Na melhor atuação de sua carreira, Margot Robbie é a famigerada Tonya Harding em um longa carismático e comovente. 


Filmes biográficos sempre tendem a causar burburinhos e estarem entre as grandes tendências de premiações do cinema ao redor do mundo. Com Eu, Tonya (em português) não foi diferente. Contudo, a película de Craig Gillespie destaca-se por seu tom por vezes irreverente e a atuação impactante de seu elenco.

No longa, acompanhamos a trajetória conturbada de ascensão e queda da patinadora Tonya Harding enquanto ela lida com o marido abusivo, traumas de infância e o envolvimento acidental em uma das maiores polêmicas das Olimpíadas. O grande mérito da produção é adotar o formato de um falso documentário, tornando todo o processo muito mais divertido, mesmo em suas cenas mais sombrias. Soma-se a isso o uso dosando da quebra da quarta-parede (quando o personagem fala diretamente com o espectador) e temos ótimas cenas cômicas e que trazem uma certa leveza para a história não tão leve de Harding. 


Isso porque, inegavelmente, Tonya passou por experiências traumatizantes ao longo da vida. Para começar, temos a rigidez, e a violência de sua mãe LaVona - negada veementemente por ela em entrevistas posteriores. A majestosa atuação de Allison Janney transmite toda a impaciência e individualidade que a persona exige, como se ela fosse indiferente aos sentimentos da filha. Ela é, de fato, representada como uma figura extremamente exigente e irônica e justifica suas ações com o pretexto de ajudar no progresso de Tonya na patinação no gelo. 

A seguir, ela se envolve com o problemático Jeff Gillooly (Sebastian Stan, ótimo com seu bigode não tão convincente) que vem a se tornar o seu marido. Além do abuso físico e psicológico, é ele o responsável pelo incidente que arruinou a sua carreira: o ataque à competidora Nancy Kerrigan. E, claro, temos Shawn (o hilário Paul Walter Hauser) e sua desculpa de agente antiterrorista que soa tão irreal que assusta pela comprovação quando sobem os créditos.


A partir desse panorama geral, é fácil identificar os reflexos desses eventos na própria personalidade de Harding: irascível, de temperamento explosivo e atormentada. Por fim, a conta não bate. Afinal, Tonya foge completamente do padrão (imposto, diga-se de passagem) do que se espera de uma praticante de patinação artística. Ela não possui a doçura, os sorrisos fáceis ou a elegância - mas tinha a habilidade necessária. Tanto é que, até hoje, apenas duas outras patinadoras americanas conseguiram realizar o "triple axel" nas competições. Desse modo, o filme trabalha bem estas questões da glamourização e elitização do esporte. Para se ter noção, era a própria Tonya quem costurava seus figurinos  para as apresentações, ressaltando as desigualdades entre as participantes.

Logo, fica clara a disparidade entre a promissora, porém caótica, Tonya Harding e o ideal americano de perfeição. Aqui o roteiro bem estruturado de Steven Rogers abre margem para debater assuntos como o culto da imagem e  manipulação midiática, como exemplificado na narração: "A América precisa de alguém para amar. E alguém para odiar." 


Assim, existe um grande trabalho a ser feito por Margot Robbie. Felizmente, a atuação da atriz é mais do que satisfatória: é surpreendente. Quer dizer, o que é aquela sequência fantástica em frente ao espelho? A atriz australiana entrega uma performance poderosa, envolvente e que nos conduz maravilhosamente pela vida de sua personagem.

Em quesitos técnicos, o trabalho da direção de arte e fotografia é belíssimo, construindo minuciosamente a estética da época retratada, bem como as ótimas cenas no gelo. A trilha sonora é competente no que se propõe e o longa possui uma montagem consistente, mesclando bem o drama e a ação da produção. 

Por fim, não custa frisar que Eu, Tonya é diversão garantida e merece sua total atenção.  

Nota: 9,5/10

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