"Ela Disse" é um thriller jornalístico potente, que não apenas expõe um abusador, como todo um sistema que o protege.

O cinema que tanto deslumbra também esconde sujeira por debaixo do tapete. O filme da crítica de hoje não trata apenas da conduta criminosa de um homem, mas, sobretudo, desmascara um sistema que acoberta esse tipo de comportamento.

Em 2019, no longa O Escândalo tivemos exposto o caso do magnata Roger Ailes, presidente e chefe da Fox News acusado de assédio sexual. Dessa vez, vem à tona o cruel histórico de abusos, má conduta sexual e estupros conduzidos por Harvey Weinstein, um dos fundadores da Miramax e famoso produtor de cinema hollywoodiano. 

Ela Disse (She Said) é um drama escrito por Rebecca Lenkiewicz que conta com a direção de Maria Schrader. Sua trama é baseada no livro de mesmo título de 2019 escrito pelas repórteres no New York Times, Jodi Kantor e Megan Twohey. O longa teve sua estreia mundial em 13 de outubro de 2022, chegando ao Brasil no dia 8 de dezembro.

O filme conta o passo a passo de como Jodi Kantor e Megan Twohey, interpretadas por Zoe Kasan e Carey Mulligan, respectivamente, conseguiram montar uma matéria consistente revelando para o mundo os crimes de Weinstein. Acompanhamos a procura por cada fonte e todas as complexidades de se convencer as vítimas de exporem suas trágicas histórias, considerando todos os riscos implícitos e manobras jurídicas envolvidas.

A ótica feminina do roteiro e direção é tangível. A narrativa é montada de uma maneira inteligente e impactante. As agressões não são mostradas, mas os diálogos são descritivos o suficiente para tornar o filme imersivo e repleto de gatilhos. O foco aqui é inteiramente na investigação e nas vítimas silenciadas por tanto tempo.


Uma escolha sensível e importante foi não trazer um ator para representar de fato Weinstein. Temos ele em voz, o vemos de costas, mas não se dá evidência ao monstro megalomaníaco, algo importante e representativo em meio a um contexto tão odioso. Ashley Judd é a única a interpretar ela mesma na película. Outras famosas, como Gwyneth Paltrow, são mencionadas no decorrer do longa, embora surjam apenas em imagens.

Zoe Kasan e Carey Mulligan brilham em seus papéis e são, sem dúvida, as âncoras que sustentam o longa. Em meio a toda densa história de abusos temos ainda de pano de fundo a vida das jornalistas interpretadas por elas, que são mulheres, mães e profissionais com seus próprios dilemas que se entregaram de corpo e alma para não serem engolidas por um sistema que insiste em proteger abusadores e justificar suas ações se apoiando em etarismo barato. 


O ritmo lento do thriller jornalístico pode incomodar especialmente em sua metade, por às vezes pesar a mão nos aspectos mais processuais de uma investigação jornalística e deixar de lado o drama envolvido. Mas quando o filme deixa a estagnação em seu último terço, ele comove e vem como um alerta poderoso e pioneiro no movimento Me Too.

Ela Disse debate o sexismo e o abuso de poder. Dá aula sobre como o sistema normaliza abusos. Nos relembra que Trump fora eleito mesmo após escândalos de assédio sexual e alerta de que ainda há um grande caminho a se trilhar na busca por equidade. Filme poderoso e necessário. Assistam.

Nota: 8,0

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