Por incrível que pareça, o novo live-action da Disney traz uma visão interessante sobre o clássico conto, apesar de cometer os mesmos erros dos outros live-actions.
Peter Pan, o garoto que se recusa a crescer, espreita a casa da família Darling na cidade de Londres, pois Wendy, a mais velha dos filhos do casal, crê que ele exista e já convenceu seus irmãos, João e Miguel. Aproveitando a ausência dos pais de Wendy, Peter Pan vai até sua casa e ensina a Wendy, João e Miguel o que devem fazer para voar: pensar em algo bom e usar um pó mágico, que uma pequena fada, Sininho, joga sobre eles. Peter leva as três crianças para um passeio na Terra do Nunca, uma ilha encantada que é o lar de Peter, Sininho, os Garotos Perdidos e um maquiavélico pirata, conhecido como Capitão Gancho, que jurou se vingar de Peter.
Peter Pan é uma das histórias infantis mais clássicas já feitas pela humanidade. Publicada em 1904 pelo autor J. M. Barrie, a Disney produziu em 1953 uma animação que ajudou a popularizar a obra e moldar completamente a história no imaginário popular, sendo um dos clássicos atemporais do estúdio. Assim, na sua imparável e questionável cruzada em refazer todas as animações em filmes live-action, o estúdio contratou o aclamado diretor David Lowery (A Ghost Story, O Cavaleiro Verde) para comandar a adaptação (que é um de seus projetos dos sonhos) em um formato de filme para o serviço de streaming Disney+.
A essa altura do campeonato, grande parte das pessoas não suporta mais os remakes live-action da Disney. Embora apenas um ou outro se salvam, a maioria são apenas caça-níqueis sem alma que tentam desesperadamente sugar algum sentimento da criança interior das pessoas que se apaixonaram pelas animações quando eram crianças.
Essa é uma das razões de todo mundo (incluindo eu) ter tido um pé atrás com essa nova adaptação de Peter Pan. O clássico conto já havia recebido uma péssima adaptação live-action pelas mãos da Warner Bros. em 2015, e um outro excelente live-action feito pela Universal Pictures em 2003, que marcou a infância de muita gente.
A grande sacada que me deixou pasmo nesta adaptação é como ele consegue emular a linguagem e uma animação (e eu digo isso no bom sentido), mantendo todo o ar de magia, dramas e humor escrachado que praticamente só funciona no formato de animação. Ele se aprofunda muito bem na mitologia de Peter Pan, e toma liberdades criativas muito bem colocadas para expandir esses personagens e aprofundar as figuras de Pan, Wendy e Gancho. Algo que deveria ter sido feito em todos os live-actions, e não xerocar de forma preguiçosa e patética as animações em um live-action medíocre que não sabe o que realmente quer conquistar.
A direção de Lowery é uma das coisas que diferencia esse filme dos outros live-actions. Infelizmente, ele é “criativamente podado” pelo baixo orçamento e restrições de streaming, que fazem o visual do filme e o cgi bem oscilantes, com alguns momentos tendo efeitos especiais bem capengas e cenários mais falsos que uma nota de três reais. Porém, ele faz justiça à várias cenas clássicas de Peter Pan, e as cenas de ação são bem filmadas e nada toscas.
Mas se tem uma coisa que será uma unanimidade entre todos, é o trabalho sonoro do compositor Daniel Hart (A Ghost Story, O Cavaleiro Verde). A trilha sonora de é hipnotizante e traz todos os sentimentos possíveis para as cenas, setando os perigos, os dramas, as aventuras e momentos épicos que os personagens passam.
Curiosamente, esta é uma história de Wendy e do Capitão Gancho. Wendy, vivida muito bem por Ever Anderson (Viúva Negra) está fantástica, sendo uma das minhas apresentações favoritas da personagem. Wendy tem a sua doçura mas curiosidade pelo mundo, vivendo o dilema de querer continuar a brincar com os seus irmãos mas ainda experimentar o mundo de um adulto. Já o grande vilão, o Capitão Gancho é interpretado pelo veterano Jude Law (Capitã Marvel), sendo cruel, astuto e misterioso.
Já o resto do elenco é operante, com um destaque até que positivo para o Sr. Smee, vivido pelo ator Jim Gaffigan (17 Outra Vez) e os piratas de Gancho, que são bem carismáticos. Agora, o calcanhar de Aquiles do filme são as outras crianças, e principalmente o ator novato Alexander Molony, que simplesmente é incapaz de atuar e interpretar o Peter Pan. A sua interpretação tira o espectador de diversos momentos do filme, sendo o grande erro de escalação no filme que compromete todas as cenas de Peter Pan. Yara Shahidi (Black-ish) infelizmente não tem muito o que fazer como Sininho, mesmo com o seu visual interessante. A sua fala final no entanto, é um dos momentos mais legais de todo o filme.
Como todas as adaptações de Peter Pan, a grande temática do filme é crescer vs continuar sendo criança. Mas Lowery traz uma abordagem muito interessante deste tema, transformando Gancho em um ex-amigo de Peter que resolveu crescer e se tornar um adulto, e dando todo um arco para Wendy que no fim do filme tem uma real motivação para tomar sua decisão.
O ritmo e a narrativa truncada da primeira metade do filme são muito difíceis de se passar. A primeira meia hora do longa é arrastada e irregular em um nível tão grande que eu cogitei abandonar completamente o filme. As coisas mudam para melhor depois do primeiro confronto com o Capitão Gancho, mas essa é uma impressão difícil de passar.
O filme se encerra com um confronto bem “épico” e surpreendente bem filmado, com um bom cgi que não te tira do filme. A conclusão da história é bem bonitinha e satisfatória para todo o arco dos personagens, me pegando desprevenido e deixando um belo sorriso no meu rosto. Existe uma piscada para uma possível sequência, que não só é brega como estraga um pouco a linda cena final do filme, servindo quase como uma cena pós-créditos idiota.
Infelizmente existem muitos elementos que privam “Peter Pan & Wendy” de alcançar um patamar maior. A falta de orçamento e alguns atores totalmente fora do tom de seus personagens puxam o longa de Lowery pra baixo, mas mesmo assim o diretor é capaz de entregar algo humano e com um pouco de magia que agrega ao lore de Peter Pan. Um filme divisivo, mas que apesar de seus problemas, apresenta um raro live-action bom da Disney, que eu com certeza devo assistir mais vezes ao longo dos anos.
Nota: 7
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