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Apesar de alguns furos de roteiro, "Bem-Vindos à Vizinhança" acerta no elemento tensão e nos faz questionar até que ponto estamos seguros em nossas próprias casas.
Após entregar o sucesso Dhamer: Um Canibal Americano, uma minissérie original Netflix que atingiu recordes de audiência e teve recepção positiva tanto por parte da crítica especializada quanto do público, Ryan Murphy emplaca outro lançamento que não demorou para ocupar as primeiras posições do ranking do streaming.
Inspirando-se novamente em uma história real, chegou no dia 13 de outubro ao catálogo da Netflix, Bem-Vindos à Vizinhança (The Watcher), uma minissérie norte-americana de suspense com sete episódios criada por Ryan Murphy e Ian Brennan.
A história se baseia no caso da família Broaddus, que após se mudar para uma casa no subúrbio de Nova Jersey no ano de 2014, passou a ser ameaçada através de cartas anônimas assinadas apenas com a alcunha de "O Observador". O conteúdo de cada uma delas deixava evidente que eles estavam sendo espionados e que não eram bem-vindos naquele lugar.
A narrativa conta com um elenco estelar. Interpretando o casal de protagonistas, Dean e Nora Broaddus, temos ninguém menos que Bobby Cannavale (Nove Desconhecidos) e Naomi Watts (O Impossível). A princípio, temos um casal apaixonado, bem sucedido e parceiro na criação dos filhos. Dean está à espera de uma promoção a sócio na empresa em que trabalha, ao passo que Nora é uma artista plástica que está com sua carreira em ascenção.
Para conseguir fechar negócio na compra da casa, Dean assume um empréstimo alto e coloca a situação financeira da família em risco. O que ele não imaginava era que a permanência de sua família na enorme mansão estaria em risco e que a relação entre eles sofreria duras consequências à medida que as cartas anônimas começassem a chegar.
O principal desejo dos Broaddus com a mudança era a busca por segurança e é justamente isso que eles perdem. Entre as tentativas de se proteger, eles apostam na instalação de diversos equipamentos de segurança, acionam a polícia local, que por vezes parece desdenhar do caso, e a certa altura vemos uma família cuja vida gira em torno quase que exclusivamente da investigação autônoma do caso a fim de descobrir a identidade por trás do remetente das cartas. Somado a isso, temos uma vizinhança repleta de pessoas um tanto quanto excêntricas que mais parecem suspeitos do que propriamente vizinhos.
Por falar em segurança, sabemos que esse é um tema sensível para boa parte das pessoas e a minissérie consegue nos deixar reflexivos acerca de nossas próprias casas. É inevitável não pensar sobre a própria segurança e de nossos familiares enquanto assistimos aos episódios. Segundo uma pesquisa conduzida pelo site Happy Beds e a psicóloga do sono, Dra. Katherine Hall, a série limitada teria impactado tanto uma parte do público ao ponto de aumentar significativamente as pesquisas pelo tratamento da insônia, como mostra o site CBR.
A minissérie se desenrola sob o ponto de vista dos Broaddus. É interessante a forma como vemos os efeitos das cartas, ou até mesmo da casa em si, sob os protagonistas. Dean passa a ser um pai controlador, um marido ausente e cada vez mais mergulhado em desvendar o caso, não importando a qual custo. As cenas relativas a seu desempenho na empresa, bem como o dia-a-dia da família interessam e fazem com que a trama fuja um pouco da mesmice.
É quando a trama se preocupa em confundir, sendo que tal esforço nem ao menos era demandado, que a série tem seu ponto fraco exposto. Em parte do tempo o roteiro consegue de fato nos aguçar a curiosidade e despertar tensão, mas às custas de quê? Por vezes temos situações jogadas e mal solucionadas que, contudo, afetam o desenrolar da trama com o único objetivo de cumprir a artificial missão de entreter. Dá a impressão que o espectador pode ser manipulado ao bel-prazer do roteiro, como se não houvesse consequências.
Não dá pra negar que Ryan Murphy assume uma difícil missão aqui, quando se propõe a contar uma história que não tem desfecho. Mas é importante destacar que mesmo histórias com finais abertos podem ser bem sucedidas uma vez que a forma como acontecem os eventos às vezes é mais interessante do que a forma como eles terminam. Um exemplo de um ótimo filme com história sem desfecho é o longa que conta a história sobre a caçada ao famoso serial killer, Zodíaco.
Outro ponto que deve ser levantado é o fato de que a história real em si carece de elementos para sustentar uma série, mesmo que limitada, (talvez um longa se encaixasse melhor à proposta). Dessa forma, coube aos criadores rechearem a série com elementos fictícios e é claro que indavertidamente Ryan pesa a mão para o lado sobrenatural, sua marca registrada, o que nem sempre funciona na trama.
Em vez de incluir o sobrenatural, teria sido mais interessante explorar a vizinhança, assim como foi feito em alguns episódios que abordaram o passado dos antigos moradores da casa. Os peculiares vizinhos são pouquíssimo apresentados. Por mais que tenhamos o ponto de vista focal nos protagonistas, a presença da detetive particular Theodora, interpretada pela excelente Noma Dumezweni, poderia ser o gancho necessário para trazer mais à tona deles.
Naomi como sempre está ótima e imprime a tensão com precisão, bem como traz à tona os conflitos internos que a situação desencadeia na vida de sua personagem. Cannavale mostra bem a transição de personalidade de Dean, ainda que vez ou outra tenda ao caricato.
Quanto ao elenco coadjuvante, Jennifer Coolidge interpreta uma corretora que se parece muito com todos os seus outros papéis, embora ainda divirta. São Mia Farrow e Margo Martindale que impressionam com suas personagens Pearl e Mo, uma pena que tenham pouco tempo de tela.
Entre erros e acertos, temos uma minissérie interessante de se assistir, ainda que com falhas. A tentativa de reviravolta no fim é completamente desnecessária e previsível, tira o brilho do encerramento, mas não apaga o engajamento da proposta.
O recado, portanto, é dado. Segurança é um conceito complexo e, na verdade pouco tangível no mundo em que vivemos. O negócio imobiliário pode ser muito mais obscuro do que pensamos e está mais preocupado com dinheiro do que com pessoas.
De alguma forma, a fórmula de Murphy tende ao encantamento. Consegue prender e gerar tensão. No entanto, acende-se o sinal de alerta de que suas histórias caem no tendencioso.
Nota: 7,0