A aclamada série Watchmen, da HBO, dominou as opiniões dos críticos naquele ano concorrido de 2019. Em meio de tantos lançamentos até mesmo mais memoráveis, como Mandalorian, Chernobyl, The Witcher, a série foi capaz de ser honorada com 11 Emmys, incluindo o de "Melhor Mini Série". Mas como muito já observamos, o "hype" do momento, pode não só enganar críticos e espectadores, como também as premiações. Por isso, nesse novo quadro do site, estarei inaugurando o "Revisitando", onde irei avaliar se determinados filmes e séries foram tão bons(ou ruins) quanto a maioria julgou na época. Para isso, irei responder cinco perguntas: "A obra ficou datada?"; "Os seus temas ainda são atuais?"; "O enredo e a direção cumprem seu papel?"; "Seus defeitos foram relevados na época?"; e por fim, "a obra cumpriu sua proposta?".
CONTÉM PEQUENOS SPOILERS!!
A obra ficou datada?
Estamos numa era que os efeitos especiais parecem ter alcançado seu pico, porém, desde então, grande parte dos últimos lançamentos vem ferindo nossos sentidos com CGIs cada vez mais preguiçosos. Claro, não é uma regressão generalizada, mas sabemos que se os estúdios não colocassem tanta demanda sobre os departamentos de efeitos especiais, não estaríamos passando por esta crise. É como se diz, "nove mulheres não fazem um bebê em um mês", então apesar da tonelada de dinheiro que é investida no departamento não tenha diminuído, o tempo dos artistas para se dedicar em cada obra sim.
Porém, isso é algo que Watchmen não padece, já que em 2019, a onda de produções em massa ainda não estava em voga. Em nenhum momento os efeitos anulam sua suspensão de descrença, coisa que a série trabalha com maestria, já que por se passar em um futuro distópico extremamente cru e realista, efeitos pobres definitivamente tirariam a credibilidade do enredo. Porém o oposto ocorre. Em diversos momentos, são recriados eventos históricos com uma precisão chocante, vulgo a cena de abertura que retrata o massacre de Tulsa, que te deixam imerso no clima que a série propõe.
De modo algum Watchmen ficou datado de lá pra cá, inclusive ressalta o primor estético que se encontra em falta nos dias de hoje, pois aqui, criatividade e beleza se misturam.
Seus temas ainda são atuais?
Aqui é outro ponto que não temos como negar que a série acerta em cheio. Como dito previamente, somos apresentados logo de cara ao massacre racial que ocorreu em Tulsa, também conhecida com a "Black Wall Street", onde cerca de 300 pessoas foram mortas, devido ao ataque dos moradores brancos aos negros.
Mas apesar de claramente delimitado o conflito racial e a sociedade ainda preconceituosa, principalmente ao sul dos Estados Unidos, a abrangência do que a série tem a dizer não se limita a um tema. Explorando como ambos os lados políticos são semelhantes e se confundem em meio a interesses pessoais de seus integrantes, cada um disfarçado sobre um pretexto diferente para se adquirir o poder.
Traz a tona o eterno paradoxo "quem vigia o vigilante?" com a mesma classe que a HQ original. Agora, todos são mascarados, mas o povo ainda exposto ao meio desse conflito, se vê subjugado e deixado de lado, sempre diante do "mal menor". Porém sem uma ética objetiva para se lastrear, o mal menor se mascara diante do seu viés.
Dilema que se observa em todas as democracias pelo mundo, onde nenhum dos dois candidatos finais à presidência parecem ser uma boa opção para o país, Watchmen retrata de modo bruto e distópico o encurralamento kafkiano ao qual nos encontramos politicamente hoje.
O enredo e a direção cumprem seu papel?
A tarefa dessa série era extremamente difícil. Suceder talvez a obra mais aclamadas do mundo das HQs por si só já se caracteriza uma tarefa aterrorizante, posto sob ótica da quantidade de reboots e reciclagens de franquias que observamos na última década, a maré não estava favorável aos fãs de Watchmen. Mas por algum milagre, o enredo é feliz em não desrespeitar a obra predecessora, assm como manter o tom original com perfeição. A história se passa algumas décadas após o final da HQ, e toda a construção de mundo se baseia nos fatos ocorridos, essa que é feita de modo verossímil, onde apesar de resgatar figuras conhecidas, não se apoia em "fan services" para cativar o espectador, já que os personagens novos são tão interessantes e complexos quanto os antigos.
Cada episódio testemunhamos novas revelações, que faz com que o processo de montar o quebra cabeça e costurar os eventos seja muito cativante. É uma série onde ao fim de cada capítulo você já da play no próximo. E tirando algumas liberdades criativas, que de modo algum afetam a história de modo relevante, tudo é colocado com precisão. Nada aqui é a toa, desde a diversidade do elenco; o retorno dos personagens novos; cada diálogo e cada cena, tudo tem seu propósito. Mas isso acaba gerando um pequeno problema, pois a série tem diversos easter eggs que apenas possuem um desenvolvimento em materiais à parte produzidos pela HBO, como por exemplo a infame cena da perseguição ao "homem vaselina", que não leva a nada, indo justamente contra a expectativa e o que havia sido estabelecido pela série.
A direção é extremamente competente também. Não é uma história fácil de se contar, mas ao assistir, dá a impressão de que ela foi contada do melhor modo possível. Apenas na reta final, a trama e os acontecimentos se aparentam levemente mais repetitivos. Ao fim, muitos flashbacks também são utilizados de maneira expositiva, para que os espectadores mais desatentos possam ligar os pontos, inegavelmente isso tira um pouco do brilho e da bruma de mistério que havia, já que quando as respostas são jogadas na sua cara e ainda repetidas, tira o gosto da vitória de ter sacado o plot. Mas ainda assim as cenas são lindas e criativas, passando ao espectador o clima de aflição que acomete Tulsa.
Os seus defeitos foram relevados na época?
Poucas obras se aproximam da perfeição, e diria que Watchmen quase alcança esse feito nos primeiros seis episódios. Pois não só as repetições e cenas expositivas se tornam mais constantes, como o clima não permanece o mesmo após certas revelações ocorrerem. Algumas vezes, certas cenas destoam muito do tom da série, especialmente o arco do Ozymandias. De modo algum ele é ruim, mas alguns momentos, foge muito da realidade crível, fato que acaba deixando uma sensação estranha quando cortamos de uma cena séria, para os devaneios megalomaníacos de um gênio em decadência. Tem seu contexto, porém, não funciona perfeitamente como o resto.
Mas é inegável, que tirando esses poucos problemas, a série tem pouquíssimo do que reclamar, já que uma continuação como essa é algo extremamente raro de se testemunhar na indústria do entretenimento.
Sobre o final, ele é deixado em aberto, por isso, não irei reclamar. Mas é um pouco polêmico, ainda mais para fãs mais assíduos da HQ.
A obra cumpriu sua proposta?
Diante de todos os argumentos apresentados, podemos concluir que o hype e os créditos dados a Watchmen não foram a toa. É uma obra que além de tocar em temas super importantes de maneira madura, sem recorrer a exposições baratas, cumpre todos os requisitos técnicos de uma série primorosa e com certeza ficará marcada, por sua coragem e seu sucesso em complementar a monolítica e sagrada obra original.
Então, respondendo a questão principal, a série Watchmen realmente foi tão boa?
SIM!👍
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