Em retrospectiva, quando o primeiro Homem de Ferro estreou no longínquo ano de 2008, há mais de 10 anos, era difícil imaginar a Marvel Studios se consolidando como o maior estúdio produtor de blockbusters da década. Mas foi o que aconteceu.

A verdade é que, ano após ano, os filmes de heróis da editora passaram a figurar entre as grandes bilheterias anuais, arrastando milhares de pessoas para as salas de cinema e construindo uma sólida base de fãs exclusiva de seu Universo Cinematográfico. Com isso, as adaptações em live action desses personagens conquistaram sua própria fanbase - às vezes sem qualquer noção do que acontecia nas revistas em quadrinhos. Assim, nomes poucos conhecidos do grande público, como o próprio Tony Stark e o Thanos, ganharam a boca do povo gradualmente. Quer uma prova de sucesso maior que essa?


Com uma estruturação coesa, ainda que falha em diversos sentidos, Kevin Feige, a principal mente por trás do MCU, delineou muito bem a trajetória deste universo dentro dos 23 filmes que compõem as Fases 1, 2 e 3, entregando um produto que manteve o público engajado - e disposto a ir ao cinema. O boom dos filmes baseados em quadrinhos parecia muito, muito longe de acabar. Com isso, nos preparamos e ansiamos para a Fase 4, que iniciaria-se em 2020 com Viúva Negra, o primeiro filme solo de uma heroína da Marvel.


No entanto, a Fase 4 trouxe impactos ao MCU inimagináveis até então, além de arrecadações relativamente menores do que suas antecessoras e escândalos envolvendo os profissionais de efeitos visuais, por exemplo. Ademais, é interessante como as críticas às produções tornaram-se bem mais severas, o que inclui o primeiro tomate podre no famoso agregador de críticas Rotten Tomatoes a um filme da Marvel. Seria essa a pior Fase até agora? A fórmula se exauriu? O público cansou? É o que tentaremos desvendar.



Diante desse cenário, primeiro, há de se ressaltar que no intervalo entre Homem de Ferro (2008) e Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2019), o último filme da fase 3, houve uma gigantesca ascensão do streaming: opção muito mais em conta para assistir a filmes sem precisar gastar muito com deslocação, alimentação e os ingressos exorbitantes das sessões do cinema tradicional. E, segundo, um “porém” muito mais problemático: em 2020 foi quando houve a eclosão da pandemia causada pelo coronavírus, a maior do século 21. 


A história você já deve conhecer: lockdown em diversos países, a imposição do uso obrigatório de máscaras e adoção das mais variadas medidas restritivas para evitar o avanço do vírus pelo mundo. Inúmeras produções em Hollywood em andamento foram paralisadas, algumas canceladas e a esmagadora maioria foi adiada. Essa última variável, inclusive, foi o caso do filme solo da nossa espiã russa: foram 3 adiamentos em apenas um ano para o filme que marcaria o início de um novo ciclo na Marvel.


Após os adiamentos e incertezas, no fim de 2020, veio a confirmação de que a Fase 4 finalmente iria começar no início do ano seguinte, em um formato inédito para o MCU até então: as séries,  dessa vez, mais interligadas do que nunca aos filmes - ou essa era a promessa. A expectativa não poderia ser maior quando WandaVision estreou em janeiro de 2021 diretamente no Disney+, o streaming oficial da Casa do Mickey. De fato, o uso dos sitcoms era uma proposta muito ousada para o público mainstream, mas, no fim das contas, o show parece ter conquistado seu objetivo: de lá pra cá, o número de fãs da Feiticeira Escarlate se multiplicou consideravelmente e, apesar dos tropeços, a minissérie foi assertiva e trouxe um alento após 1 ano de hiato de produções da Marvel. 



Com absoluta certeza, é evidente que as séries mostraram uma alternativa para manter o interesse do público diante das restrições da pandemia e permitiu explorar núcleos e histórias pouco desenvolvidas. Todavia, a verdade é que a grande pressa em entregar esses produtos afetou a qualidade de muitos desses seriados que deixaram evidente a carência de polimento em roteiro, efeitos especiais e, sobretudo, a originalidade. Após o sucesso astronômico de Vingadores: Ultimato, faltou a Kevin Feige um pouco mais de sensatez e prudência. Se as Fases 1 e 2 entregaram 6 filmes cada, em intervalos de 3 a 4 anos, a Fase 4 entregou simplesmente 8 seriados em menos de 2 anos. É óbvio que muito coisa ia acabar saindo sem o devido cuidado. 


Desse modo, ainda que produções como a já mencionada WandaVision, além de Loki, Falcão e o Soldado Invernal, e Mulher-Hulk tenham trazido certa consistência e inovação em seu desenvolvimento, o mesmo não pode ser dito de séries como a insossa Ms.Marvel, as irregulares produções de Cavaleiro da Lua e Gavião Arqueiro e a péssima investida em animações que veio na forma de “What If..?”. As últimas mencionadas, em particular, caem em uma fórmula arrastada e que oscila muito em sua qualidade. Além dessas, cabe citar o especial de Lobisomem na Noite, algo que também foi inédito para o MCU, e trouxe um olhar bem autoral na estreia de Michael Giacchino na direção.


Em última análise, é até estranho que a mesma fase que entregou produtos tão singulares dentro do universo de heróis, como Loki e Lobisomem na Noite, tenha entregado também algo tão batido quanto Ms.Marvel. E até na busca por trabalhar conceitos inexistentes no MCU até então, como a mitologia egípcia do Punho de Khonshu, fica a sensação de que poderia ter sido algo mais. 


No que concerne aos filmes, se as expectativas já não eram das melhores para um filme totalmente fora de hora como Viúva Negra (Natasha Romanoff estreou na Fase 1, mas só veio ganhar um filme para chamar de seu uma década depois), a produção se mostrou totalmente desconexa do restante dos filmes da Fase 4 - quase uma anomalia dentro das produções e propostas. A seguir, veio a grata surpresa na forma de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, o filme mais sólido e bem-vindo da Fase, seja por não ter o peso de ser uma sequência ou mesmo por sua inovação em explorar algo mais fantasioso. Eternos, dirigido pela premiada Chloe Zhao, também veio na promessa de entregar algo bem mais fora da caixinha, mas se perde em um longa arrastado e protagonistas fracos e sem carisma. Quer dizer, alguém gostou mesmo da Sersi e do Ikaris? Mas sim, existem boas cenas de ação e takes lindos com paisagens deslumbrantes, mas há um claro problema no ritmo. 



Problema esse que não se estende ao hit pandêmico que juntou não 2, mas os 3 intérpretes mais famosos do Homem-Aranha: Tobey Maguire, Andrew Garfield e Tom Holland. Um prato cheio de nostalgia, muito fanservice e despedidas. É impossível não se empolgar com os três em cena! Até agora, Homem-Aranha: Sem Volta pra Casa é o maior sucesso financeiro da Marvel na Fase 4 (e com razão). Infelizmente, temo que tenha sido o filme que abriu as portas para algumas decisões narrativas equivocadas, como as trazidas em Doutor Estranho No Multiverso da Loucura. Querendo se apoiar no mesmo apelo do retorno dos heróis de Maguire e Garfield, o 2º filme do antigo Mago Supremo também trouxe alguns rostos conhecidos em versões reformuladas, mas sem o mesmo impacto de Sem Volta pra Casa. Na verdade, os grandes destaques do filme (que são muitos) não chegam nem perto de serem os Illuminatis. Certamente, era um plot que poderia ter sido excluído em prol de algo mais contido.


E por falar em coisas contidas, não é o que vemos em Thor: Amor e Trovão.  O quarto longa do deus nórdico tem Taika Waititi em sua pior versão: o filme é espalhafatoso, com humor forçado, possui conceitos desperdiçados e enterra a imagem do Thor do MCU de vez. É, sem sombra de dúvidas, um dos piores filmes que a Marvel já produziu até hoje. Felizmente, o ciclo se encerrou com Pantera Negra: Wakanda para Sempre, uma belíssima homenagem ao falecido Chadwick Boseman que possui atuações fenomenais e nos apresentou ao melhor personagem introduzido nessa Fase, Namor. Certamente, uma experiência imperdível e que merece ser vista nos cinemas. 



Assim, diante de tantos altos e baixos, com acertos muito bem-vindos e erros grotescos, voltemos à nossa pergunta inicial: afinal, a Fase 4 foi a pior do MCU até agora? A resposta é, na opinião deste humilde redator, não! 

É fato que ela sofre com os excessos e o intervalo curto de tempo (céus, foram  DEZESSEIS produções em menos de 2 anos!) , mas não se pode deixar que os erros se sobreponham aos acertos por mero capricho dos fãs. A Fase 4 vem logo após o sucesso avassalador de Vingadores: Ultimato e a impressão que fica é a de que a fanbase espera algo da mesma magnitude e emoção que o filme dos Heróis Mais Poderosos da Terra a cada novo lançamento, a cada novo anúncio. Essa expectativa infundada, acaba gerando frustração e impede que aproveitem tramas mais simples como as de Mulher-Hulk, Shang-Chi e Eternos, que desde sua concepção, NUNCA tiveram a pretensão de ser mais.


É bem verdade a existência de atalhos narrativos que são utilizados apenas para preparar o terreno para a "próxima grande aparição", e acabam prejudicando a própria obra em si - gastando tempo de tela que poderia trabalhar outros conceitos (ou, simplesmente, aprimorá-los). Um tanto quanto exaustivo.

 

Chega a ser curioso que esta esteja sendo uma fase tão controversa, tendo em vista que ela repete muito da fórmula que construiu o MCU como conhecemos. É um indício de que o grande público começou a cansar de filmes de heróis “parques de diversão”, como diria Scorsese? É difícil afirmar. Particularmente, acredito que o MCU, assim como outras adaptações de HQs, ainda conseguem entregar o entretenimento a que se propõem. 


O ponto é que a Fase 4 é, de certa forma, muito experimental: após a consolidação de um verdadeiro império, Kevin Feige e companhia parecem querer explorar novas possibilidades, ainda que não inove na condução, pincelando o multiverso, o terror, seres cósmicos, a comédia desenfreada, os oceanos e emoções como o luto e o amor. Nem tudo funciona, é claro, e os espectadores estão cada vez mais seletivos e exigentes. 


Resta à gigante do entretenimento contemporâneo uma análise profunda dos resultados provenientes desse experimento de investimento altíssimo. É a hora, mais do que nunca, de verificar o que deve ser continuado e o que deve ser descartado. O mercado já demonstrou sinais de mudança - e a Marvel deveria aprender com os erros cometidos até aqui. 


E assim, conclui-se mais um arco do Universo Cinematográfico da Marvel e talvez o mais decisivo de todos: pode significar tanto mais uma década de sucessos inquestionáveis ou, bem, o início do declínio. Soou dramático? Descobriremos no futuro. Mas, no fim, como bom fã de filmes baseados em quadrinhos, torço pela primeira opção. 


E você?

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