"Passageiro Acidental" desperdiça o talento de Toni Collette e entrega uma trama espacial apenas convincente.
O espaço sideral sempre foi um elemento que causou fascínio ao público. Apollo 13 - Do Desastre ao Triunfo (1995) foi, sem dúvida, um dos marcos na introdução dessa temática nos cinemas, que abriu a “porteira” para outras grandes obras como Gravidade (2013) e Perdido em Marte (2015). Além de exigir um requinte estético, uma vez que efeitos especiais são mais que requisitados na hora de representar com precisão uma viagem espacial, de modo geral, enredos nesse estilo costumam trazer um componente dramático muito forte, como é a proposta do filme a seguir.
Passageiro Acidental (Stowaway) é uma ficção científica escrita e dirigida pelo brasileiro Joe Penna. Ryan Morisson também assina o roteiro desse thriller que chegou ao catálogo da Netflix no dia 22 de abril de 2021.
O longa acompanha o terrível impasse de uma tripulação composta pela comandante Marina Barnett (Toni Collette), a médica e pesquisadora Zoe Levenson (Anna Kendrick) e o biólogo e pesquisador David Kim (Daniel Dae Kim) ao descobrir um passageiro acidental, Michael (Shamier Anderson), durante sua viagem rumo a Marte. Sem recursos suficientes para retornarem à Terra ou mesmo para chegarem ao destino final mantendo todos com vida, eles terão que tomar a dolorosa decisão que envolve escolher quem viverá.
Ao assistir o trailer do filme, tive a primeira e errônea impressão de que a tripulação seria aquele clássico clichê vilanesco, cujo objetivo seria garantir a segurança a todo custo e para isso, portanto, precisariam eliminar o “invasor”. Imaginei ainda que haveria uma pauta racial envolvida. Contudo, já antecipo que a proposta da película não é essa. O longa na verdade aprofunda bem a reflexão sobre escolhas e acima de tudo altruísmo. Seria o altruísmo algo inerente ou desenvolvido pelo ser humano? Seria possível mensurar qual vida é mais importante?
A personagem heroica da história é Zoe. Ela é quem abandona o lado racional, ainda que sendo uma cientista, e evoca a todo momento o lado emocional daquela tripulação que está lidando com dados nem um pouco otimistas e que tem pouco tempo restante de oxigênio. O que leva as pessoas a se arriscarem, ou até mesmo se sacrificarem pelas demais? Seria a esperança de que em um último momento algo poderia mudar, ou o medo de viver uma vida sem significado ou até mesmo de culpa? Anna Kendrick é doce e consegue emocionar com sua atuação. Impossível não criar empatia por sua personagem. Mas é importante destacar que ela não é autosuficiente para a trama, diferente de Sandra Bullock, por exemplo, em Gravidade. Faltou a Anna uma parceria de cunho dramático a altura. Isso, sem dúvida, teria tornado Passageiro Acidental um filme para dar o que falar. Dessa forma, o resultado foi como se faltasse algo. E talvez a falta vem justamente de uma apagada Toni Collette.
Quando vemos um nome tão forte no elenco, como Toni Collette, não tem como não criar expectativas. Mas infelizmente sua personagem é uma comandante que não comanda. Simples assim. Logo no início do filme ela é literalmente “podada” da ação e isso engessa a personagem, assim como empobrece as possibilidade dela na trama. Um tremendo desperdício e convenção de roteiro para dificultar o solucionamento de várias problemáticas.
Aproveito pra dizer que o filme tomou um rumo audaz, porém questionável. Uma das coisas que os longas espaciais têm em comum é que sempre existe uma comunicação da nave com a Terra. Sempre existe um núcleo de personagens em uma base buscando todas as soluções para os problemas eventuais que surgem na viagem espacial. Passageiro Acidental não faz isso. Existe a comunicação, porém em momento algum nós ouvimos, ou temos acesso a voz de tais pessoas. Tudo o que sabemos é por meio das respostas dadas pelos quatro e únicos protagonistas do filme. Isso até poderia ter dado certo, se os diálogos fossem mais densos e as interpretações mais afiadas, mas não foi o caso.
David é o personagem que traz a racionalidade. É ele quem por vezes questiona se vale a pena adiar a tomada de escolha sobre o destino de Michael. Ao mesmo tempo ele não é um antagonista, pois vemos o tanto que ele abre mão pelos demais e é exatamente ele que levanta as reflexões importantes e incômodas, tais como: vale a pena correr o risco de perder a todos, em prol de um?
Shamier Anderson encarna o engenheiro que é encontrado na nave. É interessante como o enredo não revela de fato o que aconteceu para o personagem chegar aquele ponto, o que faz o espectador ter que escolher um lado e estabelecer uma relação de confiança sem ao menos conhecê-lo. A história do personagem é tocante, no entanto a falta de um flashback, somado a um interpretação de Shamier deficiente no viés dramático, tornam Michael um personagem somente okay.
Do ponto de vista estético, o filme agrada. Apesar das poucas locações, os trajes, a nave e as cenas externas são bonitas de se ver. A trilha sonora aposta em notas simples e alguns instrumentais que crescem nos momentos de maior ação. Achei de bom gosto, pois enfatiza o silêncio e criam uma atmosfera de tensão na medida.
O final foi uma escolha arrojada, apesar de previsível e consegue arrancar algumas lágrimas. O filme está longe de ser uma obra prima, mas é bom o suficiente para nos fazer acessar sentimentos e refletir sobre questões importantes da vida.
Nota: 7,0