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Se
tem uma coisa que a Netflix tem conseguido fazer satisfatoriamente é adaptar
histórias de Stephen King. Mesmo que as adaptações não sejam completamente fiéis
às obras originais (e independente disso, de qualquer jeito), é inegável que tais
produções originais do streaming em questão são muito elegantes ao manter um
suspense sobrenatural quando se propõem a contar suas narrativas baseadas nos
livros e contos do famoso escritor.
Nessa
esteira, “O Telefone do Sr. Harrigan” se vale do horror sobrenatural para
contar uma história sobre moralidade (mesmo que questionável), senso de
justiça, solidão e amizade – além de fazer uma crítica sobre a dependência
exagerada do uso de tecnologia. Porém, neste caso, o horror sobrenatural serve
apenas como premissa básica para a produção se preocupar mais em desenvolver o
amadurecimento de seu protagonista do que, propriamente, para contar histórias
de fantasmas.
Na trama, Craig (Jaeden Martell, de “It – A Coisa”, 2017) é um adolescente que vive em uma cidade pequena e não tem uma vida fácil no colégio, por sofrer bullying constantemente. Craig se torna amigo do Sr. Harrigan (Donald Sutherland, de “Tempo de Matar”, 1996), um idoso milionário que vive recluso e solitário, após realizar alguns trabalhos de leitura para ele. Eles constroem uma amizade sólida e Craig passa a visitá-lo com frequência, para que ambos conversem sobre livros.
Para
manter o contato e agradar o Sr. Harrigan, Craig decide presenteá-lo com um
telefone smartphone. No entanto, o idoso morre repentinamente alguns dias
depois e, simbolicamente, acaba sendo enterrado com o celular no bolso. Craig
busca conforto enviando mensagens na caixa postal do smartphone do Sr.
Harrigan; porém, o adolescente rapidamente descobre que nem tudo que morre, se
vai completamente. Logo, Craig começa a receber ligações e mensagens
enigmáticas do smartphone do falecido amigo, além de deixar um rastro de mortes
e vingança na cidade.
Sem dúvida alguma, Stephen King é o mestre dos livros de horror e terror; com algumas raras ressalvas para o drama. Ele é um escritor extremamente detalhista em termos de caracterização narrativa, sabendo combinar elementos de terror, horror e sobrenatural com fatores psicológicos assustadores – e vários deles envolvendo apelos emocionais também. De clássicos antigos como “O Iluminado” e “It – A Coisa”, até os sucessos mais recentes, como “Depois”, várias obras de King sabem assustar e causar um grande desconforto psicológico, pois lidam com traumas e solidão.
No
caso de “O Telefone do Sr. Harrigan”, King se vale da extrema dependência que
as pessoas têm com smartphones para criar uma história sobrenatural assustadora.
Ao mesmo tempo em que os smartphones são extremamente práticos, importantes e
úteis em nossas vidas, o filme em tela também deixa evidente que os aparelhos
podem ser, de certa forma, um instrumento sobrenatural para assustar.
Dirigido e roteirizado por John Lee Hancock (“Estrada Sem Lei”, 2019), “O Telefone do Sr. Harrigan” é baseado no conto homônimo que integra o livro “Com Sangue”, de Stephen King. Hancock consegue captar a ideia central de King ao apresentar uma história assustadora com elementos sobrenaturais que envolvem conexões misteriosas entre os vivos e os mortos através do celular – além de abordar o vício excessivo das pessoas com a tecnologia. O diretor e roteirista se esforça bastante para manter o suspense e mistério sobrenatural de forma assustadora até o fim – mas com um alto custo, já que a produção se alonga um pouco mais do que o necessário ao adaptar um conto relativamente curto para um longa-metragem.
Isso
pode ser percebido da metade até o desfecho, momento em que a trama vai se
desacelerando, narrativamente falando. O diretor e roteirista parece empacar e
tem uma grande dificuldade em desenvolver um final satisfatoriamente conclusivo.
Há momentos em que parece que não acontece muita coisa na trama, fazendo com
que a produção fique sem ideias de como terminar a película.
Um ponto curioso na trama é que a produção não explica como é feita a comunicação sobrenatural entre o falecido Sr. Harrigan e Craig, através do smartphone. E esse elemento é o que torna o filme mais misterioso ainda. Para isso, a película deixa de lado cenas sangrentas de terror puro e presenças fantasmagóricas para se apresentar como um simples, porém misterioso, horror sobrenatural. Isso pode ser um ponto negativo bastante decepcionante para quem estiver esperando uma história explícita de fantasmas (principalmente às vésperas do Halloween), mas Hancock aborda esse elemento narrativo de forma bastante elegante e eficaz.
Apesar
da falta de terror puro, a produção ainda consegue envolver durante a maior
parte do tempo. Isso se deve, em parte, à direção de Hancock, que nos atrai de
forma instigante para a situação sobrenatural em que Craig é colocado, e, também,
por causa do apelo emocional que alimenta a simpatia do adolescente pelo idoso.
Tal fato torna “O Telefone do Sr. Harrigan” um filme extremamente intrigante,
pois sua trama parte da premissa de que o Sr. Harrigan pode fazer com que
coisas ruins aconteçam, mesmo que ele já esteja morto. E o modo como isso
acontece é uma enorme incógnita, conseguindo despertar a atenção.
Outro ponto negativo, talvez o mais incoerente da trama, é o fato de o Sr. Harrigan contratar Craig para fazer leituras em voz alta de vários livros ao longo de cerca de 5 anos, com a alegação de que sua visão está muito ruim, devido à idade avançada. Porém, o problema é que, depois de ganhar o smartphone, o idoso passa a acompanhar sozinho, pelo aparelho, os índices financeiros que correm no mercado de ações e, também, ler as notícias no Wall Street Journal, em tempo real. Alguém com baixa visão para leituras de livros, teoricamente, também deveria aparentar a mesma dificuldade para manusear um celular e ler mensagens do aparelho.
Em
relação às atuações, Jaeden Martell, que interpretou Bill Denbrough no Capítulo
1 do filme “It – A Coisa”, livro de também autoria de Stephen King, apresenta uma
performance crível como um jovem solitário cuja vida toma um rumo estranho
depois que seu amigo idoso morre. Donald Sutherland também entrega uma atuação
incrivelmente envolvente e impecável, como o idoso rabugento e igualmente
solitário com um passado aparentemente sombrio – fato que nunca é totalmente
explorado na trama.
A direção e o roteiro de “O Telefone do Sr. Harrigan” pouco se esforçam para fortalecer uma história sobrenatural potencialmente aterrorizante e sem muitos sustos. Em vez disso, a produção investe mais na crítica social ao usar o horror sobrenatural de fantasmas como gancho narrativo para levantar alguns pontos interessantes sobre dilemas morais a respeito de justiça e da dependência excessiva da tecnologia – além de entregar um desfecho preguiçoso e com uma sensação de falta de conclusão.
“O
Telefone do Sr. Harrigan” não chega a ser a melhor adaptação de Stephen King,
mas, ainda assim, é uma produção de 2022 muito melhor do que “Chamas da
Vingança”, também lançada neste ano, e que também é uma adaptação do escritor. Apesar
das falhas, a produção carrega a excelente marca de King em sua narrativa,
mesmo que seja com pouco sangue, ao entregar, de forma eficaz e inteligente, uma
misteriosa, intrigante e macabra história sobrenatural sem precisar recorrer ao
terror puro.
“O Telefone do Sr. Harrigan” está disponível na Netflix.
Nota: 7.5
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