Falcão e o Soldado Invernal traz para o cenário televisivo o que há de melhor nos filmes ao explorar as relações de seus personagens e a interação desses com o interessante background criado ao longo do Universo Marvel.


O texto a seguir não contém spoilers. 

Em retrospectiva, no longínquo ano de 2008, a ideia de uma coletânea de filmes com personagens diversos que compartilhassem um mesmo universo de maneira coesa parecia mera utopia. Mais de 10 anos depois, no entanto, a Marvel Studios não apenas mostrou que é possível, como também expandiu os horizontes para a televisão de maneira orgânica e, sobretudo, satisfatória. 

A produção começa algumas semanas após os eventos do Blip, como ficou conhecido o estalo que trouxe os mortos por Thanos. Desse ponto, acompanhamos uma cena inicial intimista de Sam Wilson (Antonhy Mackie) com os últimos dizeres de Steve Rogers para ele soando ao fundo. Essa pequena sequência é o suficiente para ditar o tema que irá permear o show: a nova aposta da Marvel trabalha, acima de qualquer tema, a questão do legado deixado pela figura do Capitão América de Steve.

Ao adotar o formato de série, existe um espaço muito maior para trabalhar questões que poderiam ser deixadas de lado em longas cinematográficos com durações limitadas. E aqui reside o maior trunfo de Falcão e o Soldado Invernal: o aprofundamento na personalidade de seus personagens. Tal vantagem confere uma camada de desenvolvimento muito mais relacionável com o público não apenas para os seus protagonistas, mas também para os coadjuvantes, como John Walker (Wyatt Russel) e Zemo (Daniel Brühl).

John Walker, por exemplo, atua como o novo Capitão América e entrega uma dualidade interessante no decorrer da trama. De um lado, ele parece não gostar da fama que vem com o escudo (ou seus protocolos). Nesse ponto, existe uma semelhança com o próprio Steve. Contudo, do outro, notamos uma disparidade brusca  por conta de uma raiva intrínseca a sua personalidade, pincelada na primeira conversa entre Walker e seu amigo Lemar (Clé Bennett) e exposta mais explicitamente durante o 4º episódio. Soma-se a isso a excelente atuação de Wyatt e temos um personagem, no mínimo, interessante.


Já a dupla protagonista composta por Sebastian Stan e Anthony Mackie esbanja carisma e uma ótima química. Ambos tiveram suas próprias jornadas independentes com Rogers e é esse elo antigo que permite a criação de novos. Bucky possui uma incrível evolução no decorrer da série e a sua crescente amizade com Sam é a chave de ótimos momentos: se por um lado Bucky Barnes é a típica figura sisuda e amargurada, Sam é a leveza e o otimismo. E é justamente por isso que Wilson é a pessoa certa para assumir o manto de Capitão América: não por representar o que ela é, mas o que deveria em sua essência. 

Nesse ponto, inclusive, é digna de nota a inserção de temas tão atuais sem soar forçados, como a violência policial e o racismo, em sequências que remetem à realidade. Quando Sam sofre uma abordagem policial por estar ligeiramente exaltado com Bucky, é impossível não associar ao recente caso de George Floyd, por exemplo. Ou então quando descobrimos a existência de um Capitão América marginalizado que foge do arquétipo de brancos e loiros de olhos azuis: Isaiah Bradley, um homem negro com o soro de super soldado. Além disso, temos importantes dialógos acerca da ideia de supremacia e imigração, exemplificados pelo grupo conhecido como Apátridas. 

E são justamente eles que servem com principais antagonistas da trama, centralizados na líder Karli Morgenthau (Erin Kellyman). De certa maneira, um grupo de indivíduos que desejam o fim fronteiras territoriais, da ideia do nacionalismo e, portanto, contrários a alguém como o Capitão América, soa perfeita para o show. No entanto, ao trabalhar com um núcleo por vezes isolado, o plot dos Apátridas não convence por completo. Após um desfecho fraco e apressado, a impressão que fica é de que serviram apenas para takes de ação bem coreografados e destacar as consequências do estalo. É o típico caso em que o conceito soa melhor que a prática.  

Por fim, cabe citar o retorno do Barão Zemo e Sharon Carter (Emily VanCamp). O primeiro atua como uma espécie de terceiro integrante e é uma adição mais que bem-vinda ao núcleo de Sam e Bucky. No entanto, vale dizer que é justamente Wilson o que menos se destaca nas interações entre os três. Já Sharon continua com pouco tempo de tela e subutilizada. Ainda assim, embora sua contribuição para o show seja extremamente previsível, ela tem um desenvolvimento importante para sua personagem e sua relação com Madripoor para o futuro.


Diante do exposto, fica clara a expansão do MCU e a maximização das conexões entre seus diversos filmes e núcleos. Assim, a ideia de que todos esses personagens compartilham um mesmo ambiente fica cada vez mais evidente. Para quem é familiarizado com esse universo, é de puro deleite ouvir menções aos Vingadores ou ao Mago Supremo. É de colocar um sorriso no rosto quando te mostram uma Dora Milaje intervindo tão distante de Wakanda
No que concerne aos aspectos técnicos, é notável o investimento para a criação de ambientes urbanos orgânicos, fotografias belíssimas e um jogo de câmera que consegue captar toda a essência (e o simbolismo) das cenas, vide o escudo do Capitão América manchado de sangue. Com isso, transitamos por sequências consistentes nesses quesitos, iniciando com a sobriedade dos 2 primeiros episódios, passando pela balada neon e instigante de Madripoor no 3º, o slow-motion melancólico do quinto, até o ápice no 6º e último episódio. Fora isso, é necessários exaltar as vibrantes sequências de ação que aquecem todo o programa. 

Por fim, mesmo com seus deslizes, nos resta elogiar a capacidade do estúdio de manter seu público entretido com conteúdos cada vez mais diversos. The Falcon and the Winter Soldier (no original) entrega uma 1ª temporada aprazível e nos deixa ansiosos para o que vem a seguir no cada vez mais integrado Universo Marvel. 

Nota: 9,0

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