"Arcane" traz uma trama muito bem construída e se consolida como uma das melhores séries do catálogo da Netflix em 2021.
Que a Netflix tem investido pesado em novos projetos, isso não é novidade pra ninguém. A gigante dos streamings aumenta progressivamente seu catálogo de filmes, séries, documentários, realities e animações, com inspirações que vão desde livros, HQ's, mangás e agora, mais recentemente, games. E a escolha a seguir não podia ser mais assertiva.
Arcane é uma série animada ambientada no universo do game League of Legends. Com produção da Riot Games em parceria com a Fortiche Productions, a série, que estava prevista para 2020, teve seu primeiro ato lançado em 6 de novembro de 2021, devido à pandemia da Covid-19. A série conta com três "atos" e um total de nove episódios.
A trama gira em torno de cidades gêmeas severamente opostas. Temos de um lado aqueles que vivem na chamada Ladoalto. As pessoas dessa região são da alta aristocracia. Além de deterem poder aquisitivo, elas recebem sobretudo um olhar cuidadoso por parte dos conselheiros do governo, enquanto uma tecnologia chamada Hextec começa a ser explorada em prol desse grupo seleto. Do outro lado, temos aqueles que vivem na Subferia, uma espécie de distrito subterrâneo que recebe toda poluição oriunda de Ladoalto, é dominado pela fome, por uma droga perigosa chamada sintila e que é, ainda por cima, subjugada por criminosos, enquanto o governo os trata completamente às margens da sociedade.
Por trás desse pano de fundo, conhecemos as irmãs Vi (Hailee Steinfeld) e Powder (Ella Purnell/Mia Sinclair Jenness), que serão terrivelmente impactadas por essa conjuntura social, o que gerará desdobramentos que interferirão diretamente nessas cidades.
Arcane é um acontecimento. Um verdadeiro achado. A começar, os traços da animação são de tirar o fôlego. Seus desenhos e cores marcantes são certeiros na hora de transmitir cada um dos sentimentos dos personagens. Temos um realismo absurdo, que se alterna em determinadas cenas com traços mais simples, pra gerar um contraste e isso funciona de maneira fluida e artesanal.
A trilha sonora é outro ponto a ser reverenciado. Além de uma das mais belas aberturas vistas em séries nos últimos anos, a escolha das músicas no decorrer dos episódios representa de forma coerente as duas antagônicas realidades mostradas de forma a se obter um paralelo perfeito das dicotomias da sociedade.
Se você não está por dentro de League of Legends, não se preocupe. Desconhecer o jogo não afeta em nada sua experiência. A história é narrada sem se apressar e explora seus personagens com equilíbrio. Não falta ação e emoção em nenhum dos seus atos tão cuidadosamente construídos.
Cada ato apresenta com minúcia os vários personagens estabelecendo um vínculo muito claro e orgânico com o público. Nisso, a escolha do elenco foi um item determinante. Hailee Steinfeld está excelente dando voz a Vi (Violet) uma jovem de personalidade forte que foi obrigada a amadurecer muito cedo e servir de referência para sua irmã caçula, Powder, num mundo no qual ela não tem muitas escolhas a não ser tentar sobreviver.
A relação de Vi, nascida na Subferia, com Caitlyn (Katie Leung), filha de uma das conselheiras do Ladoalto, evoca aquele clichê que tanto gostamos, que é a relação entre pessoas de "mundos" tão distintos, que além de cativar quem assiste, cria um ship forte e carismático, com muito potencial a ser explorado.
Ella Purnell dá voz a Powder/Jynx com perfeição e consegue transmitir com excelência seus conflitos internos e decorrentes de traumas profundos sofridos em sua infância. Ela é aquele tipo de personagem imprevisível e explosivo que é impossível não se encantar com suas tamanhas nuances.
Outro personagem marcante é Silco (Jason Spisak). A complexidade de sua relação com Jinx é um dos pontos altos da série. Fruto de um meio complexo e nutrido por vingança, ele acaba desenvolvendo um afeto fraternal genuíno pela jovem Jinx, ainda que esse sentimento tenha nascido de forma tão tóxica e seja deveras questionável.
Na verdade, um dos acertos da narrativa é justamente trazer personagens com várias camadas. Temos uma Vi determinada e com um coração enorme, mas ao mesmo tempo tão machucada e com tamanha sede de vingança contra Silco e esse sistema que é alheio aos que vivem na Subferia. Temos ainda Jayce (Kevin Alejandro), um cientista que ao mesmo tempo que sonha em usar a Hextec para ajudar as pessoas, cogita a fabricação de armas para "defender" apenas uma parte da população. Enfim, vemos luz e escuridão em cada personagem, o que dá imprevisibilidade e torna a história ainda mais envolvente.
A história de Arcane é rica em significados e mensagens. Acompanhamos um plot extremamente atual ainda que envolto por elementos fantasiosos, afinal vivemos em um mundo onde assistimos pessoas marginalizadas e esquecidas pelo poder público. Temos também a discussão sobre a ética por trás da ciência. Até que ponto a evolução e os avanços tecnológicos podem deixar de ser aliados e se tornarem armas perigosas de destruição em massa. Mas acima de tudo, Arcane é uma série sobre família e suas complexas relações. A série trabalha questões como lealdade, abandono e resiliência.
Arcane é a prova de que o universo de League of Legends é riquíssimo e pode render excelentes tramas. Um verdadeiro ar fresco para a indústria televisiva que nos últimos tempos tem focado demais em histórias de heróis inspirados em HQs e precisava realmente de uma nova franquia de impacto pra renovar o cenário.
O fim da primeira temporada foi emocionante e deixou uma vontade absurda por mais. Por sorte, a segunda temporada já foi confirmada pela Netflix e, em breve, teremos mais desses incríveis personagens e universo único.
Nota: 10,0
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