Nova animação da Pixar faz homenagens à Itália numa mistura de A Pequena Sereia com temáticas de amadurecimento.

Se você fosse um tritão vivendo sua vida no fundo do oceano, mas sofresse com o enorme tédio do dia a dia, arriscaria tudo por uma oportunidade de conhecer um novo mundo? A mais nova animação da Pixar, 'Luca', explora essa premissa de modo bastante divertido, mas com aquela profundidade emocional característica das produções do estúdio.

Dirigido por Enrico Casarosa, o filme é uma grande homenagem do diretor à sua infância no interior da Itália com uma bem-vinda dose de fantasia para divertir o público. A trama concentra-se na tentativa dos amigos Luca (voz de Jacob Tremblay) e Alberto (voz de Jack Dylan Grazer) de se encaixarem no mundo da superfície, após uma série de decepções com o mundo marítimo. Ambos são tritões, uma espécie de criatura aquática com escamas, pernas e cauda que se transformam em humanos quando estão fora d'água. Para deixar tudo mais tenso, o texto adiciona um percalço na aventura dos jovens, o medo da dupla de que seu segredo seja revelado para os moradores de Portorossa, uma vila supersticiosa que acredita que criaturas marítimas são de natureza monstruosa.

Essa tensão é explorada de modos bem divertidos pelo roteiro Mike Jones e Jesse Andrews, sempre usando o humor para aliviar o perigo das situações em que Luca e Alberto se metem seja numa rampa de moto improvisada ou quando se molham por acidente. O texto adiciona uma terceira personagem para o trio, a sonhadora Giulia (voz de Emma Berman), uma menina de espírito inabalável e de coração gentil. É através dela que a dupla de amigos começa a ter uma compreensão maior das nuances do mundo humano, óbvio que de uma perspectiva infantil.

Uma das maiores lições que esse filme ensina é que se faz necessário que os pais prestem suporte para as escolhas de seus filhos, ainda que não concordem com elas. Luca é um tritão curioso que deseja conhecer mais do mundo, algo que sua mãe desaprova pelo perigo que isso representa para a vida do filho. Toda essa abordagem é uma versão mais leve do plot de 'A Pequena Sereia', uma das animações mais famosas da Disney. Nela, a jovem sereia Ariel (voz de Jodi Benson) deseja ser humana para contemplar as belezas do mundo humano, mas é impedida pelo seu pai superprotetor.

Um parelo importante entre a história de ambos os personagens está na busca por escolhas de vida, algo que o mundo do mar não permite, visto que tudo no oceano já cumpre um papel pré concebido. Então, a ida deles para a superfície não é apenas um ato de rebeldia contra a família, mas também uma tentativa de dar sentido às existências de cada um. Quando Luca encontra Alberto, enxerga nele uma oportunidade de continuar suas aventuras com a ajuda de um amigo com objetivo parecido.

Falando em objetivos, fica claro que os idealizadores do filme tinham uma ideia definida de onde queiram chegar com essa história, tudo segue um ritmo bem cadenciado que permite o público curtir cada personagem sem soar apressado. Também é louvável o quanto há uma personalidade bem trabalhada em cada um dos protagonistas. Luca é tímido, mas não tem medo de se arriscar pelas coisas que deseja, enquanto Alberto é mais impulsivo e um pouco controlador, mas tem um grande carisma. Giulia é um misto dos dois, contudo aparenta ter uma maior maturidade e está sempre sonhando com a aceitação das outras crianças que a consideram esquisita.

Os demais personagens como Daniela (a mãe de Luca) e Massimo (o pai de Giulia) são bem aproveitados pelo enredo, apesar de seus papéis coadjuvantes. Você entende as motivações deles e o porquê agem daqueles modos, a única exceção é um personagem que mencionarei mais a frente.

Quando se pensa na Itália, pelo menos para mim, forma-se uma imagem de povoado do interior com barcos de pesca, restaurantes de massa e pessoas andando de lambreta. É uma visão estereotipada? Óbvio que sim, o país não é apenas isso, mas essa é a imagem vendida em diversos filmes famosos do lugar e aqui não é diferente. Todavia, essa estereotipificação segue o propósito de fazer uma homenagem há uma época onde ser criança era mais simples, quando a nossa imaginação era a única coisa de que precisávamos para brincar, então eu entendo a motivação por essa escolha.

O que não foi assertivo está na figura do personagem Ercole (voz de Saverio Raimondo) um típico bullie que carrega todos os estereótipos baixos de como pessoas de fora enxergam os italianos. Ele cumpre o papel de ser o "vilão" da trama e eu diria que é até bem-sucedido nessa função, mas não deixa de soar desnecessária essa piada ambulante que é a personalidade dele. Creio que o texto o criou dessa forma para tornar o mais fácil do público não simpatizar com ele, mas após dar profundidade até para os personagens coadjuvantes, poderiam ter feito algo melhor com Ercole.

Por fim, devo elogiar a belíssima animação que a Pixar fez para esse filme, não é tão realista quanto os traços de 'Soul', mas o propósito do filme é abraçar uma época simples, logo a animação não segue o padrão das produções mais recentes do estúdio. O estilo é tão bom que recria com perfeição todo o clima da Itália na época de verão, além de dar uma personalidade para o local e os habitantes da região. A única coisa que me incomodou foi a falta de exploração do mundo subaquático, as cenas no ambiente são belíssimas, mas breves por conta da subida de Luca para a superfície, ficando um gostinho de quero mais.

'Luca' é uma animação simples, mas mostra que a Pixar investe com coração e talento nas suas produções.

Nota: 8,5

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