Documentário animado dinamarquês explora a triste e emocionante jornada de um refugiado do Afeganistão em busca de sobrevivência e aceitação.

Amin era menor quando chegou à Dinamarca sozinho, vindo do Afeganistão. Hoje, com 36 anos, é um académico de sucesso e está noivo do seu namorado de longa data. Mas esconde um segredo há mais de 20 anos, que começa a ameaçar arruinar a vida que construiu para si. Amin, pela primeira vez, partilha a sua história com um amigo chegado. Um documentário feito na primeira pessoa, em jeito de entrevista, Flee/A Fuga empurra os limites do gênero retratando a experiência de um refugiado através de uma animação, para apresentar um livro de memórias comoventes.

Durante o ano de 2021, uma das animações que mais me chamou a atenção foi “Fuga” (ou Flee/Fugt) é um documentário animado dinamarquês que recebeu grande atenção da crítica internacional, e acabou tendo um reconhecimento histórico no Oscar desse ano, sendo o primeiro filme na história da premiação a ser indicado simultâneamente a categorias melhor animação, documentário e filme internacional.

O diretor Jonas Poher Rasmussen (What He Did) comanda essa animação produzida por Riz Ahmed (Venom, O Som do Silêncio) e Nikolaj Coster-Waldau (Game of Thrones, Oblivion), e conta obviamente com a voz de Amin Nawabi, interpretando a si mesmo e narrando a sua história de vida.

O estilo de animação é sem dúvidas um dos grandes pontos altos do filme. A ideia de fazer um documentário contando uma história tão triste e pessoal em forma de animação é um acerto, deixando o storytelling muito mais interessantes e apelativos, permitindo recursos visuais e narrativos que só a animação permite. Destaque também para a sonorização da animação e o trabalho de dublagem do elenco.

Logo de cara, o filme retrata os conflitos no Afeganistão que ameaçam a vida da família de Amin, com seu pai sendo capturado e morto pelos regentes e o exército do país, e seus irmãos sendo ameaçados a servir o exército. Acompanhamos sua literal fuga do país junto com sua mãe, irmãos e irmãs para a Rússia, onde seu irmão mais velho mora e tem um emprego. O filme no entanto não consegue explorar bem a infância do protagonista em seu país natal, com um ritmo meio apressado que deixa de explorar alguns pontos importantes como o seu relacionamento com suas irmãs.

As autoridades (polícia, exército, marinha, etc) têm um papel grande e curioso no filme. Hoje se discute muito o poder e autoridade da polícia na nossa sociedade, e o filme acaba trazendo essa discussão mostrando a forma autoritária e corrupta com que ela age em determinados cenários, principalmente quando se trata de refugiados e imigrantes (sendo ilegais ou não).

A forma como ele trabalha a sexualidade do protagonista é algo bem interessante e significativo para a narrativa e a história do filme. Desde a infância mostrando como ele se descobriu homessexual, através de pôsteres do ator Jean-Claude Van Damme no filme “O Grande Dragão Branco”, até a vida adulta onde ele é casado (e feliz) com um homem, o filme mostra suas dificuldades para aceitar seus sentimentos e contar a verdade para sua família, em meio a países (como a própria Rússia, onde ele se refugia por um bom tempo) que tratam o homossexualismo como um crime.

Sem entrar em uma área de spoilers, mas por conta do tema é de se esperar que o filme esteja recheado de momentos e cenas bem tristes, revoltantes e assustadoras. Mas existe uma em particular que consegue ser a mais chocante do filme, sem envolver uma agressão ou ameaça por parte de um ser humano portando uma arma ou usando sua autoridade. Trata-se da cena em que o protagonista e um grupo de refugiados se veem no mar com um barco afundando quase sem esperança, e encontram um navio gigantesco com um grupo de pessoas fazendo um cruzeiro de luxo pelo oceano.

É uma sequência simples mas que traz um grande peso e impacto para o protagonista e o espectador. Desde a narração de Amin falando sobre como se sente “inferior” e envergonhado por se encontrar em uma situação dessas, até o completo desprezo das pessoas com a vida humana alheia e esses refugiados lutando pelas suas vidas. É uma falta de empatia que as pessoas têm com as outras (principalmente necessitadas) que o filme escancara que realmente choca e assusta, sendo um toque bem profundo e emocional.

“Fuga” é uma história forte e atemporal que infelizmente se tornará cada vez mais relevante. É um frescor para quem procura uma animação diferente e que se distancie dos padrões Netflix/Disney/Pixar/Dreamworks,sendo  sem dúvidas um dos melhores filmes de 2021 e um dos melhores entre todos os indicados ao Oscar 2022.

Nota: 9

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