Novo filme da Pixar mostra que a vida é um presente do qual todos podem desfrutar com um pouco de sabedoria.
Soul é um filme que busca através de metáforas fictícias mostrar que nem sempre o que mais desejamos na vida é o que nos fará feliz, tal lição é aprendida por Joe Gardner (Jamie Foxx) a duras penas. Dirigido por Pete Docter (Divertida Mente), esse é o 23° longa animado produzido pela Pixar Animation Studios e o primeiro a ser distribuído exclusivamente em streaming devido à pandemia do coronavírus. A trama conta a história de um professor de música que sonha em ter sua chance no estrelato do mundo do jazz, mas que nunca teve sorte nesse quesito. Quando a oportunidade de sua vida aparece, ele fica tão empolgado que acaba morrendo por acidente ao cair num buraco de esgoto. Chegando no Além-Vida, ele tenta desesperadamente voltar ao seu corpo e embarca numa jornada perigosa pelo mundo metafísico.
Em primeiro lugar, o mais interessante nessa história é a coragem do estúdio em apostar num protagonista que pode ser interpretado de maneiras diferentes dependendo de quem veja. Joe é um homem que como todos tem um sonho na vida, mas sua obsessão em alcançar essa meta, acaba fazendo com que ele se aliene do mundo. É curioso notar como logo nos primeiros minutos de projeção, o roteiro estabelece que o personagem principal é um homem de tecla só, apenas falando de jazz e sem o mínimo de sensibilidade para com o que os demais ao redor dele tem a dizer. Ele age de maneira egoísta em diversas cenas devido à essa obsessão, isso reflete um certo mal moderno, pois nos tornamos tão centrados em conseguir reconhecimento e trabalhos que coisas básicas da vida tornam-se secundárias.
A Pixar é mestre em usar metáforas fictícias para contar tramas adultas de forma acessível para um público infantil e nesse filme não é diferente ainda que não seja algo tão brilhante como em aventuras anteriores. Em Monstros S.A, tínhamos um mundo de monstros como pano de fundo para discutir preconceito e corrupção, já em Divertida Mente, a mente de uma criança tornou-se uma terra de fantasias para discutir a importância dos sentimentos. Nesse longa em particular, os roteiristas trabalham o conceito do além vida para afirmar a importância de viver, só que enquanto outros longas tinham uma exploração mais crível de seus respectivos mundos, aqui a Escola da Vida é mau explorada pelo enredo.
A maior parte da apresentação dessa parte é feita por intermédio de piadas fofas sobre personalidades históricas e os demais elementos são jogados de forma demasiadamente simples apenas para facilitar a jornada do protagonista. Chegando nesse lugar, Joe conhece a alma 22 (Tina Fey), um espírito difícil que é o oposto dele, pois enquanto ele deseja voltar à viver, ela tem pavor da possibilidade de ir para a Terra. Esses dois personagens são semelhantes em suas crenças de apostar na comodidade, pois Joe acredita que quando tocar com nomes famosos do jazz, ele estará realizado. Enquanto que 22 rejeita a ideia de viver na Terra por medo de tentar coisas novas já que estava acostumada com a comodidade do Pré-Vida. A dupla acaba formando um certo laço de amizade e a jornada deles desconstrói vários dos estereótipos que ambos possuíam a respeito de seus “propósitos” na vida.
Por mais que a mensagem do filme seja edificante, ainda mais considerando a situação atual do mundo, não deixa de ter seus percalços. As facilitações narrativas que envolvem a entrada no mundo espiritual são de fazer levantar a sobrancelha, afinal eles dão a entender que qualquer hippie meditativo pode fazer isso sem problemas, o que quebra um pouco da lógica interna. Outro fator não tão negativo, mas que incomoda, é a previsibilidade do enredo. Assistindo o filme por uns 20 minutos já dá para saber tudo o que iria acontecer porque o roteiro joga seguro demais e a jornada segue uma batida clichê extremamente previsível do herói relutante. O ato final é um pouco apressado em sua resolução, não há tempo hábil para sentir urgência na situação ou até mesmo ficar triste pelo que acontece. Eram necessários uns minutos a mais para conferir uma pausa mais longa dos personagens confrontando o peso de suas escolhas, tornando o ritmo mais natural.
Por fim, é necessário dar aplausos para o trabalho dos animadores, pois cada frame desse filme é muito bem renderizado. O trabalho de animação feito nos personagens, cenários e objetos é tão bom que poderia até ser real se os traços dos personagens humanos fossem menos cartunistas. Também devo elogiar a variedade na composição dos corpos, há todo tipo de gente nesse filme e todas possuem suas particularidades. Joe é um cara magricela com cabelo curto, já Dorothea Williams (Angela Bassett) é uma mulher madura cheia de curvas com um cabelo mais cheio e outros personagens tem suas próprias características que variam desde o corpo, ao cabelo e estilo de roupa. É uma diferenciação muito importante, pois diferencia cada uma dessas pessoas e conta um pouco da história de cada um, tornando o filme mais diverso etnicamente. A animação nas partes do Além-Vida também são muito bem feitas, nota-se tanto no chão quanto nos guardiões que há uma energia pulsando através de tudo até nos próprios personagens.
Soul é um filme que pode não ser um dos melhores da Pixar, mas que vale a pena assistir por sua inegável humanidade presente em cada aspecto da produção.
Nota: 7,5
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