"The Handmaid's Tale" começa a dar desfechos à sua trama e entrega a melhor e mais brutal temporada.

O que nos atrai em uma série? Já parou para pensar nisso? Alguns buscam apenas um passatempo despretensioso, cujo objetivo é basicamente transportar a mente para um outro lugar que seja ao menos mais suave que os problemas do dia-a-dia, visando distração e relaxamento.

Há, no entanto, uma boa parcela do público que é ávida por mensagens, reflexão e autoidentificação nas histórias. Que quer se reconhecer, se emocionar, aprender e quem sabe até mesmo se desconstruir.

Se você se enquadra no público um, já te alerto que The Handmaid’s Tale não é a série certa para você. Se você é parte do público dois, ela não é apenas indicada, como deveria ser considerada de utilidade pública. Mas já advirto que para os mais sensíveis ela pode ser um pouco demais.

A quarta temporada de The Handmaid’s Tale estreou no dia 28 de abril deste ano no streaming estadunidense Hulu, chegando ao Brasil por meio da Paramount Plus. Criada por Bruce Miller e baseada no livro de Margaret Atwood, O Conto da Aia, após uma terceira temporada um pouco aquém do esperado, a série chegou literalmente com o pé na porta para agradar aos fãs sedentos, após quase dois anos de uma espera proporcionada pela inesperada pandemia. Se você ainda não assistiu à quarta temporada, fique tranquilo, pois o texto NÃO contém spoilers.

Para quem não se recorda, o final da terceira temporada foi marcado por um grande e bem executado golpe à estrutura de Gilead. Encabeçado por June Osbourn (Elisabeth Moss), nove mulheres e 86 crianças foram resgatadas de avião da república autoritarista e então devolvidas às suas verdadeiras famílias no Canadá. Lembrando que essa operação não foi nada fácil e terminou com June gravemente ferida.

A quarta temporada se inicia, portanto, a partir dos desdobramentos desse evento. June e as demais Aias envolvidas no plano precisam escapar dos olhos, já que estão sendo procuradas em cada canto, e pra isso contam com a ajuda de aliados. O mais novo objetivo de June é encontrar um grupo de resistência localizado mais ao norte dos Estados Unidos e, novamente, gerar baixas ao sistema.

Se um dos pontos fracos da terceira temporada foi justamente não desenrolar certos arcos da trama, saiba que a quarta temporada não decepciona nem um pouco nesse quesito. A sensação é de que finalmente a história evoluiu e está se direcionando a um desfecho, tendo inclusive concluído alguns arcos importantes e da melhor forma possível.

De todas as temporadas essa, sem dúvida, é a mais interessante e brutal. Os personagens alcançaram um nível de complexidade que dá gosto de ver.  Devo confessar que, por vezes, tive dificuldade em iniciar um episódio, pois todos os dez são repletos de gatilhos e vários deles com violentas cenas de torturas psicológicas e físicas. Não pense que você já viu de tudo no decorrer das três temporadas. A quarta reserva literalmente o pior. 

A série bate na tecla de que todas aquelas pessoas que são ou já foram reféns em Gilead são transformadas para sempre. É como se o pior emergisse de cada um. Como se existisse muito mais do que sequelas físicas. Partindo desse pano de fundo, June ao longo dos dez episódios mostra o seu lado mais sombrio, reproduzindo boa parte da violência psicológica e física que sofreu ao longo dos anos, contra aqueles que a cercam.

Elisabeth Moss brilha novamente ao dar vida a June, provavelmente garantindo indicações nas principais premiações que estão por vir em 2021. Seu desempenho é visceral e destaco aqui que uma das melhores cenas da temporada acontece no reencontro entre ela e Serena, interpretada por outra excelente atriz, Yvonne Strahovski. Ela é expressiva demais! Sua dissimulação e raiva transcendem o olhar como poucas atrizes da atualidade. Uma grata surpresa é saber que Elisabeth Moss dirigiu três dos episódios. Com um posicionamento de câmeras acertado e closes que dão um toque especial a atmosfera pesada e dramática do show, ela demonstra que seu talento está presente também por trás das câmeras.

O arco dos Waterford é um dos que mais se desenvolve. Após serem presos no Canadá, ambos aguardam julgamento e farão de tudo para conseguir sua liberdade e, principalmente, se livrar de um provável julgamento na própria Gilead. Revemos uma Serena fria e calculista e um Fred (Joseph Fiennes) disposto a se reaproximar da esposa a todo custo. A cena mais brutal da série inclusive envolve o personagem de Fred e prepare os nervos, pois é forte. Talvez a cena mais forte que eu já vi até hoje em séries. (O que é Game of Thrones na fila do pão?)

Luke (O.T. Fagbenle) está bem mais presente nessa fase e, nessa temporada, temos uma maior noção do papel que ele vem tendo na busca por Hanna, e o quanto vem se dedicando à criação de Nicole. Mas até que ponto seu amor por June o fará aceitá-la da forma como ela está agora? Pois a June que existia, já não existe mais. Além disso, o triângulo envolvendo Nick (Max Minghella), Luke e June é mais um arco que promete emocionar e reservar surpresas.

E as reflexões propostas pelos vários personagens são cada vez mais profundas. A série desconstrói aquela figura de heroínas que estamos acostumados a ver. Sempre resilientes, capazes de superar a tudo e a todos. The Handmaid's Tale rasga o verbo ao apontar o quão profundo podem ser os traumas e como é impossível medir a dor do outro com uma "régua" que é sua. Vingança é uma válvula de escape? É parte do processo de cura interior? Ou só mostra que os danos inferidos são tão mais profundos e difíceis de consertar que o previsto?

Temos, portanto, uma temporada impecável. Que traz de volta a excelência da primeira, embora com uma atmosfera ainda mais pesada e impressionante. 

Tudo indica que The Handmaid’s Tale caminha para o fim. Com a quinta temporada confirmada, eu diria que ela seria mais que suficiente para finalizar as lacunas deixadas. Estender demais o tempo de vida da série, que chegou a perder o fôlego na terceira temporada, pode significar perder qualidade. Agora é só aguardar por prêmios, pois merecimento aqui não falta.


Nota: 10,0

 

 

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