"Noite Passada em Soho" entrega um terror psicológico interessante e esteticamente invejável.
Terror psicológico, mistérios, Londres, nostalgia e Anya Taylor-Joy. Combinação perfeita? Sem dúvida. Desde seu primeiro trailer, Noite Passada em Soho chamou atenção pelo clima de tensão, por suas cores marcantes e por trazer uma das principais atrizes de Hollywood da nova geração, Anya Taylor-Joy.
Noite Passada em Soho (Last Night in Soho) é um filme britânico de terror psicológico dirigido por Edgar Wright, conhecido por filmes como Em Ritmo de Fuga (Baby Driver, 2017) e Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), que também assina o roteiro ao lado de Krysty Wilson-Cairns. Vale destacar que o longametragem traz as últimas aparições das atrizes Dianna Rigg, que interpreta a Sra. Collins, e Margaret Nolan. Ambas faleceram, respectivamente, em setembro e outubro de 2020.
O longa que foi lançado no festival de Veneza no dia 4 de setembro de 2021 e chegou aos cinemas brasileiros no dia 18 de novembro conta a história de Eloise, ou Ellie, (Thomasin Mckenzie, Jojo Rabitt), uma jovem do interior do Reino Unido que se muda para Londres para estudar moda. Hospedada em um quarto de um bairro chamado Soho, durante o sono, ela é misteriosamente transportada para a Londres da década de 1960, onde acompanha a história de Sandie (Annya Taylor-Joy, O Gambito da Rainha), uma cantora que entra em uma relação amorosa complicada enquanto almeja a carreira musical e isso começa a refletir diretamente na vida de Ellie.
Os mistérios por trás da mente humana sempre atraem nossa atenção. E a partir dessa complexidade é tecida a trama de Noite Passada em Soho, ao introduzir uma protagonista com um passado familiar associado a transtornos mentais, que tem visões detalhadas de situações que, apesar de parecerem absolutamente reais, são de uma outra época. Ao longo da trama, nos questionamos se Ellie teria de certa forma um dom, no qual consegue se comunicar com pessoas do passado, ou se ela sofre algum tipo de desordem mental. E jogando com essa dualidade, a atriz Thomasin Mckenzie entrega uma personagem frágil, mas ao mesmo tempo complexa e consistente, o que torna difícil a tarefa do telespectador de desvendar os significados por trás do que ela vê.
Ao longo da película acompanhos diferentes fases de Ellie. Desde aquela jovem empolgada por iniciar a vida no lugar dos sonhos, até aquela atormentada pelos que a cercam, por suas visões e por não aceitar as próprias singularidades. A busca pelo pertencimento e aceitação é, sem dúvida, uma das jornadas dessa protagonista.
Integrando o núcleo de personagens contemporâneos temos aquele clássico grupo de garotas, bem no estilo Meninas Malvadas, que conseguem com sucesso obter todo o ódio do público e dão uma personalidade mais atual ao filme. Elas estudam moda com Ellie e uma especificamente, Jocasta (Synoove Karlsen), aterroriza a jovem recém-chegada a Londres desde o primeiro dia. Por sorte, compondo esse núcleo também temos John (Michael Ajao), que será um ponto de equilíbrio, conforto e afeto da trama, que pode ser pesada emocionalmente em alguns momentos.
O filme logo chama atenção por sua fotografia. O clima extravagante e urbano da Londres de 1966 é aproveitado com primor. O neon avermelhado do letreiro que reflete constantemente no quarto de Ellie enquanto ela se prepara para se aventurar em sua jornada entre presente e passado provocam a atmosfera perfeita, que transmite mistério e ao mesmo tempo tensão. As mãos de Chung Chung-hoon, que, vale lembrar, atuará como diretor de fotografia na próxima série do Disney+, Obi-Wan Kenobi, de fato fazem toda a diferença e fazem do filme um possível candidato à temporada de premiações nessa categoria. E é justamente a casa do Soho onde Ellie se hospeda em que se passarão as duas cenas que mais chamarão atenção por sua estética impecável.
O passeio entre duas fases temporais tão distintas permite figurinos belíssimos. A nostalgia irriga cada poro de Noite Passada em Soho, tanto no aspecto visual quanto em sua trilha sonora muito bem estruturada. E as tomadas conjuntas que misturam Ellie e Sandie, como se elas fossem uma só são simplesmente fantásticas e extremamente fluidas. O jogo de câmeras e espelhos tornam a experiência deslumbrante e nem um pouco forçada. Um dos principais acertos do filme, que, sem dúvida, poderia ter sido impecável e talvez o melhor do ano. Poderia, mas não foi.
Apesar do roteiro prender a atenção do público ao longo de sua 1 hora e 56 minutos e ter plot twists interessantes, é como se em seu terço final Wright tivesse se rendido à zona de conforto. O glamour tão distinto e meticulosamente construído ao longo de boa parte da trama inspirado nos clássicos, deu espaço para vícios estruturais e convenções típicas dos filmes de terror mais clichês da década de 1990. O problema é a presença de fantasmas, vultos e afins? Não. O problema é forçar fugas de assombrações, obviedades e jump scares, sendo que o filme vinha completamente coeso e fora da caixa, o que dispensava completamente esse tipo de recurso. Uma pena.
Noite Passada em Soho é um grande filme, não se engane. Edgar Wright mostra a melhor versão de si até agora, um amadurecimento visível e, acima de tudo, versatilidade. Mas não dá pra negar a existência de uma frustração pelo que o filme poderia ter alcançado. O longa que tinha tudo para ganhar as principais premiações da temporada, por uma derrapada, perde seu lugar de destaque.
Nota: 8,0
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