Nova versão traz mensagem de esperança, otimismo e coragem, ainda que cometa erros em sua condução.


A produção do filme da 'Liga da Justiça' foi uma das mais conturbadas da história recente de Hollywood, porém foi quase consenso que a versão lançada em 2017 estava bem aquém de seu potencial. Quando Zack Snyder se afastou do projeto devido à problemas familiares, o estúdio chamou Joss Whedon para refazer várias cenas da produção para deixar o filme mais "leve".

O resultado foi um frankenstein cinematográfico com duas visões distintas da mesma história lutando para ter destaque na narrativa, algo que sem dúvida, prejudicou bastante a coerência da obra. Agora, passados quase quatro anos, a versão originalmente planejada por Snyder chegou para o público e já adianto ser uma grande melhoria em relação ao que veio anteriormente, ainda que não isenta de problemas.

O "Snydercut" apresenta muito mais substância que a versão de cinema, o roteiro escrito por Chris Terrio é bem mais orgânico nas explicações dadas sobre os personagens e suas motivações. A condução dos eventos também faz mais sentido aqui, as ações tanto dos heróis quanto do vilão Lobo da Estepe (Ciáran Hinds) possuem maior coerência dentro do que fora estabelecido em filmes anteriores, ainda que haja um certo exagero nas explicações expositivas.


São inúmeras as cenas nas quais o roteiro usa os personagens para dar explicações de que o público precisa para compreender a trama, todavia soa exagerado quando essa exposição se estende além do necessário com os diálogos tentando soar os mais eruditos possíveis. A Mulher-Maravilha (Gal Gadot) foi a que mais sofreu com essa falha, as falas da personagem durante certos momentos são muito forçadas, soltando fases de efeito epopeico na tentativa de parecer durona.

Outro problema foi a repetição de certos blocos cujo dilema já foi decifrado pelo público, não eram necessárias múltiplas cenas do Alfred (Jeremy Irons) falando com o Batman (Ben Affleck) sobre como ele não foi culpado pela morte do Superman (Henry Cavill). Igualmente dispensável, foram as cenas no Laboratórios STAR nas quais a todo instante o Dr. Silas Stone (Joe Morton) fala sobre seu trabalho com tecnologias alienígenas, já deu para entender nas primeiras vezes.

Problemas à parte, o texto soube muito sabiamente desenvolver os personagens trabalhando seus problemas e tornando sua inclusão na equipe bem mais orgânica que na versão antiga. O Ciborgue (Ray Fisher) é bem mais interessante nesse corte do diretor, ele é um jovem de bom coração que sofre por conta das ações de seu pai para salvar sua vida e carrega uma grande mágoa dele por essa razão. Seu corpo robótico é visto como uma constante lembrança do abuso emocional dele tanto antes quanto após o acidente, pois ele apenas se importou com o filho quando teve medo de perdê-lo.


Contudo, por mais que exista uma veia dramática nesse personagem, ele não fica recluso lamentando sua solidão e busca com seus novos dons ajudar as pessoas necessitadas e vê na Liga da Justiça uma oportunidade de se encaixar no mundo novamente. A busca por um pertencimento também é a jornada do Flash (Ezra Miller), um jovem alegre que possui seus dilemas, mas que busca ajudar sempre que possível os que necessitam. O bom humor do personagem é bem mais honesto nessa versão que na anterior, as piadas são mais bem colocadas e surgem naturalmente.

O uso da Força de Aceleração é bem melhor. Barry tem noção do quanto seu poder pode ser perigoso e o usa com parcimônia para evitar possíveis desastres. Falando em poderes, a Mulher-Maravilha demonstra toda a sua ferocidade contra os inimigos, a amazona chega socando bandidos e tenta ser mais aberta com as pessoas, após quase um século de reclusão emocional. O Batman também é uma figura mais positiva nesse filme, mas sem as piadas forçadas da versão de cinema, o positivismo está na atitude esperançosa, algo que não é de praxe do personagem que em certo ponto afirma ser a primeira vez que se guia pela fé e não pela razão.

O único do núcleo dos heróis que não recebe um tratamento decente do roteiro é o Aquaman (Jason Momoa). Do início ao final do filme, ele manteve sua atitude arrogante e demonstrou nenhuma evolução durante a narrativa. Assim como os demais heróis, ele também teve uma apresentação de seus dilemas, porém o texto não sabe o que fazer com o personagem e o resume a uma figura descolada do grupo. As participações de Vulko (William Dafoe) e Mera (Amber Heard) foram uma tentativa de deixar pontas soltas para o filme do personagem, mas há tanta coisa diferente que parece uma versão alternativa.


O vilão Lobo da Estepe (Ciáran Hinds) possui uma motivação bem mais crível que na versão antiga, porém o visual dele piorou, pois, o CGI não deu conta da complexidade exigida, algo mais simples teria poupado esse problema. As referências à Darkseid (Ray Potter) são bem mais explícitas, a ameaça de Apokolips está sempre a espreita, o que tem seus prós e contras. Do lado positivo, a inclusão dele é um deleite para os fãs que aguardavam sua aparição em live-action e o visual não desagradou. Olhando pela vertente negativa, o roteiro não consegue justificar o porquê Darkseid não é o vilão principal da trama, afinal a Equação Anti-Vida que ele tanto busca está na Terra, algo que era sabido desde a invasão que o próprio comandara em tempos antigos, mas por algum motivo parece ter se esquecido disso. No fim, a figura do Lobo da Estepe não passa de uma enrolação para o real vilão e isso tirou um pouco de peso dos eventos.

A direção de Zack Snyder imprime um tom bem distinto dos empregados em 'O Homem de Aço' e 'Batman vs Superman', nas obras citadas, há um certo pessimismo inerente a figura do herói, enquanto em 'Liga da Justiça', o tom é bem mais humano e esperançoso. As cenas de ação possuem mais tensão nessa versão, os combates ficaram mais complexos e o senso de urgência é mais evidente. O diretor ainda comete velhos erros como o uso em exagerado da câmera lenta, há cenas em que esse recurso prejudicou a adrenalina da ação como, por exemplo, na cena das Amazonas contra o Lobo da Estepe.

Um detalhe interessante é na forma com a qual cada batalha traz consequências e os heróis dedicam um tempo para prestar respeito aos que faleceram ou prestam uma ajuda aos que estão na linha de fogo, sempre de modo a se importar com as vidas de cada um. A dinâmica da Liga da Justiça é muito sucinta no trabalho em equipe, os personagens parecem dispostos a trabalhar juntos desde o início, apesar de alguns contratempos.


Um ponto incômodo reside na duração excessiva de quatro horas, não precisava de tudo isso para contar a história e existem diversas cenas desnecessárias que servem apenas para satisfazer a necessidade do diretor de colocar músicas melancólicas em vários momentos que não agregam em nada para a narrativa. Por mais que seja necessário dar um contexto para personagens que não foram vistos anteriormentes como o Flash, Ciborgue e Aquaman, tampouco era necessário gastar 1h40 para apresentar cada nuance filosófica dos problemas deles.

A ressurreição do Superman ganha contornos mais emocionantes, especialmente para quem já assistiu ao 'Homem de Aço'. Existem muitas referências à jornada do personagem nesse filme e é um alívio não ver aquela boca de CGI do corte dos cinemas. O retorno do kryptoniano é dotado de um sentimento de renovação muito pertinente, a interação dele com Lois Lane (Amy Adams) funciona bem, aliás no pouco tempo em que aparece, a repórter tem um arco bem amarrado.

Por fim, vale destacar que apesar desse filme poder ser considerado um grande fanservice, poderia ter feito isso de modo mais sucinto. A participação do Caçador de Marte (Harry Lenix) é totalmente gratuita, prejudicando o sentido de uma cena chave do filme que envolve uma conversa entre Lois Lane e Martha Kent (Diane Lane). Além disso, abre um questionamento do porquê ele não ajudou os heróis na batalha já que estava ciente de tudo. Outro ponto desnecessário foi a inclusão da cena do mundo pós-apocalíptico, sendo apenas outro fanservice bobo para mostrar o Coringa (Jared Leto).

'Liga da Justiça de Zack Snyder' é um filme espirituoso, divertido, mas que não precisava ser tão longo.

Nota: 7,0

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