Existem filmes que tem um desenvolvimento muito mais profundo e reflexivo do que sua premissa aparenta. Ao se deparar com uma produção assim, é de se surpreender o quanto um determinado filme consegue superar, e bastante, expectativas ao apresentar uma história aparentemente simples, mas que chama a atenção por sua singular narrativa.
De
forma geral, “O Contador de Cartas” se enquadra no conceito acima. À primeira
vista, o longa parece ser mais um drama sobre jogos de cartas. Mas, sob a
direção de Paul Schrader (de “Taxi Driver”, 1976), que também assina o roteiro,
e produzido por Martin Scorcese (de “O Irlandês”, 2019), o filme em tela entrega
um forte, intenso e bem estruturado thriller sobre vingança e redenção que, sem
dúvida, é muito mais do que simples jogos de cartas.
Na trama, William Tell (Oscar Isaac, de “Duna”, 2021) é um jogador de cartas de cassino e ex-interrogador militar assombrado por fantasmas de suas decisões passadas. Depois de cumprir oito anos em uma penitenciária, onde aprendeu a contar cartas, ele só deseja passar seu tempo jogando cartas em cassinos. No entanto, Cirk (Tye Sheridan, de “Jogador Nº 1”, 2018) é um jovem que aparece em seu caminho buscando se vingar do Major John Gordo (Willem Dafoe, de “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa”, 2021), um inimigo de seu passado.
Enxergando
uma chance de redenção, William decide treinar o garoto, ajudá-lo a desistir do
plano criminoso e andar pelo caminho certo. Ganhando o apoio de La
Linda, uma misteriosa financista de jogos de azar, William
leva Cirk para viajar pelos cassinos, com o objetivo de vencer a World Series
of Poker em Las Vegas. Mas, manter Cirk no caminho certo será uma árdua tarefa,
arrastando Tell de volta para a escuridão de seu passado.
Paul Schrader prova seu talento, mais uma vez, ao abordar o mundo dos cassinos e dos torneios de pôquer para apresentar a história de um homem com um dilema moral e tendo que conviver com um passado sombrio. Para que o público tenha dimensão do quão pesado, atormentador e terrível foi o passado de William Tell, Schrader insere cenas flashbacks da época em que o personagem serviu na carreira militar.
As cenas de flashbacks refletem os momentos de tortura que William, enquanto militar, tinha que aplicar em presos, sob as ordens de seu superior, Major John Gordo. Embora tais flashbacks não sejam a premissa básica principal da trama, Schrader consegue transpor completamente o horror dessas cenas de uma maneira bastante assustadora, capturando o sentimento de conflito moral que o personagem sente ao longo dessas ações, bem como o peso da culpa que ele tem que carregar pelo resto da vida. Essa denotação está excelentemente estampada nas expressões faciais do ator Oscar Isaac, que conseguiu desenvolver uma caracterização profunda e intensa em seu personagem.
Levando isso em consideração, percebe-se que “O Contador de Cartas” não é um simples filme de jogos de cartas. Schrader é eficaz em mostrar o ambiente dos cassinos – principalmente durante os torneios –, mas o diretor não tem interesse em ficar exibindo os dramas habituais das mesas de pôquer; tanto é que, durante o longa, pouco se vê o protagonista jogando nos cassinos. Entretanto, de forma precisa e envolvente, Schrader conta a história de um homem que não tem endereço fixo e dirige de um lugar para outro, seguindo uma rotina pessoal extremamente rigorosa; e, no meio de tudo isso, está tentando encontrar um equilíbrio entre seu passado sombrio e seu presente incerto.
Um
dos elementos mais simbólicos de Schrader em “O Contador de Cartas” envolve o
pseudônimo de seu protagonista: William Tell, o herói da lenda suíça que ganhou
fama como um exímio atirador pela façanha de atirar em uma maçã na cabeça de
uma pessoa com uma flecha. Tal como o lendário arqueiro, o personagem de Oscar
Isaac não é apenas um jogador qualquer, mas é alguém extremamente disciplinado
que calcula, rigorosamente, as probabilidades e os números com uma exímia
habilidade; sabendo se retirar no momento certo para não chamar a atenção dos
cassinos em relação às altas apostas. Por ser um jogador profissional, William
não arrisca muito dinheiro, sempre jogando com apostas médias e saindo com
ganhos modestos.
Paul Schrader consegue entregar uma excelente direção, sabendo narrar sua história de forma dramática, calculista e dinâmica. O diretor utiliza a narrativa dos jogos de cartas apenas como pretexto para explorar o pesadelo moral e psicológico do protagonista e como ele lida com o sombrio passado, que o atormenta constantemente. E a melhor forma de Schrader apresentar tal sofrimento é mostrado já logo no início da película, com William Tell narrando seu medo do espaço confinado da prisão; elemento narrativo que se aprofunda ainda mais com os flashbacks.
Oscar
Isaac tem um excelente e incrível desempenho em tela. O carismático ator
entrega uma atuação intensa, convincente, calma, rigidamente concentrada e
extremamente calculista. Porém, seu personagem é uma panela de pressão prestes
a explodir, pois vive atormentado com um passado sombrio e, agora, ele tem que
aprender a conviver com o peso de suas ações, de forma profundamente
angustiante e perturbadora. E Oscar Isaac consegue transpor todos
esses sentimentos conflituosos com maestria.
“O Contador de Cartas” pode parecer um simples filme de cassinos e jogos de cartas. Porém, esses elementos narrativos são somente argumentos superficiais para contextualizar, de forma dinâmica, uma história muito mais profunda e feroz sobre vingança pessoal e redenção. O longa em questão é um brilhante thriller que captura habilmente a personalidade intensa, calculista e forte de seu protagonista dentro dos cassinos – e fora deles também.
Schrader
entrega um drama instigante, apresentando uma narrativa com quantidades absurdas
de incerteza acerca do desenrolar de sua história, principalmente por causa dos
momentos dramáticos. O excelente desempenho de Oscar Isaac é envolvente, carismático
e convincente o suficiente para manter o público intrigado e interessado na
trama até o final.
“O Contador de Cartas” está disponível, para alugar, na Amazon Prime Video.
Nota: 9.0
Postar um comentário