Em geral, a história do volume é boa, dá para você ler as doze edições em um dia e se divertir com o ritmo rápido da trama e a ação bem escrita e bem desenhada, só não dá para esperar algo que cresça e aprofunde substancialmente a personagem da Viúva Negra. É uma HQ espirituosa, mas falha.

Nota: 6

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