Pedro Almodóvar é um excelente diretor e roteirista que tem o costume de inserir críticas sociais em seus filmes. O cineasta espanhol apresenta formidáveis análises sociais e estéticas através de elementos narrativos nas produções em que ele trabalha. Pode-se perceber tais estratégias em filmes como “A Pele que Habito” (2011).

Almodóvar se utiliza dessa estratégia narrativa ao roteirizar e dirigir o filme “Mães Paralelas”, que segue o mesmo caminho de outras produções. O filme em tela explora as dificuldades que as mães solteiras (principalmente as que são mães pela primeira vez) têm ao terem que cuidar de seus filhos sozinhas nos primeiros anos. E, durante esse trajeto, o longa em questão também aborda sobre amizade, amor, problemas financeiros, luto e outros tipos de complicações relacionados à maternidade; e, paralelamente, também discute uma questão política que atingiu muitas famílias espanholas.

A fotógrafa Janis (Penélope Cruz, de “Assassinato no Expresso do Oriente”, 2017) e Ana (Milena Smit) são duas mulheres solteiras que se conhecem e compartilham o mesmo quarto de hospital em Madrid quando estão prestes a dar à luz no mesmo dia. No entanto, elas têm expectativas muito diferentes sobre a maternidade. Janis, de meia idade, teve a gravidez planejada e já se sente preparada e ansiosa para ser mãe. Ana, adolescente, engravidou por acidente e sente medo do que está por vir, além de estar assustada, insegura e traumatizada. As duas mulheres enfrentam essa jornada como mães solteiras e, enquanto esperam pela chegada de seus bebês, elas trocam confissões e desabafos, criando uma forte amizade.

A amizade criada por Janis e Ana, criada pelo curto período de tempo no hospital deixa novas reflexões e perspectivas para o futuro. Agora, essas duas mães devem encarar os desafios da maternidade enquanto buscam ter uma boa vida. Ao dividir não só o mesmo quarto de hospital, como também esse momento tão transformador e intenso de suas vidas ao longo do tempo, elas constroem um vínculo muito profundo que pode mudar a vida de ambas para sempre; especialmente quando o peso da verdade ameaça transformar a maternidade num pesadelo. E ambas precisam continuar lutando, emocionalmente, para seguir com suas vidas.

Mães Paralelas” se molda em volta de um fato histórico sobre uma fossa que serviu à ditadura militar para enterrar rebeldes durante a Guerra Civil Espanhola; objeto este de interesse pessoal de Janis, que procura conseguir autorização do governo para poder realizar a escavação no local, a fim de recuperar os restos mortais do avô. Almodóvar se utiliza dessa subtrama para contextualizar a importância e preocupação da sociedade, enquanto existência social, acerca de suas origens, a forma de preservar essas memórias e como continuar escrevendo sua própria história.

O cineasta espanhol sobrepõe esse drama histórico com a trama principal para fazer uma reflexão sobre o tema que o roteiro se propõe a abordar, de modo que ambas acabam se correlacionando diretamente no contexto do drama familiar vivido pelas duas personagens principais e como isso, de certo modo, afeta a relação entre elas. Almodóvar consegue abordar tal tema desenvolvendo a importância histórica que a escavação tem na vida de Janis. Com isso, não é exagero afirmar que os dois arcos de “Mães Paralelas” se encaixam perfeitamente, de modo que o drama materno e o relacionamento social criado pelas duas mães se entrelaçam com o drama histórico e o impacto que isso tem na vida de Janis, pois o propósito dela é a busca pela verdade.

No meio de todo esse desenvolvimento narrativo, Almodóvar vai explorando o universo feminino, abrindo as diversas camadas da figura materna e, nesse processo, fortalece o elo afetivo entre as duas mães, conforme elas vão descobrindo as dificuldades da maternidade e se aproximam cada vez mais durante o processo de amadurecimento e crescimento pessoal. As dificuldades acerca da maternidade talvez já seja um assunto cotidiano na vida de todo mundo, mas o cineasta aborda o drama na vida destas duas mulheres em específico de forma a construir uma análise crítica social em cima de um tema comum. E é justamente por ser esse tema comum à muitas mães solteiras é que causa um impacto emocional e social.

Sob uma minuciosa abordagem artística de Almodóvar, “Mães Paralelas” é apresentado de modo a intrigar o público acerca de determinados fatos sobre o drama materno enfrentado por Janis e Ana, conforme os fatos vão se desenrolando durante a história. Nessa perspectiva, a narrativa sai do lugar comum e toma um caminho dramático que instiga o público a saber mais sobre os dramas enfrentados pelas duas mães, de forma emocionante.

Penélope Cruz está brilhante e surpreendente em sua personagem, garantindo uma justa indicação ao Oscar. A atriz dá um show de atuação, como sempre. Almodóvar, de forma igualmente competente como diretor, consegue extrair todas as nuances perfeitas que Cruz precisa para transpor sua personagem, e a atriz desempenha os exageros talentosamente na medida certa. Penélope Cruz está imponente e, com certeza, sua atuação vale a indicação ao Oscar.

Mães Paralelas” pode não ser o melhor longa de Pedro Almodóvar, mas, definitivamente, é um ótimo filme político que expõe as feridas de pessoas que perderam seus familiares durante a Guerra Civil Espanhola; tema abordado como pano de fundo para contar uma história dramática familiar. A produção tem uma identidade própria e, sob a narração criativa de Almodóvar, apresenta, de forma cuidadosa, uma bela e intensa história sobre os conflitos da maternidade e como duas mães totalmente diferentes aprender a lidar com as novas vidas; tema este muito atual e bastante comum a muitas mães solteiras, que podem se identificar com a história narrada. Por fim, o filme em tela também fala de amor e amizade de forma emocionante.

Mães Paralelas” é produzido por César PardiñasEsther García e Agustín Almodóvar, pela El Deseo, produtora de filmes de propriedade dos produtores espanhóis dos Irmãos Almodóvar – que também produziu “A Pele que Habito” (2011), “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999) e “Volver” (2006) –, e distribuído pela O2 Play para a Netflix; a primeira parceria do cineasta espanhol com o streaming. O filme em tela foi lançado na plataforma em 3 de fevereiro de 2022 e tem Alberto Iglesias como responsável pela trilha sonora.

Mães Paralelas” está concorrendo a duas estatuetas do Oscar 2022, nas categorias de Melhor Atriz (para Penélope Cruz) e de Melhor Trilha Sonora Original (para Alberto Iglesias). Confira a lista completa com os indicados ao Oscar 2022, clicando aqui.

Mães Paralelas” está disponível na Netflix.

Nota: 8.0

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