I. Fissão

Em uma das cenas de sexo mais estranhas desde a do Cooper com a Diana em Twin Peaks: O Retorno, vemos Oppenheimer recitar a icônica passagem "E agora me tornei a morte, a destruidora de mundos" enquanto sua amante Jean Tatlock está encima dele, despida e segurando em suas mãos o Bhagavad Gita.

Por falta de uma palavra melhor, irei descrever Oppenheimer como a obra mais "madura" de Christopher Nolan. Talvez a sua mais humana também. A sua mais estranha. É um filme completo, uma experiência que te prende, mesmo essa sendo aterrorizante e triste por boa parte de sua duração.


Três horas podem ser cansativas, e a maioria do público pode considerar a hora final um pouco excruciante já que é totalmente focada em duas audiências/julgamentos, mas o mais casual dos espectadores não pode negar a arte e o craftmanship da narrativa apresentada, entrecortando entre duas perspectivas diferentes, um uso genial do recurso que Nolan tanto adora.

O longa é separado por duas linhas do tempo ou perspectivas, Fissão é em cores e Fusão em preto-e-branco. Nolan diz que Fissão possui uma perspectiva subjetiva enquanto Fusão uma objetiva. Não é algo exato, diria que ambas são subjetivas, apenas que uma é pela visão do Oppenheimer e outra pela visão do Lewis Strauss, o rival político do pai da bomba atômica.



A subjetividade é bem trabalhada, tão bem trabalhada que me impressionou de uma forma tão profunda que acho que não consigo pôr em palavras. Entramos na mente do Oppenheimer e o que vemos é tão desesperador que é capaz de dar calafrios, aquele arrepio na alma.

II. Fusão

A dualidade é presente, como já se pode imaginar em um filme "separado" em duas perspectivas. A criação da bomba atômica pode ser considerada como uma maravilha da ciência moderna na sequência de Trinity, mesmo que o filme sabiamente bata na tecla do quão nefasto é o projeto. E após Hiroshima e Nagasaki, vemos o terror total, o horror existencial consequentes do fogo atômico. 

Nolan não precisou mostrar as duas cidades sendo destruídas, o impacto ainda é sentido, mais forte ainda pela falta de sua presença. O horror do que esses eventos desencadearam são mostrados em uma sequência que só pode ser vista para ser acreditada. 

Oppenheimer confrontado com sua criação. Visões de holocausto nuclear, de uma desgraça e destruição tão devastadoras que eu imaginei que algo nesse escopo não pudesse ser traduzido para a mídia do cinema, mas Nolan consegue, utilizando imagem e som, dando a gravidade necessária para o tópico. Não sei como me recuperei e continuei a prestar atenção no filme.


Mas continuei preso no filme, e ele continuou a me surpreender. O filme entra em territórios que o Oliver Stone amaria, uma trama política envolta de paranóia. A dualidade é mais acentuada, e o filme sabe ser sútil e óbvio, ambíguo e resoluto nos momentos necessários, uma escolha acertada sendo como ambos Oppenheimer e Strauss vão de heróis a vilões, e cabe ao expectador fazer o julgamento de caráter. 

Cillian Murphy e seu olhar atormentado não tocam uma só nota, mas um universo inteiro. Ele entrega uma performance para entrar na história. Em comparação o Robert Downey Jr. não fica muito atrás, e ele tem bastante espaço para brilhar e como ele brilha. Ambas atuações dignas de Oscar e de todo o prestígio imaginável.

Ainda há muito a ser dito, mas não acho que nada vá fazer jus ao filme. Há tantas qualidades, as visões do plano quântico que Oppenheimer tem são pura poesia visual. Ainda estou pensando em um adjetivo grandioso para pôr á fotografia de Hoyte van Hoytema, e a trilha sonora de Ludwig Göransson só não é mais impressionante que todo o som e sonoplastia do longa. 


O filme sabe de sua importância, e a comparação vista no mesmo entre Oppenheimer e Prometeu pode soar pretensiosa, mas é justificada. Como nas tragédias gregas que tanto mostraram a arrogância divina, o que presenciamos em Oppenheimer é a arrogância humana, essa mais mortal, uma capaz de acabar com toda a vida.

“Algumas pessoas riram, algumas pessoas choraram, a maioria ficou em silêncio.”

O filme narra o triunfo e a tragédia de J. Robert Oppenheimer. Mas para a humanidade só há a tragédia.

Nota: 10

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