Embora tenha seus deslizes, quarto ano de “True Detective” apresenta uma das melhores temporadas da série com uma ambientação sinistra, protagonistas fortes e um mistério engajante.

A trama é centrada nas detetives Liz Danvers e Evangeline Navarro, que procuram resolver o caso de seis homens que operam a Estação de Pesquisa Tsalal Arctic desaparecendo sem deixar rastro, quando a longa noite de inverno cai em Ennis, no Alasca. A dupla terá que enfrentar a escuridão que carrega em si e cavar as verdades assombradas que estão enterradas sob o gelo eterno.

Quando se fala de sucesso e prestígio na TV, sempre tem alguém que cita “True Detective” como exemplo, já que é uma das séries mais aclamadas de todos os tempos. A série da HBO criada por Nic Pizzolatto (The Killing, O Culpado) em 2014 se tornou um marco, e teve mais duas temporadas que adotaram o formato de antologia. Ela agora está de volta depois de 5 anos com roteiros, direção e criação de Issa López (Os Tigres Não Têm Medo, Efectos Secundarios).

Quero destacar um pouco um assunto “alheio”, que é o hate que a temporada sofreu por conta de parte do público e do próprio Pizzolato. Esses ataques por parte do público se dão pelo fato da temporada ser protagonizada por mulheres, e acho que não preciso falar mais nada, né? Já a HBO recusou todas as ideias de Pizzolato para uma quarta temporada, e ficou mais interessada nas ideias de López. Isso o deixou extremamente irritado ao ponto de compartilhar criticas negativas e constantemente chorar como uma criança birrenta e fracassada. Não só foi pago, como se mostrou uma pessoa infantil e frustrada (agora entendemos o motivo de nunca ter produzido nenhum outro sucesso na carreira).

Voltando para a série em si, o mistério é muito bem construído e se costura com um crime passado que nunca foi resolvido na região. A cada episódio novas descobertas vão surgindo e embora não tenha nada disruptivo ou chocante, é conduzido de maneira interessante.


Preciso logo de cara falar da sinistra e quase transcendental ambientação que essa série tem. Por se passar no ártico em um local que está quase sempre de noite, quase toda a série se passa no escuro. Um ambiente com pouca luz, frio e que sempre passa a sensação de que tem algo de errado ou mórbido acontecendo. É quase como se a escuridão e essa terra sombria que guarda tantos esqueletos no armário fosse um personagem vivo.

Os elementos sobrenaturais aparecem com força e dividiram as pessoas. Particularmente eu achei eles interessantes apesar de utilizarem muito os já manjados jumpscares para tentar assustar o espectador.

Acho que é seguro falar que a grande estrela e que faz essa série funcionar tão bem é Jodie Foster (O Silêncio dos Inocentes, Taxi Driver). A atriz vencedora do Oscar e que tem uma das carreiras mais aclamadas de todos os tempos e rouba todas as cenas em que aparece. Denvers é a cara da temporada e é uma personagem imperfeita cheia de morais e atos questionáveis. É uma personagem complexa que mesmo sendo complicada, ainda está tentando fazer a coisa coisa certa e agir conforme a lei.

A atriz e boxeadora Kali Reis (Catch the Fair One) foi uma das grandes surpresas, pois apesar do seu currículo quase inexistente, ela não só consegue atuar muito bem mas se mantém de frente a Foster sem qualquer nível de intimidação. Navarro é a personagem que tem o arco mais forte de aceitação do seu passado e raízes, tentando se encontrar enquanto enfrenta fantasmas do passado. Ela não só é forte fisicamente, mas conforme começa a se entender desenvolve um equilíbrio emocional que faz superar suas barreiras., Uma grande personagem que serve como contraponto de Denvers, que juntas se complementam.


Já o resto do elenco é competente, com atores veteranos como Christopher Eccleston (Doctor Who, The Leftovers), Fiona Shaw (Killing Eve: Dupla Obsessão, True Blood) e John Hawkes (Deadwood, Três Anúncios para um Crime), mas quem se destaca mesmo é o ator Finn Bennett (The Nevers, Domina) que interpreta o jovem policial que auxilia as detetives veteranas. Um dos personagens mais interessantes da série que passa por um arco de amadurecimento único que se torna um dos núcleos mais legais.

Mas no fim os méritos têm alguns créditos como roteirista e diretora, mas nada realmente muito grande ou chamativo. Mas seu trabalho aqui é muito acima da média e me fez colocar o seu nome no seleto caderninho com diretores e diretoras pra ficar de olho. Ela dirige muito bem as cenas criando esse ambiente único e assustador, e o roteiro sabe trabalhar múltiplos personagens e tramas conectando tudo muito bem, apesar de ter poucos episódios e tempo pra fazer tudo isso. Espero que ela inclusive volte para comandar futuras temporadas da série ou outro projeto da HBO. 

A questão dos nativos que vivem na região e de toda a sua cultura entrando em conflito com os interesses da mineradora, e o trabalho da política em defender a empresa são interessantes no papel, mas sinto que López não soube se aprofundar no tema completamente, e devido a limitação do tempo (já que a temporada tem apenas 6 episódios ao invés do tradicional que são 8) acabou priorizando o mistério.


Outro elemento que realmente causa uma frustração é a conexão com a primeira temporada e principalmente o uso da espiral, que foi a grande figura misteriosa do primeiro ano que tinha relação com o assassino e o culto que o cercava. Admito que foi maneiro ver eles reutilizando esse símbolo e trazer essa conexão, mas isso tudo só serviu pra isso e nem ao menos teve um grande significado por trás no fim. Talvez a maior decepção desta temporada.

A conclusão do mistério não vai satisfazer todos, e tá tudo bem. Nem sempre nossas expectativas tem que ser atendidas, e a série sabe disso. Apesar de te deixar constantemente confuso e apreensivo, ela no final explica tudo certinho e amarra o mistério com todas as temáticas. E não vou mentir, fiquei em dúvida se gostei ou não da revelação do assassino, mas depois de pensar muito consigo enxergar o que López estava querendo fazer, e admiro a forma como ela executou isso.

“True Detective: Terra Noturna” é uma temporada bem acima da média do que estávamos recebendo de True Detective, apesar de ser inferior à primeira. É uma história bem envolvente que comete seus deslizes ao tentar desesperadamente criar conexões com temporadas passadas sendo que a sua história original já é rica o suficiente e não tem espaço pra esse tipo de bobagem. Com um elenco magistral e ambientação soberba, é mais uma série de qualidade da HBO que você não pode perder.

Nota: 8

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