"Maid" mostra o cruel ciclo da violência doméstica e escancara sobre a necessidade dos programas assistenciais, ainda que neles existam inúmeras amarras burocráticas.

VD. Sigla utilizada para se referir à violência doméstica. Antes de iniciar a crítica de hoje, vamos a alguns dados um tanto quanto alarmantes.

Com o isolamento social determinado pela pandemia, a violência doméstica chegou a triplicar nos países que aderiram ao distanciamento, segundo a Organização das Nações Unidos (ONU). Os Estados Unidos, por exemplo, chegaram a registrar aumento de 13% no número de atendimentos registrados por sua Linha Nacional de Violência Doméstica. Se utilizarmos o Brasil como parâmetro, os números são ainda mais assustadores, já que a cada minuto, 25 brasileiras sofrem violência doméstica. Esses dados só reforçam algo já conhecido, mas que por vezes é visto de maneira indiferente por parte da sociedade: a violência doméstica é real, ela existe COM ou SEM pandemia, e precisa ser combatida urgentemente. 

Maid é uma minissérie dramática original Netflix que vai trazer à reflexão esse assunto. Criada por Molly Smith Metzler e inspirada no livro de Stephanie Land "Maid: Hard Work, Low Pay, and a Mother’s Will to Survive", a história foi lançada no streaming no dia 01 de outubro. Vale destacar que Metzler também assina a produção executiva ao lado de nomes como John Wells, Margot Robbie (sim, a atriz!) e Tom Ackerley. Entre as produtoras envolvidas, temos a gigante Warner Bros.

A minissérie acompanha a vida de Alex (Margaret Qualley), uma mulher que foge de casa no meio da noite com sua filha de dois anos,  Maddy (Rylea Nevaeh Whittet), após ser violentada psicologicamente pelo parceiro. A partir daí, acompanhamos a saga dessa mulher para conseguir viver como mãe solo, já que durante muito tempo ela foi privada de muito e controlada pelo ex-companheiro, Sean (Nick Robinson).

E não pense que será fácil a jornada de Alex. Muito pelo contrário! Alex não tem emprego, passa a não ter casa e, ainda por cima, possui um histórico familiar complexo. Filha única, sua mãe sofre de transtornos mentais. Quanto ao pai, a jovem não mantém contato desde a infância e no quesito amizades, basicamente todos os seus amigos são do círculo de amizade do ex, ou seja, ela não tem com quem contar nesse momento difícil. Assistimos, portanto, uma jornada de reivenção e redescoberta. A começar, ela precisa entender realmente que ela é uma vítima de violência doméstica.

Além de muito bem dirigida, a minissérie é criativa e foge um pouco dos moldes recorrentes em tramas do gênero. É como se ficássemos imersos nos pensamentos de Alex. Quando ela não entende a linguagem jurídica de uma audiência de custódia, nós espectadores somos expostos ao ponto de vista de Alex. Outro recurso bem utilizado é a possibilidade de acompanharmos o saldo da moça a cada novo gasto, algo que escancara a desigualdade e mostra a gravidade da situação da jovem. 

Não faltam mensagens na trama. E esse é justamente seu ponto forte. A série traz lições mais que necessárias. Uma delas sobre a importância dos programas assistenciais na vida das vítimas de VD, que estão desesperadas por um recomeço, em contrapartida a história não poupa em nos mostrar o quão complexas e às vezes inacessíveis são as burocracias por trás desses sistemas.

Como funcionária de uma empresa de diaristas, razão do nome da série, Alex tem contato com a vida de outras pessoas. E essas outras realidades ela registra em um caderno, já que uma de suas paixões é a escrita, mais um sonho frustrado por um relacionamento abusivo. São essas outras vidas que enriquecem a série com outros pontos de vistas e novos personagens, entre eles Regina (Anika Noni Rose), uma cliente com temperamento difícil, com a qual Alex vai desenvolver um vínculo de amizade. Esse passa a ser um dos núcleos mais interessantes da história.

Vale, no entanto, um alerta. A série é repleta de gatilhos. O ciclo da violência doméstica é pesadíssimo de ver, até porque além de Alex outros casos são abordados. Margaret Qualley está sensacional no papel principal sendo o verdadeiro divisor de águas da série. A atriz, que ficou conhecida por sua personagem Jill Garvey da série da HBO, Leftlovers, entrega uma jovem autêntica, que vive a maternidade de um modo realista, pra quem é impossível não se torcer e com quem sofremos juntos. E pensa em sofrimento! 

Essa série faz a gente roer as unhas em seus dez episódios. Talvez essa seja justamente uma de suas falhas. A minissérie busca adicionar comédia para dar um pouco de alívio ao enredo pesado, mas não é o bastante. Além disso, oito episódios teriam sido mais que suficientes para apresentar a história de Alex, sem remoer demais certos contextos.

Outro show de interpretação é garantido por Andie MacDowell. A atriz que dá a vida a Paula, mãe de Alex, e que é mãe na vida real de Margaret Qualley, encontra um tom único para sua personagem que duela entre a realidade e o imaginário e, ao mesmo tempo, carrega estigmas potentes de uma vida de violências. Impossível não se emocionar com o entrosamento das duas em cena.

Maid merece muito mais holofotes do que tem recebido até agora. É uma minissérie necessária, que  não romantiza a violência e mostra de forma realista como  muitas mulheres não conseguem escapar desses ciclos de violência. Por isso, o melhor caminho é evitar que eles se iniciem! A começar pela informação! Preparem, portanto, os lencinhos e não deixem de assistir.


Nota: 8,5

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