Crítica | A Vastidão da Noite (The Vast of Night, Amazon Prime Video, 2019)

De vez em quando, um determinado filme chama a atenção, não pelo tema propriamente dito, mas sim pela forma como este tema é abordado. E, em muitos desses casos, se faz necessário inserir e/ou omitir determinados elementos narrativos – e a forma como eles são apresentados –, que justamente são os pontos que dão destaque ao longa em questão.

Este é o caso de “A Vastidão da Noite” que, em apenas 90 minutos – e um baixo (mas suficiente) orçamento de US$ 700 mil dólares –, sabe contar uma tensa história de mistério e suspense sobre fenômenos estranhos e inexplicáveis ocorridos em uma pequena cidade do interior. Não é um simples filme de terror; mas é um suspense que recorre ao mistério para explorar o desconhecido, entregando um material satisfatório com extremamente pouco orçamento disponível.

Em 1958, durante o período da Guerra Fria, enquanto acontece a corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética, dois adolescentes de Cayuga, uma cidade do interior do Novo México, Estados Unidos, são obcecados pelo rádio. Everett apresenta um programa de rádio e se prepara para a transmissão de uma partida de basquete estudantil. Em meio aos ajustes, presta conselhos à Fay Crocker, telefonista local que aspira ser radialista. Envolvida em seus afazeres, Fay é surpreendida ao captar um sinal estranho na rede de rádio local e ouve um som estranho em uma linha telefônica.

Logo, Fay pede a ajuda de Everett, que decide transmitir o som em seu programa de rádio e perguntar aos ouvintes se conseguem reconhecê-lo. Um homem desconhecido realiza uma série de telefonemas, fazendo narrativas sombrias e relata que algo estranho está acontecendo na cidade, inclusive envolvendo o governo. Com isso, Fay e Everett começam a investigar o assunto mais a fundo enquanto perseguem a estranha frequência de ondas aéreas. Quanto mais a dupla investiga, suas vidas e o mundo inteiro podem estar prestes a mudar drasticamente.

“A Vastidão da Noite” foi rejeitado em vários Festivais, mas, ainda assim, conseguiu ser exibido em outros, tal como no Slamdance Film Festival. “A Vastidão da Noite” teve sua estreia exibida no Festival de Toronto de 2019, mas ganhou maior destaque no Festival de Sundance em 2019. Os direitos de distribuição do filme em tela foram comprados pela Amazon Prime Video após o longa em questão ganhar o prêmio de Melhor Primeiro Roteiro, no Festival Spirit Awards em 2020, sendo, então, disponibilizado na plataforma em 29 de maio de 2020.

O filme em tela usa do artifício de “conta gotas” para abastecer o público com (extremamente poucas) informações acerca do que está acontecendo na cidade, e os poucos fatos e explicações são disponibilizados ao longo de todo filme, mantendo um clima tenso de mistério envolvendo o espectador nesse meio. “A Vastidão da Noite” é uma produção que explora o desconhecido em uma época da História em que a humanidade não tinha um leque grande de informações disponíveis igual temos atualmente, tão pouco o acesso fácil às informações, e o longa sabe utilizar desse artifício transmitindo o mínimo necessário de informações e detalhes ao telespectador, para que este acompanhe os fatos continuamente com os personagens centrais.

O diretor Andrew Patterson, que também assina o roteiro juntamente com Craig W. Sanger, soube utilizar do artifício tempo para narrar, de forma fácil e rápida, uma história em menos de 90 minutos, conseguindo envolver o público no mais completo breu de uma situação tensa e misteriosa. E o diretor o faz de forma bastante concisa e coerente, já apresentando e desenvolvendo os personagens centrais desde logo nos primeiros minutos do longa, com bastante eficiência e sem ficar perdendo muito tempo neste aspecto. Deste modo, Patterson subtrai o máximo possível da narrativa para contar a história inteiramente em forma de diálogos, apenas. Menos se vê, mas mais se escuta.

Um ponto positivo em “A Vastidão da Noite” é a bela Fotografia. Como o filme em tela é basicamente construída inteiramente a partir dos diálogos dos personagens, o diretor Andrew Patterson se utiliza bastante de planos abertos e fechados, cada qual conforme a necessidade de determinada cena, para transpor a história conforme ela vai se desenrolando. E, o melhor é que o longa inteiro se passa todo em sequência durante uma única noite.

O plano de luzes e escuridão durante a noite são igualmente excelentes e deram um ar misterioso ainda maior para o filme, que faz o público ficar ainda mais apreensivo. Afinal, quem nunca ficou com mais medo de algo misterioso e inexplicável durante à noite? Tendo isto em vista, o longa ainda inclui o mínimo possível de barulhos, movimentação e pessoas naquele determinado espaço em que os personagens centrais estão incluídos, maximizando ainda mais o silêncio e o medo quando se está enfrentando sozinho uma situação assustadora.

Outro elemento narrativo muito bem utilizado no longa em questão é o Efeito Fade Out, quando o visual do filme fica completamente preto e o público somente escuta o áudio. O elemento em questão é uma ótima tática para elevar a tensão do longa e deixar o telespectador ainda mais apreensivo, pois fica sem saber exatamente o que está acontecendo em determinada cena.

Todos esses elementos narrativos usados pelo diretor Andrew Patterson deixam “A Vastidão da Noite” esteticamente mais bonito. Só o enredo, em si, sem esses elementos, não conseguiria sustentar o longa, propriamente dito. Porém, o longa é construído sob um conjunto e não há como dissociar a narrativa contada de tais elementos que a compõem.

Esse medo do desconhecido, o suspense misterioso que o ronda e demais artifícios utilizados em “A Vastidão da Noite” são elementos narrativos que bebem na fonte de vários gênios do gênero de Ficção Científica, tais como Steven Spielberg (principalmente em “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, 1977) e J.J. Abrams, além de se inspirar em outros clássicos Sci-Fi que também marcaram época, como, por exemplo, “Além da Imaginação” (“The Twilight Zone”, no original) e a memorável adaptação de “A Guerra dos Mundos”, de H.G. Wells, por Orson Welles na rádio, em 1938.

“A Vastidão da Noite” se inspirou no formato dos episódios de “Além da Imaginação” – a começar pela sua abertura – para moldar um filme longa-metragem, principalmente em relação ao recurso de enquadramento. Ao mesmo tempo, o filme em tela se vale da importância da rádio como mecanismo de abrangência e principal fonte de informação entre os habitantes da cidade; tal como acontecia entre as décadas de 1930 a 1970. É aí que o caso de “A Guerra dos Mundos”, de H.G. Wells encontra forte apoio.

Duas outras inspirações aos clássicos da ficção científica usados como homenagem podem ser vistas ao longo de “A Vastidão da Noite”. A primeira é Cauyga, a cidade fictícia onde a trama se desenvolve, fazendo uma referência a Cayuga Productions, a produtora de Rod Serling, criador e apresentador de “Além da Imaginação”, que foi ao ar pela primeira vez em 1959, mesma década dos acontecimentos do filme em tela. A segunda é o nome da rádio onde Everett trabalha, cuja sigla é WOTW, acrônimo de “War of the Worlds”, título em inglês de “A Guerra dos Mundos”.

“A Vastidão da Noite” é uma interessante produção que impressiona pela simplicidade ao contar uma tensa história sobre um fato misterioso e, até então, inexplicável, que está ocorrendo naquela determinada cidade pequena. E o longa em questão utiliza elementos narrativos instigantes para manter o público apreensivo e curioso acerca dos fatos narrados pelos personagens. Essa reunião magistral de elementos narrativos que fazem fortes homenagens aos clássicos da ficção científica constroem uma atmosfera misteriosa narrada no longa em tela em um clima mais tenso e obscuro, colocando, ao mesmo tempo, medo e apreensão. E mais: o longa também se utiliza desses elementos para atiçar a curiosidade pelo desconhecido.

O filme em tela consegue entregar uma obra simples, porém impressionante e impactante, cuja abordagem está cheia de excelentes referências ao gênero de ficção científica, com uma ótima mesclagem ao suspense. Em sua estreia na cadeira de diretor, Andrew Patterson entrega uma obra que envolve o público durante a jornada rumo ao desconhecido pelos dois personagens centrais em busca de respostas, instigando a curiosidade sobre assuntos ainda misteriosos e inexplicáveis.

“A Vastidão da Noite” está disponível na Amazon Prime Video.

Nota: 9.0